PUBLICADO EM 16 de dez de 2019
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Ascensão e queda das cozinhas coloridas na América pós-guerra

A explosão de cores nos anos pós-guerra era evidência das extravagâncias de uma economia em crescimento e da maturação da sociedade americana de consumo.

Por Regina Lee Blaszczyk

A brilhante paisagem pós-guerra, com seus Chevys de dois tons, e seus restaurantes do Howard Johnson com os telhados laranja, aguçava o apetite por mais cores em casa. O trabalho de Howard Ketcham no Bell Model 500, uma resposta direta a esse gosto, era seguido paralelamente pela amplitude do movimento da indústria em direção à cor.Nos anos de 1920, a cor de Macy na promoção de cozinhas tinha popularizado tachos e panelas em matizes brilhantes, e os artigos de cor Kohler tinham feito algum progresso nos banheiros. Mas a colorização de bens duráveis caros para o lar tinha sido frustrada pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra Mundial. Em 1949, a Chambers Company, uma pequena fábrica de fogões de Indiana, surpreendeu a todos oferecendo fogões em vermelho, preto, azul, cinza, amarelo e verde. Circularam rumores que os modelos coloridos contavam um terço das vendas da Chambers Company. Quando uma grande associação comercial da indústria da tinta reportou a crescente popularidade das cozinhas em amarelo canário e verde limão, a indústria de equipamentos domésticos tomou conhecimento.

“Vamos encarar isso”, disse um relatório de 1951 sobre mulheres e aparelhos eletrodomésticos, compilado para a Agência de Publicidade Ralph H. Jones, pelo Instituto de Pesquisa Motivacional de Ernest Dichter. “Os refrigeradores General Electric, Kelvinator e Frigidaire não são… diferentes uns dos outros,” dificultando “capturar o coração do consumidor, atacando-o… com uma enxurrada de publicidade.” A cliente de aparelhos do pós-guerra tinha provavelmente trabalhado em um escritório, uma loja, ou uma fábrica durante a guerra, e conhecia sua própria mente. Ao contrário de sua “velha” mãe, ela decorava para expressar “sua criatividade e individualidade”. Ela queria “aparelhos eletrodomésticos não apenas pelo seu valor utilitário, mas por sua contribuição para a habitalidade de sua cozinha,” e ela esperava “o estilo de refrigerador ou máquina de lavar ‘que harmonizasse com o resto da decoração de sua cozinha.’”

O desafio dos fabricantes era transformar um produto utilitário em um acessório de moda. Dichter, que tinha sondado as mentes de consumidores para centenas de companhias, recomendava uma “estratégia psicológica”. Cor, ele sugeriu, era uma ferramenta psicológica que podia alcançar profundamente a mente e destrancar os desejos nascentes ou não realizados dos consumidores.

O maior mercado para eletrodomésticos coloridos foi encontrado em novos empreendimentos suburbanos como as três Levittowns (uma em Long Island, uma na Pensilvânia, e uma em New Jersey). Empreendedores sabiam que o caçador de casas desgastado, exausto depois de uma tarde de domingo sem fim de open houses lembraria “daquela com a cozinha vermelha e branca”.

Banqueiros e avaliadores tinham que considerar uma casa adequada para ser revendida antes de emprestar dinheiro para o construtor ou o proprietário. A cozinha “aerodinâmica” – aquela com gabinetes modernos, balcões cromados e eletrodomésticos coloridos – era ainda muito incomum para cautelosos homens endinheirados. “O construtor pode pegar seu lucro e correr, uma vez que ele encontrou comprador que goste das cores que ele escolheu, mas o credor hipotecário deve viver com a casa por 20 ou 30 anos, através de muitas mudanças de propriedade. Ele tem o maior suporte no uso de cores seguras, porque ele tem mais a perder por uma escolha de cores que pode diminuir a comercialização na revenda da casa”. A Autoridade Federal da Habitação, que supervisionou empréstimos hipotecários para veteranos sob a Declaração de Direitos dos Militares, tomou uma posição conservadora.

