PUBLICADO EM 14 de mar de 2022
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A Rússia invade, mas não há bons moços na guerra da Ucrânia

O Batalhão de Azov em foto de 2016. As bandeiras ao fundo ostentam os símbolos da Otan, o wolfsangel (gancho do lobo) e a insignia nazista.

Por C. J. Atkins (People’s World)

Apesar da propaganda tendenciosa que passa por “notícias” na grande mídia ocidental, a verdade do assunto é que não há bons moços quando se trata do conflito na Ucrânia. Mas, dependendo do dia, alguns dos maus moços superam o resto.

Em Moscou, o Presidente Vladimir Putin disse por meses que ele queria apenas parar a expansão da OTAN na Ucrânia e deter ataques contra russos étnicos em Donbass, rejeitando afirmações de que a Rússia estava planejando um ataque a seu vizinho. Os ataques aéreos de precisão e incursões na fronteira agora estão em andamento como parte de sua “operação militar especial” mostram a mentira disso. Claramente, o líder russo estava se preparando para o que o velho expert George W. Bush poderia ter chamado de “legítima defesa preventiva”.

Putin senta-se na cabeceira de uma classe capitalista parasita e gangster que governa sobre a riqueza e os recursos roubados que gerações de trabalhadores e fazendeiros soviéticos construíram durante 70 anos de socialismo. Ele destrói a ideia de que pessoas e nações têm o direito de determinar seu próprio futuro, questiona a legitimidade da existência da Ucrânia, e anseia pelos dias do velho Império Russo. Como uma figura política, esse aspirante a czar moderno certamente não merece simpatia de progressistas e esquerdistas no Ocidente.

Mas, simplesmente retratar Putin como a última encarnação de Hitler, um louco com fome de território, como a Presidente da Câmara, Nancy Pelosi, faz é intencionalmente ignorar as queixas de segurança legítimas que a Rússia tem feito por anos. (É também um caso de encontrar nazistas no lado errado da fronteira Rússia-Ucrânia, mas mais sobre isso em um momento.)

A atual crise é sustentada por questões que remontam há mais de 30 anos – do fim da Guerra Fria até o presente. De volta a 1991, o Presidente Bush Primeiro fez uma promessa ao líder soviético, Mikhail Gorbachev, que quando a URSS se retira do Leste Europeu, a OTAN não procuraria adicionar países de lá a suas fileiras.

Se o Ocidente realmente estivesse interessado em criar as condições para a paz duradoura na Europa, teria dissolvido a OTAN completamente naquele momento. Ao invés disso, não bastou nem um minuto para provar que a promessa de Bush era vazia; a aliança não apenas se expandiu nos antigos países do Pacto de Varsóvia, como Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia, mas na verdade devorou nações que eram antigamente parte da própria URSS, como Letônia e Lituânia.

Com a desculpa de ser uma aliança “defensiva” contra a desaparecida União Soviética, a OTAN foi abertamente remodelada em um instrumento direto da política militar dos EUA. A OTAN ajudou a rasgar o País da Iugoslávia em pedaços, bombardeou o Afeganistão depois do 11 de setembro e empurrou a Líbia em uma guerra civil.

Dada essa história, o medo da Rússia da OTAN puxando a Ucrânia para sua esfera e rastejando diretamente para a sua fronteira está longe de ser absurdo. Não é de admirar que Putin esteja exigindo que os EUA e a OTAN removam todas as armas da Ucrânia, que uma garantia seja emitida que a Ucrânia não vai se juntar a aliança e que as antigas armas nucleares soviéticas no território ucraniano sejam seguras. Qualquer líder russo – esquerda, direita ou centro – pediria o mesmo.

Desse lado do Atlântico, o Presidente Joe Biden tem falado sem parar por meses em “defender a democracia ucraniana” e de intenções de paz, o tempo todo implantando crescentes números de mísseis dos EUA e tropas mais perto da fronteira russa – não apenas na Ucrânia, mas Polônia, República Tcheca e outros países. Totalmente conscientes das preocupações de segurança da Rússia, Biden e a OTAN empurraram o envelope de qualquer maneira, agindo como provocadores intencionais. O Presidente dos EUA não é um pacificador.

Embora muito poucos tenham prestado atenção, Biden também puxou a cortina dos interesses econômicos dos EUA empurrando por uma guerra Rússia-Ucrânia – os que estão a lucrar aqui em casa da luta no Leste Europeu. Há os suspeitos usuais, é claro, os fabricantes de mísseis e produtores de aviões, mas as outras grandes vencedoras nessa guerra são as grandes empresas de óleo e gás.

Repetidamente em pontos através da crise atual, Biden ameaçou o gasoduto de gás natural da Alemanha e Rússia, Nord Stream 2, e empurrou Berlim a esmagar o projeto. Toda a conversa sobre o gasoduto não veio do nada.

Empresas como a Chevron, ExxonMobil e Shell, junto com as centenas de empreiteiros de perfuração e transporte que trabalham com elas, querem aumentar massivamente as exportações para uma Europa faminta por gás, mas a Rússia e sua empresa estatal Gazprom está no caminho. Atualmente, o gás natural russo conta para mais de 30% de todas as importações da União Europeia. As principais potências da UE, Alemanha e França, obtém 40% de seu gás da Rússia, enquanto alguns outros países, como a República Tcheca e a Romênia, usam apenas gás russo.

Para expulsar a competição e agarrar a quota de mercado, as multinacionais ocidentais precisam desacelerar o fluxo de gás do Leste. Concluído no final do ano passado e prestes a entrar em operação em 2022, o Nord Stream 2 iria permanentemente limitar as vendas dos EUA, que chegam via caros terminais de embarque.

