PUBLICADO EM 06 de mar de 2020
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A fé na vida e na mudança com a força do sentimento de humanidade do feminismo; músicas

Promessa é dívida e como prometido, nesta edição sete canções feitas por homens sobre as questões da mulher. Em duas edições anteriores foram músicas compostas por mulheres, Elas por Elas e agora Elas por Eles, numa reflexão importante sobre a luta pela emancipação feminina e igualdade entre os gêneros. Uma singela homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

Por Marcos Aurélio Ruy

Confira os textos anteriores

As mulheres não se rebaixam e querem igualdade de direitos já; músicas

Nem triste, nem louca, nem má; apenas mulher livre e destemida

A primeira música selecionada tem poesia de Chico Buarque, o principal nome masculino da música popular brasileira a tratar dos assuntos referentes à alma feminina. Em parceria com Edu Lobo, Beatriz (1982) traz as dúvidas e anseios peculiares de quem ama profundamente. É o trabalho da atriz, sua arte, sua vida, seus desejos e suas necessidades, na visão de quem a ama.

“Se ela mora num arranha-céu

E se as paredes são feitas de giz

E se ela chora num quarto de hotel

E se eu pudesse entrar na sua vida”

Beatriz, de Chico Buarque e Edu Lobo

Olha

Será que ela é moça

Será que ela é triste

Será que é o contrário

Será que é pintura

O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu

Se ela acredita que é outro país

E se ela só decora o seu papel

E se eu pudesse entrar na sua vida

 

Olha

Será que é de louça

Será que é de éter

Será que é loucura

Será que é cenário

A casa da atriz

Se ela mora num arranha-céu

E se as paredes são feitas de giz

E se ela chora num quarto de hotel

E se eu pudesse entrar na sua vida

 

Sim, me leva para sempre, Beatriz

Me ensina a não andar com os pés no chão

Para sempre é sempre por um triz

Ai, diz quantos desastres têm na minha mão

Diz se é perigoso a gente ser feliz

 

Olha

Será que é uma estrela

Será que é mentira

Será que é comédia

Será que é divina

A vida da atriz

Se ela um dia despencar do céu

E se os pagantes exigirem bis

E se um arcanjo passar o chapéu

E se eu pudesse entrar na sua vida

Outro compositor muito voltado para a temática das mulheres é Caetano Veloso que pergunta Eu Sou Neguinha? (1987) para esclarecer o enigma da vida, sempre com uma interrogação a ser decifrada, mesmo sabendo que as respostas estão no ar como diria Bob Dylan. Caetano canta essa busca constante da identidade e da felicidade.

Eu Sou Neguinha?, de Caetano Veloso

Eu tava encostad’ali minha guitarra
No quadrado branco vídeo papelão
Eu era o enigma, uma interrogação
Olha que coisa mais que coisa à toa, boa boa boa boa boa
Eu tava com graça…
Tava por acaso ali, não era nada
Bunda de mulata, muque de peão
Tava em Madureira, tava na Bahia
No Beaubourg no Bronx, no Brás e eu e eu e eu e eu
A me perguntar: Eu sou neguinha?
Era uma mensagem lia uma mensagem
Parece bobagem mas não era não
Eu não decifrava, eu não conseguia
Mas aquilo ia e eu ia e eu ia e eu ia e eu ia e eu ia
Eu me perguntava: era um gesto hippie, um desenho estranho
Homens trabalhando, pare, contramão
E era uma alegria, era uma esperança
E era dança e dança ou não ou não ou não ou não ou não tava perguntando:
Eu sou neguinha?
Eu sou neguinha?
Eu sou neguinha?
Eu tava rezando ali completamente
Um crente, uma lente, era uma visão
Totalmente terceiro sexo totalmente terceiro mundo terceiro milênio carne nua nua nua nua nua nua nua
Era tão gozado
Era um trio elétrico, era fantasia
Escola de samba na televisão
Cruz no fim do túnel, becos sem saída
E eu era a saída, melodia, meio-dia dia dia
Era o que dizia: Eu sou neguinha?
Mas via outras coisas: via o moço forte
E a mulher macia den’da escuridão
Via o que é visível, via o que não via
O que a poesia e a profecia não vêm mas vêm, vêm, vêm, vêm, vêm,
É o que parecia
Que as coisas conversam coisas surpreendentes
Fatalmente erram, acham solução
E que o mesmo signo que eu tenho ler e ser
É apenas um possível ou impossível em mim em mim em mil em mil em mil
E a pergunta vinha:
Eu sou neguinha?
Eu sou neguinha?

Feita especialmente para Elza Soares interpretar como ninguém mais poderia, Maria da Vila Matilde (2015), de Douglas Germano trata da violência que aflige terrivelmente as brasileiras a viver numa sociedade machista.