O editor da revista House & Home explicou as realidades para um executivo de eletrodomésticos: “A AFH tende agora a dar um valor menor onde a cor é usada. Isso é por duas razões: 1. A AFH tem medo de que a cor pode reduzir o valor de comercialização, porque a cor que é adequada para uma mulher pode não ser para o resto. 2. A AFH não aceitou padrões de cores que seus avaliadores podem usar como um critério.” O Ato de Habitação, de 1954, forneceu empréstimos federais para remodelação, e encorajou credores a aprovar cozinhas aerodinâmicas, se os remodeladores as quisessem. Mas um construtor de novas casas ainda não podia “usar cores que seu credor hipotecário não vai financiar.” No fim, as preocupações dos burocratas, banqueiros e avaliadores limitaram a disseminação de eletrodomésticos coloridos.

Quando os consumidores em bairros urbanos e subúrbios procuraram modernizar suas casas mais velhas, fabricantes de eletrodomésticos viram oportunidades de vendas. Como os fabricantes podiam enfocar o mercado de substituição? Eles deviam mirar nos desejos não realizados dos consumidores, ou eles deviam atender às suas necessidades reais?

A maiorias dos executivos do ramo de eletrodomésticos teve um enfoque pragmático nessas questões de marketing. Um vendedor que fornecia esmalte vítreo para fabricantes de eletrodomésticos conhecia as teorias psicológicas de Ernest Dichter e era cético. Admitindo que o “consenso dos garotos da pesquisa motivacional é que as cores e aparelhos embutidos são as únicas coisas que vão ao encontro das necessidades emocionais da mulher moderna,” ele expressou a crença de que o sistema manufatura americano podia satisfazer os consumidores sem se curvar à moda.

Através de “economia e produção em massa”, os fabricantes de eletrodomésticos podiam entregar preços acessíveis e um pouco de estilo. O agente de compras para a Levitt & Sons também contornou a psicologia popular e a ideia de obsolescência de estilo: “A ideia da cozinha colorida é para atrair a consumidora a gastar mais dinheiro pela sua cozinha – dinheiro que iria de outra maneira ser gasto em uma televisão ou automóvel – algo novo. É atraente, simpático e ela quer”.

Crescente interesse em eletrodomésticos coloridos

Pesquisadores de mercado na McCall’s, uma revista popular para donas de casa de classe média do subúrbio, documentou o crescente interesse em eletrodomésticos coloridos. No início de 1955, a dona de casa média tinha visto eletrodomésticos coloridos em revistas, lojas e showrooms, em open houses em novos empreendimentos no subúrbio, e nas casas de amigos e parentes.

Algumas mulheres ainda preferiam eletrodomésticos brancos, mas mais da metade das mulheres na pesquisa da McCall’s disseram que comprariam um eletrodoméstico colorido, mesmo que fosse mais caro.

A tendência de pensar na cozinha como um espaço de convivência encorajou a nova perspectiva. Quando mais famílias de trabalhadores não braçais se mudaram para os subúrbios, elas levaram a ideia de cozinha multiuso com elas. Nos apartamentos urbanos, a cozinha grande tinha servido como espaço de encontro comunitário, muito como numa casa de fazenda. Essa tradição vernacular de uso adaptativo se encaixa com o conceito modernista de Frank Lloyd Wright do piso de plano aberto, com a cozinha abrindo para uma sala de estar de jantar. Construtores suburbanos ajustaram seus designs para casas de campo e fazendas de dois andares, para acomodar “sentimentos nostálgicos para aqueles dias quando a cozinha era a sala de estar da família” e “as pessoas comiam perto do fogão e compartilhavam histórias”. Se a cozinha era um espaço para conviver, então deveria ser decorada como tal, completa com acentos coloridos. Pinturas faça-você-mesmo permitiram os consumidores satisfazer esse impulso em um orçamento.

Frigidaire

Eletrodomésticos Amarelo Brilho do Sol requeriam um investimento mais substancial e significavam um comprometimento maior. Como a opinião pública girava na direção de cores na decoração das cozinhas, um obstáculo diferente para os eletrodomésticos coloridos apareceu: três em quatro revendedores de eletrodomésticos tiveram “uma visão fraca da ideia toda”. Os revendedores se preocupavam sobre preços mais altos, a dificuldade de combinar tons e a gestão de estoque – muitas das mesmas preocupações que os revendedores de carros tinham sobre trabalhos de pintura de dois tons. “A maior dor de cabeça vai ser não ter o modelo certo, mas também o modelo certo na cor certa… e o tom certo. Que tal painéis de fogões lascados combinando? Que preço nós vamos ter que pagar para partes devido ao estoque excessivo… nos depósitos de nossos distribuidores?” Lojas que estocavam marcas diferentes se preocupavam especialmente sobre as incompatibilidades: “Há Azul Céu, Azul Bebê, Azul Francês, Azul Cadete…” A “ideia de cores” era uma grande dor de cabeça – muito trabalho e sem garantias.

