Por Marcos Aurélio Ruy
Depois de uma pausa motivada por questão de saúde, nesta edição três músicas que reforçam a temática do mês da Consciência Negra no trabalho.
Em seu novo álbum AmarElo, o cantor e compositor Emicida traz um repertório sobre o momento que o país vivência do ponto de vista da periferia e das chamadas minorias. A canção selecionada A Ordem Natural das Coisas, feita em parceria com Damien Seth, fala da dureza da trabalhadora que mora na periferia e muito cedo tem quem sair de casa, com seus pensamentos nas dificuldades enfrentadas e na violência contra a juventude negra e pobre no país. A música tem participação especial do MC Tha.
A Ordem Natural das Coisas (Emicida e Damien Seth)
A merendeira desce, o ônibus sai
Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce
De madruga que as aranha tece no breu
E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu
E o Sol só vem depois
O Sol só vem depois
É o astro rei, ok, mas vem depois
O Sol só vem depois
Anunciado no latir dos cães, no cantar dos galos
Na calma das mães, que quer o rebento cem por cento
E diz: Leva o documento, son
Na São Paulo das manhã que tem lá seus Vietnã
Na vela que o vento apaga, afaga quando passa
A brasa dorme fria e só quem dança é a fumaça
Orvalho é o pranto dessa planta no sereno
A Lua já tá no Japão, como esse mundo é pequeno
Farelos de um sonho bobinho que a luz contorna
Dar um tapa no quartinho, esse ano sai a reforma
O som das criança indo pra escola convence
O feijão germina no algodão, a vida sempre vence
Nuvens curiosas, como são
Se vestem de cabelo crespo, ancião
Caminham lento, lá pra cima, o firmamento
Pois no fundo ela se finge de neblina
Pra ver o amor dos dois mundos
A merendeira desce, o ônibus sai
Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce
De madruga que as aranha tece no breu
E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu
E o Sol só vem depois
O Sol só vem depois
É o astro rei, ok, mas vem depois
O Sol só vem depois
A merendeira desce, o ônibus sai
Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce
De madruga que as aranha desce no breu
E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu
E o Sol só vem depois
O Sol só vem depois
É o astro rei, ok, mas vem depois
O Sol só vem depois
A música Demais Pro Seu Quintal, de Sara Donato, da dupla Rap Plus Size, formada por ela e MC Jupi77er, da zona norte da capital paulista. A faixa tem participação especial da rapper Issa Paz, coautora da bela canção. A maioria das canções da dupla tece críticas ao capitalismo, ao machismo e ao racismo.
Em Demais Pro Seu Quintal, a dupla se revolta contra a opressão sobre as mulheres no mundo do trabalho porque “odeio suas ordens, não me adapto a seus horários/cês não pode me prender eu sou maior que o refratário.” E a vida segue se contrapondo ao mercado de trabalho sexista, racista e cada vez mais explorador. Até quando?
Demais Pro Seu Quintal (Sara Donato)
Rasga o contrato boy! Não quero mais sua esmola
Nem me dá aviso prévio que esse papo não cola
Não vou me submeter pra vocês bater palma
Vim da selva e sou leoa sou demais pra sua jaula
Vai por mim, muita anaconda pro seu jardim
Sem rotina eu sou katrina, não me prende eu sou motim
Odeio suas ordens, não me adapto a seus horários
Cês não pode me prender eu sou maior que o refratário
Gigante sempre em excesso, confesso por natureza
Além da minha projeção, não conseguirão me deixar presa
Em empresas, escritórios, tipo rato de laboratório
Tipo sanatório, sem pensar pra criar um futuro ilusório
De relatórios obrigatórios e de falatórios desnecessários
Eu não limito o infinito, milito por muito mais que um salário
É pelo mundo igualitário que não se encaixa nas calculadoras
Pelos sonhos de quem sonha longe das maquinas registradoras
Ei sinhá me perdoa mas não vou te servir
Vim pra roubar sua coroa e fazer seu trono ruir
A vida toda me quis, cabisbaixa e calada
E a todo custo tenta me fazer pensar como criada
Mídia manipula massa e nossa historia é ocultada
Na tv só retratada como escrava ou empregada
Seu programa de comedia não me faz dar gargalhada
Tira as preta com racismo camuflado de piada
Ei sinho não vai adianta tenta me estereotipar
Erotizar meu corpo pra tenta se apropriar
Ei sinhô, não sou só bunda, batuque e carnaval
Sou guerreira e demais pro seu quintal
E não te do aval, pra me tocar sem permissão
A rua que é pública jao meu corpo não
Liberdade e disciplina essa é nossa sina
Pulo sua cerca, me liberto a cada rima
Se ta na minha bota, escolta, não escora que passa mal
Eu vim de vocês sabem onde e é demais pro seu quintal
Arquirrival de regras, arquivo vivo alerta
No que agrega e garanto que de mim não haverá entrega
Sou fugitiva, filha de cada nativa cativa combativa
Que cultiva a semente que me mantem na ativa sou força nordestina
Sou espertirina leila, palestina e américa latina
Não bati em retirada, mantive minha presença a ti não devo nada
Eu tive a consiencia de que o julgamento chegaria a pesar
Esperei esse momento e eu nunca pensei em recuar
Pra cada linha, corda bamba me tornei equilibrista
Abram as alas e a pista que a minha aposta é na conquista
Bem quista por quem amo e aos hater hasta la vista
Se não gosta sai andando que hoje eu não baixo a crista
Alem dessas correntes que me prendem
Alem dessas ideias que nos cercam
Alem desses valores que nos vendem
Eu sou demais pro seu quintal
A última selecionada é O Pequeno Burguês, de Martinho da Vila. A história dessa música remete às imensas dificuldades de se estudar e trabalhar, num tempo em que não existia o Enem, nem ProUni, nem nenhuma facilidade. Aliás este tempo está voltando, pois Jair Bolsonaro e Paulo Guedes estão cortando todas as conquistas mais importantes da classe trabalhadora.
Martinho conta que um amigo se formou em Direito em toda a turma ficou revoltada por não ter sido convidada para a formatura. Quando o rapaz disse que não convidou porque não participou da formatura por falta de dinheiro. Bem comum no Brasil.
O Pequeno Burguês (Martinho da Vila)
Felicidade!
Passei no vestibular
Mas a faculdade
É particular
Particular!
Ela é particular
Particular!
Ela é particular…
Livros tão caros
Tanta taxa prá pagar
Meu dinheiro muito raro
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar…
Morei no subúrbio
Andei de trem atrasado
Do trabalho ia prá aula
Sem jantar e bem cansado
Mas lá em casa
À meia-noite
Tinha sempre a me esperar
Um punhado de problemas
E criança prá criar…
Para criar!
Só criança prá criar
Para criar!
Só criança prá criar…
Mas felizmente
Eu consegui me formar
Mas da minha formatura
Não cheguei participar
Faltou dinheiro prá beca
E também pro meu anel
Nem o diretor careca
Entregou o meu papel…
O meu papel!
Meu canudo de papel
O meu papel!
Meu canudo de papel…
E depois de tantos anos
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês
Muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo
De um pobre coitado
E quem quiser ser como eu
Vai ter é que penar um bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado