Empresários do setor da siderurgia temem grande impacto diante das novas taxas anunciadas pelos EUA sobre o aço e com isso comprometer os 200 mil empregos diretos nas indústrias brasileiras do setor. Governo brasileiro diz que “recorrerá a todas as ações necessárias para preservar seus direitos e interesses” diante dessa Guerra do Aço.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou nesta quinta-feira sua aposta em uma forte medida protecionista e anunciou que irá impor um tributo de importação de 25 % sobre o aço e de 10% sobre o alumínio vindos de outros países. A justificativa do presidente é que a ação irá proteger a indústria siderúrgica dos Estados Unidos, que convive com uma concorrência “injusta”. Ele citou ainda questões de segurança nacional na definição das tarifas, afirmando que os EUA precisam de oferta doméstica de aço e alumínio para seus tanques e navios de guerra.
A decisão confirmada nesta quinta-feira já vinha sendo anunciada há dias e tinha gerado reações imediatas de diversos países exportadores, que prometeram retaliações. O debate sobre a adoção das tarifas também provocou um racha dentro do próprio Governo. Nesta semana, Gary Cohn, principal conselheiro econômico do presidente, que era contra a decisão, pediu demissão.
O Brasil está entre os países que mais devem ser afetados pela “Guerra do Aço” que intensifica a política que elegeu Trump em 2016, da “América em primeiro lugar”. Um terço do aço exportado no Brasil tem como destino o mercado dos EUA. Em 2017, o aço vendido aos norte-americanos somou 4,8 milhões de toneladas e gerou uma receita de 2,63 bilhões de dólares (8,58 bilhões de reais), o que faz do Brasil o segundo maior fornecedor do produto para os Estados Unidos, atrás apenas do Canadá.
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A discussão sobre o tema, no entanto, não é nova. Desde o ano passado, o departamento de comércio americano trabalhava com um estudo sobre os danos da importação de aço para a indústria siderúrgica dos Estados Unidos e possíveis alternativas para solucionar o problema.
Desde que soube do relatório, em 2017, o Brasil, assim como outros exportadores, começaram a trabalhar nos bastidores para convencer os EUA a recuarem sobre a proposta. Segundo Alexandre Lyra, presidente do conselho diretor do Instituto Aço Brasil e da francesa Vallourec no Brasil, a organização juntamente com o Ministério da Indústria e Comércio Exterior (Mdic) já organizaram mais de uma missão para Washington para conversar com membros da Casa Branca e parlamentares. A última delas aconteceu há poucos dias. “Tentamos mostrar que o Brasil é bastante diferente dos outros países, já que a maioria das nossas exportações de aço são de produtos semi-acabados, que ainda precisam ser reprocessados nos Estados Unidos antes de chegar no consumidor final. Fazemos apenas parte de uma cadeia de produção”, explica Lyra. Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil, em 2017, o Brasil exportou aos Estados Unidos cerca de 4 milhões de toneladas de aço semi-acabado, contra 920 mil toneladas de aço.
O representante do Aço Brasil, que reúne as principais empresas do setor, argumenta ainda que a indústria siderúrgica brasileira é uma grande importadora do carvão dos Estados Unidos, essencial, juntamente com o minério de ferro, para a fabricação do aço. “Nós somos o maior importador de carvão mineral no formato de coque dos americanos. Em 2017, importamos 1 bilhão de dólares de carvão e exportamos 2,6 bilhões [de dólares] de aço. Ou seja, há uma complementariedade na nossa cadeia. Uma restrição levará uma redução da nossa importação de carvão”, explica.
A posição do Governo brasileiro foi de expectativa até saber se Trump iria efetivar a decisão de taxar o aço. Agora, depois do anuncio do presidente dos EUA, o Governo Temer deve levar a questão para Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil ficou fora das exceções das taxas, que, por enquanto, só beneficiarão a México e Canadá, os parceiros dos EUA no NAFTA, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte.