Em 1954, a Frigidaire (a divisão de eletrodomésticos, baseada em Dayton, da General Motors) se tornou a primeira fábrica de equipamentos de cozinha a oferecer uma “linha completa” de eletrodomésticos coloridos. Isso significou que, como os carros GM, os eletrodomésticos coloridos Frigidare vieram em várias faixas de preços – Standard, Master, De Luxe e Imperial, e foram projetados em Detroit pela seção de estilo de Harley Earl. Na Frigidaire, a cor se encaixava em um plano mais amplo para a obsolescência do estilo – mas não na maneira como Vance Packard descreveu. Aconselhando os revendedores a explorar as cores, a sede da Frigidaire explicou como os eletrodomésticos coloridos se encaixavam na estratégia da GM de “escada de consumo”. O objetivo não era, como Packard escreveu, tratar eletrodomésticos como chapelaria, convencendo “os americanos que eles deviam substituir refrigeradores, fogões e máquinas de lavar a cada ano mais ou menos”. Era encorajar os consumidores a substituir seus eletrodomésticos brancos mais velhos pelos novos modelos coloridos aos poucos através dos anos, até que o conjunto estivesse completo.

A bem desenvolvida rede de distribuição nacional da Frigidaire encorajava franqueados a empurrar cor para os clientes. Um revendedor pôs o fardo nos gerentes de lojas – “o primeiro essencial para vender eletrodomésticos Frigidaire em cor é ter coragem de comprar… cor”, mas os gostos regionais tiveram um papel. Consumidores em climas mais quentes e nas regiões mais novas do País (o Sudoeste, as Montanhas Rochosas, a Costa do Pacífico) gostavam de cores; aqueles no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste industriais, não.

Lojas do baixo mercado recuavam de eletrodomésticos coloridos, que tinham preços de etiqueta mais altos do que os brancos. Mas em um mercado de classe média ou classe média alta, que podiam suportar preços mais altos, um revendedor Frigidaire podia embolsar 20% a mais de um pedido de cores. O coproprietário de uma loja de eletrodomésticos em Salinas, Califórnia viu uma “oportunidade mandada por Deus”, que permitiria a sua loja concorrer com uma loja Montgomery Ward vizinha. “Nós sentimos que nossos grandes concorrentes não podiam entrar em eletrodomésticos coloridos rapidamente o suficiente, porque seus procedimentos de compras e técnicas de merchandising não eram tão flexíveis quanto os do revendedor menor,” Paul Kane disse a um jornal de comércio. “Nós decidimos ficar tão bem estabelecidos como ‘sedes de cores’ que seria difícil para essas lojas nos ultrapassar.” A “cruzada pelas cores” deu aos parceiros a chance de aplicar suas “habilidades de vender”, conversar sobre estilo e beleza para um “exército de faça-vocês-mesmos que foram redecorando e acabaram de chegar à cozinha”. Eles também vendiam aos clientes a ideia de que eletrodomésticos pintados teriam valor maior na hora de troca.

No Texas, a loja Good Housekeeping, em Odessa, teve sucesso com as cores da Frigidaire. A Good Housekeeping, aberta no outono de 1957, era ideia de um homem de negócios empreendedor de eletrodomésticos, familiar com os mercados de Houston e Odessa. Recusando-se a estocar qualquer marca que não Frigidaire, a loja de Odessa e uma filial de Midland “vendiam cores agressivamente”. Operando no princípio de que “você pode vender branco sobre cor, mas você não pode vender cor sobre branco”, o dono mantinha “completos displays de todas as cores em ambas as lojas”.

