Até 2023, a expectativa é que o ritmo fique mais em linha com o desempenho mundial, com crescimento acumulado composto da ordem de 6% ao ano, para a casa dos US$ 2,8 trilhões, segundo estimativas da Boston Consulting Group (BCG). Na América Latina, a taxa prevista de expansão anual é de 8% para o intervalo até 2023. O Brasil tende a perder participação nesse bolo, saindo dos 39% atuais para 36%.
Os dados fazem parte de um recorte de Brasil disponibilizado pela consultoria para o Valor e que compôs o mapeamento de América Latina no relatório “Global Wealth 2019 – Reigniting Radical Growth”. A BCG colhe dados macro e ouve os maiores participantes do setor de gestão de recursos em diversos países para radiografar a riqueza financeira da população como um todo.
Os números incluem a riqueza investida, tais como ações listadas, títulos de dívida, fundos de investimentos, moedas e depósitos, bem como a parcela não investida, que contempla seguros de vida, pensões, ações não listadas e outras participações em empresas.
Segundo André Xavier, líder da área dedicada a instituições financeiras da BCG no Brasil, as projeções para o país são bastante conservadoras e não contemplam uma eventual aceleração do Produto Interno Bruto (PIB) caso a reforma da Previdência passe com potência fiscal significativa no Congresso, seguida por outras medidas que recoloquem a economia brasileira na rota da recuperação.
No ano passado, México e Brasil ocuparam um importante papel na evolução das riquezas da América Latina, economias onde há grande concentração de dinheiro em seguradoras e fundos de pensão. Ainda que a fatia aplicada em ações seja relativamente pequena, a performance das bolsas foi suficientemente sólida para a região não se contaminar com o movimento de vendas generalizadas de outros mercados no quarto trimestre de 2018, evento que freou a expansão da riqueza na média global. No mundo, o valor dos ativos financeiros aumentou em cerca de 2%, atingindo US$ 206 trilhões, enquanto na América Latina o crescimento foi de 6,3%.
Em dólar, o número de pessoas com mais de US$ 1 milhão no mundo cresceu 2,1% no ano passado, a 22,1 milhões de indivíduos, que respondem por 50% dos ativos globalmente. A América Latina tinha 200 mil milionários – 48% dos recursos nas mãos dos mais ricos. Historicamente, a América do Norte concentra o maior número de milionários (68% do total). Entre 2018 e 2023, entretanto, a região que deve experimentar o maior incremento de indivíduos com mais de US$ 1 milhão é a Ásia (excluindo-se o Japão), de 10,1%, seguida pela África (9,1%) e América Latina (9,1%). A BCG estima 27,6 milhões de milionários em cinco anos.
No Brasil, a evolução recente da riqueza pessoal da população até perdeu ritmo, comparando-se ao intervalo entre 2013 e 2018, quando o conjunto apresentou crescimento anual composto de 9%.
“O Brasil não vem mal, mas não foi tão forte quanto poderia”, afirma Xavier. Segundo o especialista, o patrimônio das famílias nos últimos anos perdeu ímpeto junto com a economia, reduzindo a geração de riqueza, proveniente de dividendos, por exemplo. Os eventos de liquidez, como ofertas secundárias de ações e fusões e aquisições, que tipicamente destravam valor para os empresários e ampliam os recursos sob o guarda-chuva de gestores de patrimônio, também rarearam.
A depender da movimentação dos primeiros meses do ano nos serviços de gestão de fortunas, os ventos parecem estar a favor. Um executivo do setor estima que após a reforma da Previdência haja um fluxo extra de R$ 500 bilhões de geração de riqueza em dez anos.
Maior private banking brasileiro, com patrimônio da ordem de R$ 450 bilhões, entre ativos locais e externos, o ingresso de dinheiro novo nessa área no Itaú ganhou velocidade na primeira metade de 2019, conta Carlos Albertotti, diretor comercial da divisão. Nos últimos anos, a média da captação líquida rondava os R$ 15 bilhões; em 2018 subiu para R$ 22 bilhões; nos primeiros meses de 2019, já são R$ 17 bilhões. Boa parte disso, explica, veio da distribuição de dividendos de empresas de capital aberto em casos geograficamente espalhados.