O movimento feminista se contrapõe com intensidade ao patriarcado e denuncia vivamente a cultura do estupro e a opressão sobre mais da metade da população brasileira que deseja viver sem medo e ser dona do seu nariz.

Maria da Vila Matilde, de Douglas Germano; interpretação de Elza Soares

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: Péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: Péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando o samango chegar
Eu mostro o roxo no meu braço
Entrego teu baralho
Teu bloco de pule
Teu dado chumbado
Ponho água no bule
Passo e ainda ofereço um cafezim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: Péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando tua mãe ligar
Eu capricho no esculacho
Digo que é mimado
Que é cheio de dengo
Mal acostumado
Tem nada no quengo
Deita, vira e dorme rapidinho
Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Mão, cheia de dedo
Dedo, cheio de unha suja
E pra cima de mim? Pra cima de moa? Jamé, mané!

Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

O funk Não Sou Obrigada a Nada (2017), interpretado por Pocah (Viviane de Queiroz Pereira), vai fundo no ataque ao machismo e à tentativa de controle das ações da mulher. Numa versão musicada e radical da campanha Não é Não.

Não Sou Obrigada, de Wallace Vianna, Pedro Breder e André Vieira; interpretação de Pocah

Ah, tá bom, agora quer mandar em mim
Coitadin, não passa de um contatin
Abaixa o tom, respeita a mamãe aqui

Olha ele todo, todo se achando, tá metendo o louco
Daqui a pouco eu vou fazer que nem eu fiz com o outro
Se quando eu danço te incomoda, amor, eu acho é pouco
Ai, que ranço!

Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba
Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada
Ninguém manda nessa raba
Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba
Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada
Ninguém manda nessa raba

Olha como ele baba
Oi, baba, baby, nessa raba
Oi, baba, baby, baba
Oi, dá um close nessa raba
Oi, baba, baby, baba
Oi, baba, baby
Ninguém manda nessa raba

Olha ele todo, todo se achando, tá metendo o louco
Daqui a pouco eu vou fazer que nem eu fiz com o outro
Se quando eu danço te incomoda, amor, eu acho é pouco
Ai, que ranço!

Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba
Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada
Ninguém manda nessa raba
Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada
Ninguém manda nessa raba
Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada
Ninguém manda nessa raba

Olha como ele baba
Oi, baba, baby, nessa raba
Oi, baba, baby, baba
Oi, dá um close nessa raba
Oi, baba, baby, baba
Oi, baba, baby
Ninguém manda nessa raba

É mais uma da Hitmaker?
Ai, pai, para!

A verve poética de Renato Russo (1960-1996) como contador do cotidiano mostra o casal Eduardo e Mônica (1986) que tinha tudo para dar errado, mas deu muito certo. Coisas do amor e da vida.

Nesta canção, o Eduardo está sempre um pé ou vários pés atrás de Mônica, uma mulher despojada, livre e firme. Ele ainda um rapaz, ela já uma mulher, quando se conhecem e mesmo tremendamente diferentes iniciam um relacionamento. A música mostra a homem meio que em crise de identidade diante da força de uma mulher.

Eduardo e Mônica, de Renato Russo; interpretação de Legião Urbana

Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir

Festa estranha, com gente esquisita
Eu não tô legal, não aguento mais birita
E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
É quase duas, eu vou me ferrar

Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard

Se encontraram, então, no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo

Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô

Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão

E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia, como tinha de ser

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato, e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar (não!)
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular

E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz

Construíram uma casa há uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana, seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias, não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação

E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Como um dos grandes nomes da música popular brasileira, Gonzaguinha (1945-1991) não poderia escapar de cantar o amor na visão de uma mulher que não quer mais dissimular nem esconder, pois quer viver, porque tem não tem mais como segurar a explosão feminista na vida de todo mundo, então Explode Coração (1979).

Explode Coração, de Gonzaguinha

Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar

Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor desta manhã

Nascendo, rompendo, tomando
Rasgando, meu corpo e então eu
Chorando e sorrindo, sofrendo, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Eu quero o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar, explode coração

Para encerrar esta seleção de músicas de homens sobre a temática feminina não poderia faltar Maria, Maria (1978). Porque essa canção se transformou no hino do movimento feminista ao cantar com magia a força que nos alerta contra a opressão machista e a necessidade de transformar o mundo num bom lugar para se viver, sem discriminações, perseguições, ódio e violência.

Maria, Maria, de Fernando Brant e Milton Nascimento; interpretação de Elis Regina

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia,
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É uma dose mais forte e lenta

De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida

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  • Bárbara Bruna

    Olá aqui é a Bárbara Bruna, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.

QUENTINHAS