Bem no Ano Internacional pela Eliminação do Trabalho Infantil, decretado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados uma antiga proposta do bloco conservador no Legislativo.
Sem nenhuma proposta para a criação de empregos e combate à fome, a presidenta da comissão, Bia Kicis (PSL-DF) pautou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18 para alterar do artigo 7º da Constituição Federal e permitir que adolescentes de 14 e 15 anos possam trabalhar sob o regime de tempo parcial e não somente como aprendizes.
Terrivelmente alinhada com o presidente Jair Bolsonaro. “A deputada não discute propostas para a criação de empregos, combate à fome e mais recursos para a educação e para a saúde”, alega Alaíde Bagetto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
“Muito menos pensa em debater propostas para solucionar a crise agravada pela pandemia e como obrigar o Estado brasileiro a investir mais e melhor para manter as crianças e jovens na escola”, mas “querem normatizar a exploração do trabalho infantil para aumentar o lucro dos patrões, obrigando essas crianças a trabalhar como adultos e pagando salários baixíssimos”, acentua.
Rapidamente as centrais sindicais divulgaram uma nota pela rejeição dessa PEC, onde afirma que “a PEC 18/2011, longe de ser a resposta para a vulnerabilidade social, acaba por contribuir diretamente para o incremento da exclusão social e marginalização, pois compromete os rendimentos futuros dos jovens, acarretando reprodução do ciclo da pobreza” (Leia mais aqui).
Claudete Alves, presidenta do Sindicato dos Educadores da Infância (Sedin) de São Paulo, assinala que “somente o ato de haver uma proposta em discussão no Congresso para institucionalizar o trabalho infantil significa um gigantesco retrocesso civilizatório”. Para ela, “é essencial mobilizarmos toda a sociedade para impedir essa maldade com nossas crianças”.
Francisca Rocha (Professora Francisca), dirigente da CTB, secretária de Saúde da CNTE e de Assuntos Educacionais da Apeoesp, argumenta que “a proibição da exploração do trabalho infantil pela Constituição de 1988 e pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) de 1990 foi uma conquista importante para a valorização da infância e da juventude no país”, portanto, “temos que barrar esse retrocesso inominável”.
Corroboram os argumentos das sindicalistas a existência de mais de 160 milhões de crianças e adolescentes explorados pelo trabalho infantil no mundo, como mostra o relatório Trabalho Infantil: Estimativas Globais 2020, da OIT e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com estimativa de aumento de 8,9 milhões de crianças e adolescentes nessa situação no ano que vem.
No Brasil, estima-se um número superior a 2,5 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Além de um número superior a 5 milhões, sem acesso à educação durante a pandemia, como mostra o Unicef e mais de 1,5 milhão, em idade escolar, fora da escola, mesmo antes da pandemia.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) afirma em Nota Técnica que a pretendida “redução da idade mínima para o trabalho para a idade de 14 anos – afronta diretamente os direitos fundamentais à proteção no trabalho e à profissionalização do adolescente, e vai de encontro com os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, haja vista a condição peculiar do jovem enquanto pessoa em desenvolvimento” (Leia a nota completa aqui).
Como diz o Art. 4º do ECA “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Já o Ministério Público do Trabalho (MPT) anuncia esperar que “no Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, declarado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, o parlamento brasileiro não promova alterações que impliquem evidente retrocesso social e frustração aos direitos fundamentais dos adolescentes (art. 227 da CF), num cenário de agravamento da vulnerabilidade socioeconômica em nosso país”.
Pelo relatório da OIT e Unicef, “o setor agrícola é responsável por 70% das crianças e dos adolescentes em situação de trabalho infantil (112 milhões), seguido por 20% no setor de serviços (31,4 milhões) e 10% na indústria (16,5 milhões)” e “quase 28% das crianças de 5 a 11 anos e 35% dos meninos e meninas de 12 a 14 anos em situação de trabalho infantil estão fora da escola”.
“A situação no campo piorou muito desde o golpe de 2016 por causa do abandono das políticas públicas de proteção social”, afirma Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Agrícolas da CTB e da Contag. “No desgoverno Bolsonaro piorou ainda mais”, principalmente porque “o próprio presidente defende a exploração do trabalho infantil”.
Isso num país com cerca de 15 milhões de desempregados, 6 milhões e desalentados, quase 40 milhões de trabalhadoras e trabalhadores em situação precária, “pensar em institucionalizar o trabalho infantil, que já prejudica tantas crianças e jovens e sua família, é no mínimo, desumano”, reforça Carlos Rogério Nunes, secretário adjunto de Políticas Sociais da CTB.
Enquanto a secretária da Juventude Trabalhadora da CTB, Beatriz Calheiro defende “muito mais recursos para a educação de qualidade com a permanência de todas as crianças e jovens na escola” além de “todas as famílias terem condições dignas de vida com trabalho decente e remuneração compatível com as necessidades humanas no campo e na cidade”.
Marcos Aurélio Ruy é jornalista