Por Marcos Aurélio Ruy
O tema do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil – 12 de junho – deste ano, no Brasil, é O trabalho infantil que ninguém vê. Porque após o golpe de Estado de 2016 retornou a ideia fascista de que “é melhor a criança estar trabalhando do que nas ruas com possibilidades de serem cooptadas pelo tráfico, pelo crime”, explica André Tredinnick, juiz de Família no Rio de Janeiro. Em vez de se pensar em manter as crianças na escola e em segurança em casa.
Ele aponta ainda que essa ideia é tão antiga quanto falsa. “serve aos interesses do capital, que diz à população mais vulnerável que a sua situação é natural e suas filhas e filhos não precisam estudar, se formar, porque isso só atrapalha”. E mercado de trabalho precisa lucrar com a exploração de pessoas sem o direito de escolha.
Francisca Pereira da Rocha Seixas, Professora Francisca, secretária de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e da Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), concorda com o juiz e destaca a necessidade de uma atuação perseverante da escola no combate ao trabalho infantil. “É preciso trazer essas crianças e adolescentes para a escola, que é a melhor forma de se desenvolverem com a consciência de seus direitos e deveres”, diz.
“É na escola que as crianças e jovens têm sua formação voltada a se transformarem em adultos com toda a plenitude de decidirem suas vidas”, reforça a professora. Tredinnick acentua a necessidade de a sociedade enxergar o trabalho infantil como “algo pernicioso, repressor em seres humanos em formação como são as crianças e adolescentes”. O que lhes pode causar transtornos incontroláveis no futuro.
A campanha deste ano de esclarecimento contra a prática do trabalho infantil é realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em parceria com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com Ministério Público do Trabalho (MPT), com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Pec do trabalho infantil
Tanto a professora quanto o juiz afirmam que a colocação da votação, em regime de urgência, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011, que visa permitir jornada de trabalho abusiva para crianças de 14 anos para cima, faz parte da estratégia da extrema-direita em “tornar a vida da parcela de crianças e adolescentes mais vulneráveis ainda piores que a de seus pais e assim manter os privilégios dos mais abastados e oprimidos os mais pobres”, reforça Tredinnick.
A Professora Francisca alerta para o projeto de escolas cívicos-militares como parte “desse plano para tirar o protagonismo da juventude na construção de um futuro com vida mais digna, justa e igualitária”. Para ela, “junto com a concentração de renda e o aumento da pobreza, a intenção é manter obra de mão barata, desqualificada e sem consciência para o mercado de trabalho”.
De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2023, havia 1,9 milhão de pessoas de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil, 4,9% da população nessa faixa etária, que significa um crescimento de 7% entre 2019 e 2022, justamente no desgoverno de Bolsonaro. Isso sem contar, as crianças em trabalho doméstico, que poderia deixar esse número muito maior para tristeza de quem tem esperança de mudar a vida das pessoas.
O relatório Um retrato da infância e adolescência no Brasil, da Fundação Abrinq, mostra que até 2015 o Brasil apresentou redução no número de pessoas em extrema pobreza, chegando a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014.
Lembrando que o Brasil já foi referência mundial no combate ao trabalho infantil até 2016. Após esse período os retrocessos se acentuaram. Com a posse do presidente Lula em 2023, as políticas públicas retornaram e os trabalhos crescem em defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Mas ainda há muito que se avançar na questão das ideias sobre o trabalho.
Mas com o domínio conservador do Congresso, a extrema-direita vem tentando impor retrocessos na vida de todas as pessoas. “Com a extrema-direita, há um avanço de ideias simplistas, com ‘soluções fáceis’ para problemas complexos e, com isso, temos a demonização da educação porque os resultados não são imediatos”, fala Tredinnick, portanto, “esse é o projeto neoliberal do século 21, o fascismo”.
Projeto que tem o aval de grande parte da mídia do capital que prefere abraçar o fascismo do que ter um governo progressista que vise, minimamente, o bem-estar social com um projeto de desenvolvimento nacional sustentável e de combate às desigualdades.
“Condição necessária para o país crescer com justiça social”, afirma a Professora Francisca. Além do que, “a educação emancipadora tem papel primordial para levar o Brasil ao protagonismo que o país pode e deve ter no mundo”.
Vídeo: Como o trabalho infantil compromete o futuro das crianças? Do TST
Mais uma vez a Professora Francisca diz que a falta de medidas de combate à pandemia da covid pelo desgoverno Bolsonaro acarretou prejuízos enormes ao país e ao povo brasileiro, principalmente para “os mais jovens que se viram na situação de abandonar a escola para ajudar no orçamento doméstico”.
Para efetivamente se erradicar o trabalho infantil é fundamental “combatermos a ideia de trabalho como benéfico para a formação de crianças e adolescentes”, acentua Tredinnick. Ele defende a necessidade de ter os Direitos Humanos no currículo escolar como forma de “ensinar sobretudo às crianças como se chegou à Declaração dos Direitos Humanos para desmitificar a ideia nefasta que os Direitos Humanos existem para defender bandidos”.
A Professora Francisca qualifica essa fala ao reforçar a proposta de inclusão do Estatuto da Criança e do Adolescente da Constituição Federal e da Lei de Aprendizagem no currículo escolar. “A população precisa saber para não ser manipulada por interesses da extrema-direita – ou de quem quer que seja – com suas soluções supostamente fáceis para questões que afetam a vida de todas e todos”.
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Marcos Aurélio Ruy é jornalista
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