PUBLICADO EM 16 de nov de 2019
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A merendeira, a mulher que se impõe e o jovem que trabalha e estuda; três canções

Por Marcos Aurélio Ruy

Depois de uma pausa motivada por questão de saúde, nesta edição três músicas que reforçam a temática do mês da Consciência Negra no trabalho.

Em seu novo álbum AmarElo, o cantor e compositor Emicida traz um repertório sobre o momento que o país vivência do ponto de vista da periferia e das chamadas minorias. A canção selecionada A Ordem Natural das Coisas, feita em parceria com Damien Seth, fala da dureza da trabalhadora que mora na periferia e muito cedo tem quem sair de casa, com seus pensamentos nas dificuldades enfrentadas e na violência contra a juventude negra e pobre no país. A música tem participação especial do MC Tha.

 

A Ordem Natural das Coisas (Emicida e Damien Seth)

A merendeira desce, o ônibus sai

Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce

De madruga que as aranha tece no breu

E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu

 

E o Sol só vem depois

O Sol só vem depois

É o astro rei, ok, mas vem depois

O Sol só vem depois

 

Anunciado no latir dos cães, no cantar dos galos

Na calma das mães, que quer o rebento cem por cento

E diz: Leva o documento, son

Na São Paulo das manhã que tem lá seus Vietnã

Na vela que o vento apaga, afaga quando passa

A brasa dorme fria e só quem dança é a fumaça

Orvalho é o pranto dessa planta no sereno

A Lua já tá no Japão, como esse mundo é pequeno

Farelos de um sonho bobinho que a luz contorna

Dar um tapa no quartinho, esse ano sai a reforma

O som das criança indo pra escola convence

O feijão germina no algodão, a vida sempre vence

Nuvens curiosas, como são

Se vestem de cabelo crespo, ancião

Caminham lento, lá pra cima, o firmamento

Pois no fundo ela se finge de neblina

Pra ver o amor dos dois mundos

 

A merendeira desce, o ônibus sai

Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce

De madruga que as aranha tece no breu

E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu

 

E o Sol só vem depois

O Sol só vem depois

É o astro rei, ok, mas vem depois

O Sol só vem depois

 

A merendeira desce, o ônibus sai

Dona Maria já se foi, só depois é que o Sol nasce

De madruga que as aranha desce no breu

E amantes ofegantes vão pro mundo de Morfeu

 

E o Sol só vem depois

O Sol só vem depois

É o astro rei, ok, mas vem depois

O Sol só vem depois

A música Demais Pro Seu Quintal, de Sara Donato, da dupla Rap Plus Size, formada por ela e MC Jupi77er, da zona norte da capital paulista. A faixa tem participação especial da rapper Issa Paz, coautora da bela canção. A maioria das canções da dupla tece críticas ao capitalismo, ao machismo e ao racismo.

Em Demais Pro Seu Quintal, a dupla se revolta contra a opressão sobre as mulheres no mundo do trabalho porque “odeio suas ordens, não me adapto a seus horários/cês não pode me prender eu sou maior que o refratário.” E a vida segue se contrapondo ao mercado de trabalho sexista, racista e cada vez mais explorador. Até quando?

 

Demais Pro Seu Quintal (Sara Donato)

Rasga o contrato boy! Não quero mais sua esmola

Nem me dá aviso prévio que esse papo não cola

Não vou me submeter pra vocês bater palma

Vim da selva e sou leoa sou demais pra sua jaula

 

Vai por mim, muita anaconda pro seu jardim

Sem rotina eu sou katrina, não me prende eu sou motim

Odeio suas ordens, não me adapto a seus horários

Cês não pode me prender eu sou maior que o refratário

 

Gigante sempre em excesso, confesso por natureza

Além da minha projeção, não conseguirão me deixar presa

Em empresas, escritórios, tipo rato de laboratório

Tipo sanatório, sem pensar pra criar um futuro ilusório

 

