“Não tem status diplomático. O escritório será conduzido por pessoas não ligadas à carreira diplomática”, esclareceu na noite ontem o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, no saguão do hotel King David, onde Bolsonaro está hospedado com a comitiva presidencial.
Com a decisão, uma novidade diplomática criada por Bolsonaro, o Brasil mantém a embaixada em Tel Aviv e cria o escritório em Jerusalém. A distância entre as cidades é de 65 quilômetros. A saída encontrada pelo governo, no entanto, não agrada 100% a nenhum dos dois lados.
Após participar de uma longa reunião com Netanyahu, Bolsonaro fez questão de enfatizar que a decisão de abrir o escritório teve aval dos militares que integram seu governo. Os militares eram contra a mudança de embaixada pelas consequências que teriam com o bloco árabe. “Agora há pouco tomamos a decisão final, ouvindo inclusive o nosso general Augusto Heleno, ministro de Estado, em criar, abrir aqui em Jerusalém, um escritório de negócio, voltado para a ciência, tecnologia e inovação.” O presidente também citou o diplomata Oswaldo Aranha, chanceler que presidiu a Assembleia Geral da ONU na reunião de 1947 e propôs a partilha da Palestina para criação do Estado de Israel. “É motivo de muito orgulho para mim e para o povo do meu país o papel que o nosso chanceler Oswaldo Aranha desempenhou na criação do nosso Estado de Israel. Eu disse nosso.”
Pela manhã, Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que acompanha Bolsonaro, havia deixado claro que o Brasil não romperia relações diplomáticas com países árabes. “Interessa essa aproximação com Israel sem que isso signifique, de maneira nenhuma, um afastamento da comunidade árabe. Isso precisa ficar muito claro.”
“Eu abençoo essa decisão de abrir um escritório”, disse Netanyahu. “É o primeiro passo para que, quem sabe um dia, se chegue á embaixada do Brasil em Jerusalém.” O primeiro-ministro contava com a transferência da embaixada para ganhar pontos na campanha eleitoral. EUA e Guatemala transferiram as embaixadas. Netanyahu, há mais de dez anos no poder, disputará a reeleição em 9 de abril. A Autoridade Palestina condenou a abertura do escritório e chamou seu embaixador no Brasil para explicações.
A imprensa brasileira recebeu o comunicado da criação do escritório à tarde, enquanto aguardava na entrada da residência oficial de Netanyahu. Jornalistas credenciados pelos dois governos tiveram documentos checados e foram interrogados um a um para ter acesso ao local. Também passaram por checagem para ver se havia rastro de pólvora nas mãos. O processo durou cerca de duas horas.
Questionado se o gesto significa que o governo brasileiro passará a reconhecer Jerusalém como capital, o que teria consequências diplomáticas complexas por significar a recusa de reconhecimento da parte palestina, Rêgo Barros salientou que essa possibilidade continua sob análise.
O recuo de Bolsonaro, que na campanha eleitoral prometeu transferir a embaixada de Israel em Tel Aviv para Jerusalém, foi explicado pelo porta-voz como resultado de “análise por parte do ministério”. “Nosso presidente faz suas ações mediante análise por parte do nosso ministério, e assim deve ser com todas as questões que são importantes para o nosso governo.” Segundo ele, as razões para evitar a mudança seriam mantidas “intramuros”.
Bolsonaro disse que Brasil e Israel estiveram separados por algum tempo “tendo em vista [mandatos de] um governo ideologicamente de esquerda”. “Mas, nossas origens falaram mais alto. O povo entendeu que deveríamos mudar o destino do Brasil”, disse. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduziu uma aproximação diplomática com países árabes. O atual governo quer se contrapor a essa visão. “Felizmente retomamos o tratamento equilibrado às questões do Oriente Médio”, disse Bolsonaro, na cerimônia de recepção, no aeroporto. Netanyahu disse que Brasil e Israel iniciaram uma “nova era” de relacionamento.
Bolsonaro também deu um caráter religioso à visita, relembrando seu batismo no rio Jordão em 2016, citando seu nome do meio, Messias, e se apresentando como cristão. “Sou, como diz a ministra Damares [Alves, da Família e Direitos Humanos], terrivelmente cristão.” Os dois tentaram demonstrar proximidade, referindo-se mutuamente como amigos e irmãos. Netanyahu disse que falaria “palavras do coração”, em vez de um pronunciamento oficial, e destacou o início “novo e maravilhoso” do relacionamento. Bolsonaro disse se sentir em casa em Israel, onde fica até quarta-feira.
Fonte: Valor Econômico