PUBLICADO EM 23 de dez de 2022
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‘Bolsonaro preferiu mentir no cercadinho do que governar’, diz Lula

Fala do presidente eleito foi durante apresentação relatório final da transição. Documento apresentado nesta quinta (22) traz uma síntese do que o futuro presidente vai encontrar a partir de 1º de janeiro, e medidas emergenciais para que não haja interrupção dos serviços públicos. De acordo com Alckmin e Gleisi, retrocessos e penúria desafiam o governo Lula

Coordenador da Transição, Alckmin entrega relatório final e cita “travessia para um porto seguro” – Foto: Reprodução

Ao receber o relatório final de seu grupo de transição, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou, nesta quinta-feira (22), que herdará o Brasil “numa situação de penúria”. Elaborado por 32 grupos técnicos, o documento, entregue a Lula em cerimônia no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, traz uma síntese das medidas emergenciais que precisam ser adotadas para que não haja interrupção dos serviços públicos e do país que o novo presidente encontrará a partir de 1º de janeiro, quando toma posse.

Um Brasil que, de acordo com ele, sofreu um “retrocesso” ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL). “Esse material eu não pretendo fazer um show, um escândalo, eu preciso apenas que as sociedade brasileira saiba como tomamos posse, o Brasil que encontramos em dezembro de 2022. Depois de quatro anos de mandato, nós recebemos esse governo numa situacao de penúria em que as coisas mais simples não foram feitas de forma irresponsável porque o presidente preferia mentir no cercadinho que governar esse país”, disse Lula.

O presidente eleito afirmou que o relatório também será entregue aos deputados federais e senadores para que eles comecem a próxima legislatura “sabendo o Brasil o que foi entregue”. Lula abriu sua fala no evento desta quinta, agradecendo aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Arthur Lira (PP-AL), pela aprovação no Congresso da chamada PEC da Transição, que abre espaço no orçamento de 2023 para viabilizar a manutenção dos R$ 600 para o Bolsa Família.

PEC da Transição
Segundo Lula, a medida foi necessária para “cobrir a irresponsabilidade do governo que vai sair e não tinha colocado dinheiro necessário para cumprir a política que ele próprio prometeu”. O presidente eleito acrescentou que os partidos políticos, ao aprovar a PEC nesta quarta (21), deram ainda uma “demonstração de solidariedade aos mais pobres desse país”.

Lula, contudo, reconheceu as dificuldades, inclusive orçamentárias, que terá que enfrentar em seu 3º governo. A União, por exemplo, terá à disposição o mesmo orçamento de 2019, se comparado ao Produto Interno Bruto (PIB). “Vamos fazer todo esforço possível para que o pouco dinheiro que esse país esta arrecadando seja colocado à disposição das pessoas mais necessitadas para que a gente possa fazer as políticas que fizemos uma vez e que tanto prometemos nas eleições”, ressaltou o petista.

Outro desafio será a reconstrução da máquina do estado para os brasileiros, conforme apontou a deputada federal Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT. Com base no relatório da transição, a parlamentar descreveu que, “infelizmente há um alto grau de destruição no Brasil e isso vai requerer de quem está participando do governo e apoiando uma grande presença para que a gente faça essa reconstrução”.

Os desafios, segundo o relatório
Uma das áreas mais prejudicadas, de acordo com o documento, é a educação. O grupo técnico lista uma diminuição na aprendizagem, com aumento da evasão escolar. Mesmo recursos essenciais, como para a merenda escolar, ficaram congelados em R$ 0,36 centavos. Os institutos e as universidades federais “quase tiveram um colapso”, segundo o GT da Educação.

O grupo da Saúde também levantou que ao menos 50% das crianças brasileiras não tomaram a última dose da vacina contra a poliomielite, que desde 2016 passou a ser de três doses. Ao comentar o resultado, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), que chefiou os trabalhos da transição, alertou que a doença mata e já vem deixando sequelas que podem ser verificadas em inúmeras áreas. De acordo com ele, o Brasil deverá com o governo Lula recuperar o Programa Nacional de Imunizações (PNI) que era uma referência mundial.

“Três coisas mudaram o mundo, água tratada, vacina e antibiótico. Elas fizeram a gente dobrar a expectativa de vida. Há um grande desafio na área da saúde. A maneira displicente e irresponsável (do governo Bolsonaro) fez com que o Brasil tendo 2,7% da população mundial tivesse quase 11% das mortes por covid nessa pandemia mundial. (…) Fico feliz como medico que na PEC social, na PEC da Vida, os recursos mais expressivos estão para a área da saúde”, elencou Alckmin.

Desmonte na Cultura, Agricultura e outras
O relatório final também mostra que a Cultura também sofreu uma redução de quase 90% dos recursos. “Quando a cultura é economia criativa e emprego na veia e transformadora para melhoria da sociedade”, contestou o vice-presidente. A flexibilização do porte e da posse das armas também foi mencionada no documento como um dos fatores responsáveis pelo aumento dos crimes de feminicídio, quando as mulheres são mortas por sua condição de gênero. Nos últimos seis meses, o machismo e as armas de fogo fizeram 700 vítimas.