Segundo Lyra, durante as missões, o grupo percebeu que alguns parlamentares estavam preocupados sobre a chamada circunvenção, quando um país tenta burlar a origem do produto para escapar de alguma restrição já em vigor. “Na nossa conversa, vimos esse tipo de receio, mas que não acontece no caso do Brasil. Hoje também sofremos por exemplo com o aço chinês, tanto que estamos abrindo processos antidumping para evitar a entrada do aço chinês a preços predatórios”, diz.
Ainda antes de conhecer o decreto assinado nesta quinta-feira por Trump, Lyra acreditava que, caso se confirmassem as novas taxas anunciadas há dias, o Brasil enfrentaria graves problemas no setor siderúrgico. “Teremos que realocar esse volume grande de aço para outros mercados, mas todo o mundo estará fazendo a mesma coisa. O que vai acontecer será uma grande guerra comercial. Não será os EUA versus o resto do mundo e sim o resto do mundo versus o resto do mundo tentando se defender”, explica.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, o Governo brasileiro manifesta “grande preocupação” com as medidas, que “causarão graves prejuízos às exportações brasileiras e terão significativo impacto negativo nos fluxos bilaterais de Comércio, amplamente favoráveis aos Estados Unidos nos últimos 10 anos, e nas relações comerciais e de investimentos entre os dois países”. “Ao mesmo tempo em que manifesta preferência pela via do diálogo e da parceria, o Brasil reafirma que recorrerá a todas as ações necessárias, nos âmbitos bilateral e multilateral, para preservar seus direitos e interesses”, finaliza a nota.
A mudança das regras de importação do aço nos Estados Unidos também chega em um momento em que o Brasil começa a sair de uma das suas piores crises econômicas. “Teríamos que adaptar o nosso parque em um momento em que já operamos com um nível baixo de ocupação. Vamos ter que nos adaptar ao perder um terço das nossas exportações. Vamos desligar equipamentos, o que vai impactar também no emprego”, explica. As indústrias de aço e alumínio empregam mais de 200 mil trabalhadores no país.
Queda dos preços
O efeito das mudanças e a corrida mundial atrás de novos mercados para a venda de aço devem fazer o valor do produto cair e criar um efeito dominó. “Se esse preço despencar muito outros países que poderiam comprar também podem abrir novos processos antidumping [com o objetivo de evitar que os produtores nacionais sejam prejudicados por importações realizadas a preços inferiores ao mercado interno do país exportador]”, explica.
Para a agência de risco Moody’s, a medida afeta, mas não dramaticamente, as três principais siderúrgicas do país: Usiminas, CSN e Gerdau. A principal consequência pode ser forçar as siderúrgicas a venderem para mercados alternativos, com lucros menores.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), avalia que esta “Guerra do Aço” pode gerar um impacto de US$ 250 milhões de dólares (815 milhões de reais) para o Brasil sobre o aço acabado. Antes desta quinta-feira Castro ainda acreditava que algo poderia ser modificado na medida proposta pelo presidente americano. “O que o Trump está fazendo não tem amparo legal, ele está tratando todos os países como se eles tivesses feito um cartel para exportar aço para os Estados Unidos pelo mesmo preço. Isso pode gerar um grande problema, uma guerra comercial e o mundo pode, inclusive, se unir e isolar os EUA comercialmente”.
Castro avalia ainda que o Brasil perde duas vezes, pois além de ficar sem mercado no exterior, o mercado interno pode ser afetado também. Com a reviravolta da sobretaxação do aço pelos EUA, as importações do produto no Brasil podem aumentar já que haverá uma disputa de mercado e preços no mundo inteiro.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a decisão norte-americana de impor sobretaxas ao aço e alumínio é “injustificada, ilegal e prejudica o Brasil”. “Se adotadas, as medidas vão afetar 3 bilhões de dólares em exportações brasileiras de ferro e aço e 144 milhões de dólares em exportações de alumínio. Isso equivale a uma massa salarial de quase 350 milhões de reais e impostos da ordem de 200 milhões”, ressaltou a entidade, em nota.
Fonte: El País