Em 1972, no campo de filmagem do filme Aguirre, a Cólera dos Deuses, o ator alemão Klaus Kinski, protagonista, resolveu abandonar o trabalho e deixar a Amazônia, onde o filme era rodado. Para garantir que ele continuasse até o fim, o diretor, Werner Herzog, lhe apontou um revólver e disse que só abandonaria o filme morto. O episódio é relatado pelo próprio Herzog no documentário “Meu Melhor Inimigo”. Ele afirma que teria mesmo atirado se fosse necessário.
Em 21 de outubro de 1967 o cantor e compositor Sérgio Ricardo quebrou o violão e o arremessou em direção ao público durante a final do III Festival da Música Popular. Isso porque, ainda nas eliminatórias do concurso, uma semana antes, Ricardo tinha sido vaiado quando tocava Beto bom de bola.
Em 1917 o artista francês Marcel Duchamp levou um mictório (ou urinol) assinado como R. Mutt, para uma exposição da Associação dos Artistas Independentes de Nova York. A condição para expor era pagar 6 dólares de inscrição. “A reação do conselho da associação, do qual Duchamp fazia parte, veio nesta declaração: ‘Pode ser um objeto muito útil em seu lugar, mas seu lugar não é em uma exposição de arte e ele não é, de forma alguma, uma obra de arte’. (…) Duchamp é um pioneiro do dadaísmo e um artista à frente de seu tempo. Suas obras são (trocadilho intencional) a grande fonte da arte contemporânea, onde o ato de fazer arte pode ser mais importante que o objeto produzido, ou nem produzido, como no caso dele” (Aventuras na História, “O que há de tão importante no urinol de Duchamp?”, 31/08/2018).
Estes casos emblemáticos (poderíamos citar tantos outros), revelam uma coisa: as artes plásticas, a música, o cinema, enfim, as artes, em geral, têm na essência que as define como “arte” um componente de contestação, questionamento e até subversão.
Não que cada um de nós seja, em potencial, artisticamente inspirado como Herzog, Kinski, Sérgio Ricardo e Duchamp. Mas, de suas obras podemos depreender, no mínimo, que pensar além das regras pode nos levar além.
Não defendo aqui nenhum tipo de desregulamentação social. As regras são necessárias para o convívio e o desenvolvimento da sociedade. O que não significa que não devemos ter o espírito crítico. Existe um equilíbrio entre seguir as regras, agindo socialmente, e ser contestador guiado por um horizonte de transformação, criatividade e liberdade.
Há uma incoerência básica, por exemplo, no fato de um debate em uma rede social, que se autointitula “cults e clássicos” estar tão apegado à rigidez de regras estabelecidas aleatoriamente por um administrador ao ponto de me censurar apenas por de eu ter criticado o fato de todos os dias ser submetida à leitura das “regras do grupo”.
Os cults e clássicos são cults e clássicos justamente porque, como Duchamp e os demais citados, estão à frente de seu tempo. O enquadramento rígido, a submissão às exigências moldadas para uma rede social que atende, no fim das contas, às regras do mercado, esse agente opressor e castrador, mata o debate antes mesmo de ele nascer.
Penso, com isso, que deveríamos aprender mais com os cults e clássicos e não apenas usá-los como adereços de moda. Adereços que alguns usam para simular mais cultura e espírito crítico do que realmente tem.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Eliana
Carol você me inspira! Que crítica heim? Mas o conteúdo da página é muito bom
João Franzin
Taiqueize. Cada um tem sua definição de clássico. Casablanca eu acho clássico. Blade Runner, também. Limite, do Mário Peixoto, a meu ver, é um clássico sofisticado, sutil. Os filmes do Samuel Fuller, quase todos, diretos, sem apelos tecnológicos, são clássicos. Rumble Fish, entendo, é classicaço. Rainha Diaba, o primeiro, preto e branco, idem. A Lira do Delírio etc. Sobre meninos e lobos; Jonhy vai à Guerra etc. Mas o clássico dos clássicos, pela cotação do instituto João Franzin, é O Sétimo Selo.
.Rita de Cassia
Dias atuais sem criatividade. Cultura em baixa. Arte em baixa. Horrível .
Saí do grupo