Na verdade, são três os problemas com este único parágrafo. Primeiro, o ordenamento pátrio não aceita conceder caráter retroativo a norma legal. Segundo, o período de 30 dias de retroação alcança dias em que ainda não tinha sido registrado o primeiro caso de contaminação por coronavírus no Brasil. E, por fim, a expressão “medidas trabalhistas” dá margem para conceder ao empregador um “perdão” generalizado por toda e qualquer irregularidade cometida pelo empregador no mês anterior à edição da medida.
Os três pontos foram apontados pelo advogado Rafael Carneiro em uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Supremo Tribunal Federal.
Retroação
A possibilidade de retroação dos efeitos da medida fere o artigo 5º, XXXVI, que diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
“Com efeito, a medida retira integralmente a segurança jurídica das relações de trabalho, concedendo ao empregador um “perdão” generalizado por toda e qualquer irregularidade cometida no último mês”, aponta o advogado na ADI.
Em nota técnica, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também já tinha chamado a atenção para o mesmo ponto, conforme aponta outra ADI, ajuizada pela Rede. Para a OAB, trata-se de “uma aberrante tentativa de subtrair direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos da esfera do escrutínio judicial”.
Início da pandemia
O primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi confirmado em 25 de fevereiro deste ano. A Medida Provisória foi editada em 22 de março.
“Logo, além do prazo de 30 dias previsto na MVP contemplar período em que sequer havia confirmação de casos do novo coronavírus no país, não é razoável supor que os empregadores implementaram medidas de resposta à pandemia imediatamente após a chegada da doença ao Brasil”, mostra Carneiro.
Ou seja, o prazo estipulado na MP anistia irregularidades trabalhistas ocorridas fora do contexto da pandemia (que, aliás, foi decretada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março).
Expressão genérica
O terceiro problema apontado na ADI é o uso da expressão vaga “medidas trabalhistas”, que “pode abranger qualquer aspecto da relação de trabalho, desde férias, jornada extraordinária, editadas de segurança e saúde ocupacional”, o que impede trabalhadores de buscar a tutela judicial de seus direitos, ainda que esses não tenham relação com a crise de saúde vigente.
Fonte: Conjur