O governo da Ucrânia, que se beneficia das taxas de trânsito dos gasodutos terrestres existentes, fez lobby em Washington durante todo o verão do ano passado para impor sanções ao Nord Stream 2 e às empresas alemãs e russas por trás dele. Com a invasão de Putin, os governantes da Ucrânia e as empresas de gás ocidentais conseguiram o que eles pediram. O Nord Stream 2 está adiado, indefinidamente; a Alemanha reviveu planos para mais terminais para receber gás dos EUA e os preços de energia mundiais subiram como resultado da guerra.

Agora, quanto a conversa sobre os nazistas – bem, os reais fascistas nessa situação são aqueles que governam o poleiro em Kiev e têm comando sobre as Forças Armadas Ucranianas. Embora ele esteja interpretando um papel de protagonista nesse momento, o Presidente Volodymyr Zelensky – um comediante que fala russo que virou um político nacionalista – é apenas o último em uma série de faces rotativas no topo do Estado de direita ucraniano.

O atual governo chegou ao poder no despertar dos protestos do “Euromaidan” de 2014, que derrubaram a administração corrupta, embora democraticamente eleita, do Presidente Viktor Yanukovych. Tentando jogar a Rússia e os EUA um contra o outro para obter o melhor acordo econômico para a Ucrânia quando ele estava no cargo, Yanukovych se tornou alvo dos interesses dos negócios apoiados pelo Ocidente na Ucrânia e dos grupos ultranacionalistas neonazistas. Os últimos se juntaram, com o apoio dos EUA, para executar um golpe e mandar Yanukovych correndo para Moscou.

No despertar daquele golpe, sindicatos e partidos de esquerda foram severamente reprimidos na Ucrânia. Em Odessa, dezenas de sindicalistas foram queimados vivos em um caso de assassinato em massa, enquanto ativistas do Partido Comunista Ucraniano e outros grupos foram forçados à clandestinidade.

Uma campanha de apagamento étnico foi lançada no país contra ucranianos que falavam russo, com a língua russa sendo banida da vida pública. Na maioria das regiões russas do leste da Ucrânia, uma guerra violenta se seguiu e até agora tomou mais de 15 mil vidas. Comandantes dos grupos abertamente neonazistas e fascistas, como o Batalhão de Azov, foram colocados no comando oficial das Forças Armadas Ucranianas e foi dado a eles reinado livre em Donbass.

Até hoje, a mídia ocidental entrevista esses “patriotas ucranianos” sem nenhuma menção para os espectadores de que aqueles sendo saudados como heróis são nazistas literais. O tempo todo, o governo dos EUA não pisca um olho. O Acordo de Minsk de 2015, que supostamente deveria encerrar as lutas e proteger as pessoas que viviam em Donbass, foi amplamente ignorado por Kiev. Não é de admirar, então, que as recentemente declaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk procuraram sua independência e pediram proteção à Rússia.

Desde o começo da crise atual, o governo Zelensky tem falado sem cessar. Em um momento, ele pressiona por confronto, porque pensa que pode ser capaz de obter mais ajuda militar e econômica da OTAN, enquanto protege seus próprios lucros de gasoduto como o manipulador do gás russo. Em outro momento, ele adverte contra o pânico da guerra quando começa a parecer que a situação pode realmente engoli-los numa guerra real.

Zelensky anunciou abertamente seu desejo de executar uma guerra “com apoio militar estrangeiro” contra a Rússia e as regiões separatistas do Leste. Então, quando os mísseis russos começaram a chover e as tropas cruzaram a fronteira, ele repentinamente lançou seu País como uma pobre vítima em uma “guerra de agressão”. Tendo talvez convencido a si mesmo que a Rússia nunca iria na verdade responder com um ataque militar em grande escala, Zelensky pode estar agora despertando para a percepção de que ele fez uma má aposta.

Todo o precedente justifica a “operação militar especial” sendo executada agora na Ucrânia pelas forças de Putin, todavia? Sua alegação que a Ucrânia precisa ser “desmilitarizada” e “des-nazificada” pode soar como um objetivo louvável, dada a panelinha que detém o poder em Kiev e os desenvolvimentos nesse País desde 2014. Mas, as ações tomadas pelos militares russos – que até agora envolvem ataques em infraestruturas militares ucranianas, locais de defesa aérea, aeródromos e aeronaves militares – constituem uma escalação maior do conflito e devem ser condenadas. Putin disse que ele não queria invasão, mas lançou uma de qualquer maneira.

Mas há culpa mais do que suficiente para dar a volta. Os EUA, a OTAN e a Ucrânia disseram que queriam paz, mas tomaram passos que foram claramente com o objetivo de provocar. O cerco imperialista liderado pelos EUA em relação à Rússia depois da Guerra Fria e as ações brutais do governo apoiado pelos fascistas em Kiev conspiraram juntos para nos trazer para esse momento – e agora Putin está tomando vantagem da situação para buscar suas próprias ambições imperiais.

Nessa guerra, o povo ucraniano vai perder. O povo russo vai perder. O povo da Europa vai perder. E o povo americano vai perder. Em todos esses lugares, o dinheiro vai ser redirecionado na direção de gastos militares inúteis, ou aos monopólios de energia, e longe das necessidades das pessoas. Na Ucrânia e na Rússia, centenas, ou talvez milhares de mais vidas vão ser perdidas.

Para evitar mais catástrofe e atrapalhar os planos daqueles que lucram com a guerra, todos os governos e forças envolvidas devem ser pressionados para recuarem e voltarem à mesa de negociação.

C. J. Atkins é editor chefe da People’s World. Ele tem um Ph.D. em ciência política.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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