Contingências imprevisíveis

Conjuntos de eletrodomésticos combinando – um refrigerador, um fogão, uma lavadora e um secador – eram exibidos em grupos de cores, criando um efeito arco-íris que atraía os consumidores ao showroom. Vendedores eram treinados para “vender beleza e decoração de cozinhas.” Em 1958, quase metade dos pedidos em lojas eram para eletrodomésticos coloridos.

Apesar desses sucessos, revendedores de eletrodomésticos ainda viam o branco como “uma aposta segura” e se preocupavam com sua habilidade de estocar eletrodomésticos combinando. Em 1959, a Home Appliance Company, em Texarkana, Texas se queixou sobre a falta de estoque colorido disponível nas faixas de preço Standard e De Luxe. Em 1955 e 1956, a loja tinha exibido modelos coloridos e os consumidores tinham respondido positivamente, a refrigeradores de preço médio ($300-$400). 49% dos refrigeradores e 37% dos fogões vendidos aquele ano eram coloridos.

Mas desde então, o revendedor tinha tido problemas em conseguir modelos coloridos em faixas de preços baixos e médios do distribuidor, muito para o desgosto dos clientes. “No negócio de eletrodomésticos, nós não vendemos uma cozinha completa toda vez”. Quando uma cliente que tinha comprado um refrigerador Standard voltava para um fogão combinando, ela descobria que sua única opção, se ela quisesse combinar a cor, era uma top-de-linha Imperial de preço perto de $450. Como resultado, as vendas de eletrodomésticos coloridos tinham caído perto de 10%.

Em eletrodomésticos, como em automóveis, a revolução das cores encontrou contingências imprevisíveis. Obstáculos de produção, estoques inadequados, desafios de marketing e percepções do público deixavam difícil até para as companhias mais sofisticadas convencer as consumidoras a abraçar o conceito do conjunto colorido. Mesmo quando as consumidoras se sentiam aquecidas para eletrodomésticos coloridos, o sistema de produção e distribuição estava mal equipado para acompanhar. Gostos regionais, vieses persistentes e diferenças socioeconômicas, tudo contribuía para o enfraquecimento das vendas. Enquanto isso, críticas culturais espetavam os fabricantes. “A fascinação dos estilistas com pastéis esgotou-se antes do final da década de 1950, e a tendência voltou direto para o branco,” escreveu o jornalista Vance Packward (1914 – 1996).

A tendência não reverteu inteiramente para o branco, como Packward tinha previsto. As estatísticas da Frigidaire para 1964 mostraram que eletrodomésticos coloridos constituíam 28.5% das vendas nacionais. Ainda as consumidoras recusavam-se a correr e substituir seu refrigerador Amarelo Brilho do Sol por um modelo novo, em uma nova cor da moda como Verde Abacate. Designers da Frigidaire podem ter desejado projetar obsolescência no estilo, mas isso não estava nas cartas.

A explosão de cores nos anos pós-guerra era evidência das extravagâncias de uma economia em crescimento e da maturação da sociedade americana de consumo. Vance Packward tinha oferecido observações incisivas sobre aquela cultura de consumo. Mas em sua crítica do design, ele tinha simplificado a complexidade e deixado passar as muitas contingências culturais e técnicas que haviam levado a Bell System, General Motors e a Frigidaire pela estrada das cores. Coloristas tentaram ler o humor da população, que estava sempre mudando. Os melhores profissionais sabiam que o gosto era difícil de fixar e que um tom se tornava ultrapassado assim que se tornava popular.

Obsolescência era parte e parcela do sistema de moda, que no curso do século 20 tinha migrado de roupas para carros e para cozinhas. Novas tecnologias tinham introduzido melhor performance e melhores aparências. E as críticas culturais liam como obsolescência planejada. Finalmente, a explosão de cores dos anos de 1950 foi contida por uma versão atualizada do projeto de simplificação, avançado por advogados de eficácia como Herbert Hoover e Margaret Hayden Rorke. Uma nova geração de diretores de arte cortou a paleta, no interesse de controlar os custos. No último quarto do século 20, mais americanos do que antes tinham lava-louças, telefones e carros, mas eles estavam disponíveis em menos cores.

Regina Lee Blaszczyk é Professora de História dos Negócios e Cadeira de Liderança em História dos Negócios e Sociedade na Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Fonte: Time

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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