De relatórios obrigatórios e de falatórios desnecessários

Eu não limito o infinito, milito por muito mais que um salário

É pelo mundo igualitário que não se encaixa nas calculadoras

Pelos sonhos de quem sonha longe das maquinas registradoras

 

Ei sinhá me perdoa mas não vou te servir

Vim pra roubar sua coroa e fazer seu trono ruir

A vida toda me quis, cabisbaixa e calada

E a todo custo tenta me fazer pensar como criada

 

Mídia manipula massa e nossa historia é ocultada

Na tv só retratada como escrava ou empregada

Seu programa de comedia não me faz dar gargalhada

Tira as preta com racismo camuflado de piada

 

Ei sinho não vai adianta tenta me estereotipar

Erotizar meu corpo pra tenta se apropriar

Ei sinhô, não sou só bunda, batuque e carnaval

Sou guerreira e demais pro seu quintal

 

E não te do aval, pra me tocar sem permissão

A rua que é pública jao meu corpo não

Liberdade e disciplina essa é nossa sina

Pulo sua cerca, me liberto a cada rima

 

Se ta na minha bota, escolta, não escora que passa mal

Eu vim de vocês sabem onde e é demais pro seu quintal

Arquirrival de regras, arquivo vivo alerta

No que agrega e garanto que de mim não haverá entrega

Sou fugitiva, filha de cada nativa cativa combativa

Que cultiva a semente que me mantem na ativa sou força nordestina

Sou espertirina leila, palestina e américa latina

Não bati em retirada, mantive minha presença a ti não devo nada

Eu tive a consiencia de que o julgamento chegaria a pesar

Esperei esse momento e eu nunca pensei em recuar

Pra cada linha, corda bamba me tornei equilibrista

Abram as alas e a pista que a minha aposta é na conquista

Bem quista por quem amo e aos hater hasta la vista

Se não gosta sai andando que hoje eu não baixo a crista

 

Alem dessas correntes que me prendem

Alem dessas ideias que nos cercam

Alem desses valores que nos vendem

Eu sou demais pro seu quintal

A última selecionada é O Pequeno Burguês, de Martinho da Vila. A história dessa música remete às imensas dificuldades de se estudar e trabalhar, num tempo em que não existia o Enem, nem ProUni, nem nenhuma facilidade. Aliás este tempo está voltando, pois Jair Bolsonaro e Paulo Guedes estão cortando todas as conquistas mais importantes da classe trabalhadora.

Martinho conta que um amigo se formou em Direito em toda a turma ficou revoltada por não ter sido convidada para a formatura. Quando o rapaz disse que não convidou porque não participou da formatura por falta de dinheiro. Bem comum no Brasil.

 

O Pequeno Burguês (Martinho da Vila)

Felicidade!

Passei no vestibular

Mas a faculdade

É particular

Particular!

Ela é particular

Particular!

Ela é particular…

 

Livros tão caros

Tanta taxa prá pagar

Meu dinheiro muito raro

Alguém teve que emprestar

O meu dinheiro

Alguém teve que emprestar

O meu dinheiro

Alguém teve que emprestar…

 

Morei no subúrbio

Andei de trem atrasado

Do trabalho ia prá aula

Sem jantar e bem cansado

Mas lá em casa

À meia-noite

Tinha sempre a me esperar

Um punhado de problemas

E criança prá criar…

 

Para criar!

Só criança prá criar

Para criar!

Só criança prá criar…

 

Mas felizmente

Eu consegui me formar

Mas da minha formatura

Não cheguei participar

Faltou dinheiro prá beca

E também pro meu anel

Nem o diretor careca

Entregou o meu papel…

 

O meu papel!

Meu canudo de papel

O meu papel!

Meu canudo de papel…

 

E depois de tantos anos

Só decepções, desenganos

Dizem que sou um burguês

Muito privilegiado

Mas burgueses são vocês

Eu não passo

De um pobre coitado

E quem quiser ser como eu

Vai ter é que penar um bocado

Um bom bocado!

Vai penar um bom bocado

Um bom bocado!

Vai penar um bom bocado

Um bom bocado!

Vai penar um bom bocado

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