A redução de recursos públicos também atingiu a agricultura. O relatório indica que houve um corte de 95% sobre a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o que atingiu os estoques de alimentos que levaram, por consequência, a um aumentos nos preços que agravou a insegurança alimentar. Os problemas também seguem na área de infraestrutura, em que 93% das rodovias federais estão sem contrato de manutenção e prevenção. “E agora vem a chuva”, advertiu Alckmin.

O vice ainda completou que apesar da previsão de um verão chuvoso, os recursos para defesa civil e prevenção de desastres foram praticamente reduzidos a R$ 2 milhões. “Um país que tem regiões montanhosas, ocupações urbanas muitas vezes inadequadas e que a questão da defesa civil é grave”, criticou ele. No campo da habitação, a transição lamentou o fato de Bolsonaro ter tirado a possiblidade de financiamento da casa próprias pelas famílias que ganham menos de R$ 1.800. “Praticamente zerou a Faixa 1, que é a mais importante do ponto de vista social”.

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Bolsonaro andou para trás
A falta de transparência também foi encontrada pela equipe de transição. Ao menos 26% dos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) foram negados pelo atual governo federal. A gestão bolsonarista ainda ficou conhecida pelas centenas de decretos de sigilo de 100 anos sobre questões envolvendo Bolsonaro, sua família ou aliados. O futuro governo ainda terá o desafio de lidar com o aumento do desmatamento na Amazônia, de 59% entre 2019 e 2022. O relatório ainda detalha que, nos últimos 30 dias, houve um aumento de 1.216% de queimadas.

Uma devastação que, segundo Alckmin, é feita por “grileiros de terra quando o grande desafio do mundo é questão de combater as mudanças climáticas”, afirmou. Em termos internacionais, o diagnóstico também é negativo. O Brasil ficou fora das grandes decisões e deixou de cooperar com os organismos internacionais, de acordo com o documento final.

“Infelizmente nós vimos que houve um desmonte do Estado brasileiro. Mais de 14 mil obras paradas. Isso não é austeridade, isso é ineficiência de gestão que vai precisar ser recuperada, uma tarefa hercúlea que vem pela frente. (…) Infelizmente tivemos um retrocesso em muitas áreas, o governo federal andou para trás. Então o estado que o presidente Lula recebe é muito mais triste do que anteriormente”, resumiu o vice-presidente que parafraseou, contudo, a transição como uma travesso. “E a caravela chegou a Porto Seguro”, finalizou.

Desenho ministerial
O evento nesta quinta marcou também o anúncio de novos 16 ministros do terceiro governo Lula. O próprio Alckmin acumulará também a função de chefe do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que será recriado. O desenho ministerial terá, ao todo, 37 pastas. Até o momento, 21 nomes foram oficializados, os demais deverão ser confirmados por Lula entre segunda (26) e terça (27).

Governo Lula terá 37 ministérios. Confira nomes já confirmados, 16 anunciados hoje
Pelo menos seis mulheres irão compor o alto escalão da próxima administração. São elas: Anielle Franco (Igualdade Racial); Nísia Trindade (Saúde); Margareth Menezes (Cultura); Esther Dweck (Gestão); Luciana Santos (Ciência e Tecnologia) e Cida Gonçalves (Mulheres).

Segundo Lula, o futuro quadro ministerial refletirá os diversas forças políticas que o apoiaram no que chamou de “eleição mais difícil da história”. O presidente eleito ainda pediu aos futuros ministros e ministras que acolham a pluralidade de pessoas que participaram da campanha neste ano. “Porque nós somos devedores a essas pessoas que ousaram colocar a cara e enfrentar o fascismo que estava espraiado nesse país”, declarou ele.

Fazer mais e melhor
Ao final do anúncio, o petista agradeceu a gratidão do povo que, segundo ele, reconheceu o que os governos do PT fizeram ao longo de 2003 a 2016. “Sobretudo a maioria das mulheres e das pessoas negras que viam no nosso governo uma representação fiel daquilo que sonhavam. E nós agora temos que fazer com mais competência e melhor”, ressaltou Lula. “Nós ja aprendemos quais são os caminhos e as dificuldades”.

O futuro presidente ainda advertiu que, apesar da derrota de Bolsonaro, “o bolsoanrismo está nas ruas desse país nervosa e sem querer reconhecer a derrota. Portanto, além de governar com eficiência e competência, vamos ter que derrotar o bolsonarismo nas ruas desse país para que esse país volte a ser democrático e volte a sorrir”.

“Nós temos uma missão de fazer mais o que pensamos que podemos fazer. Nos dedicar mais do que a gente já dedicou. Porque não é o Lula que esta precisando de vocês, quem está precisando de vocês é o povo brasileiro, a cultura, a educação, o trabalhador, a ciência e tecnologia, os direitos humanos. Quem está precisando de nós é a mulher que é violentada todo dia, o adolescente que esta morrendo na periferia. Quem está precisando de nós são os pobres e negros que são vitimas da doença mais desgraçada desse pais que é o preconceito racial estampado na cara de uma determinada parte da elite brasileira”, descreveu Lula à plateia dos novos 16 ministros.

Confira íntegra do Relatório Final da Transição

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