Olhando à frente, se de um lado a Selic menor tem o efeito de tirar dinheiro do setor de gestão de riquezas para negócios da economia real, a tendência é que um passo adiante venha um novo ciclo de liquidez. “Todos os ativos ilíquidos, operacionais ou imobiliários, tendem a subir de preço e quem tem esses ativos fica mais motivado a fazer a venda”, diz Albertotti. Nessa dinâmica é de se esperar novas aberturas de capital e movimentos de fusões e aquisições, que tradicionalmente alimentam o setor.
Com taxas de juros historicamente baixas no Brasil, a migração do investidor da renda fixa para opções de maior risco, como fundos multimercados e ações, tende a levar à apreciação desses ativos, sendo também uma fonte de geração de riqueza, diz Juliana Laham, responsável pelo time de investimentos do private banking do Bradesco. A executiva ainda espera uma maior atividade no mercado de capitais, após as empresas terem cortado custos durante o período de crise e de desaceleração da economia.
“Os balanços mais equalizados, permitem a alavancagem operacional e os lucros podem ficar acima do crescimento do PIB. Com boa saúde financeira, o mercado de capitais vai ser impulsionador dos recursos financeiros para que as empresas cresçam via dívida ou IPOs”, afirma Juliana.
Michael Van Dijk Gagliardi, sócio da área de gestão de patrimônio da G5 Partners – que administra cerca de R$ 12 bilhões – também se diz otimista com o ciclo de geração de riqueza que se desenha para o Brasil pós-Previdência. “Há boas perspectivas para o mercado de capitais, para o ‘valuation’ das companhias públicas e privadas. E o Brasil caminhando bem, um grupo relevante de famílias vai acabar monetizando [seus ativos] e aumentando a base de clientes potenciais.”
Ele cita que, mais do que a valorização de ativos como as ações na bolsa, por exemplo, serão as aquisições e aberturas de capital que vão incrementar o número de famílias elegíveis à gestão de patrimônio de altíssima renda – a gestora trabalha com um corte de R$ 10 milhões.
Depois de a Selic ter caído de 14,25% desde outubro de 2016, para 6,5% ao ano, o investidor passou a se dedicar também mais à diversificação internacional, diz Juliana, do Bradesco, seja via veículos no Brasil, seja comprando ativos no exterior. Em 2018, ela conta que, dentro do private do banco, a mão estava mais pesada no mercado internacional. Este ano, a alocação está mais “neutra” – num perfil moderado isso significa ter entre 5% e 10% em ativos globais.
Em comparação a outros países da América Latina, o brasileiro investe, porém, pouco fora do país. Só 10% das riquezas pessoais estão aplicadas internacionalmente enquanto a média da região é de 18%, segundo a BCG. A expectativa da consultoria é que a fatia de Brasil se mantenha em 10% até 2023. Mas olhando além do horizonte que a pesquisa alcança, Xavier acha que a relevância dos recursos “offshore” tende a aumentar, à medida que o investidor busque alternativas de diversificação. “A médio prazo, não me parece absurdo chegar a algo entre 12% e 15%.”
Com uma operação internacional há décadas em Nova York, e em Miami e um braço em Lisboa, o Banco do Brasil vem trabalhando numa reestruturação que traga mais sinergias entre a área de “securities” e o private banking lá fora, afirma Francisco Lassalvia, gerente do serviço de private bank do BB. “O que outros bancos vêm fazendo [comprando operações fora do país ou carteiras] fazemos há bastante tempo. Nós estamos robustecendo nosso bloco ‘offshore’ para continuar tendo um serviço de vanguarda.”
Localmente, o BB se vale da sua rede pulverizada para buscar novos milionários no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. O atendimento à cadeia do agronegócio tem sido uma dessas alavancas. Dos 249 “bankers” que possui, 78 deles são voltados para essa área. Além de assessoria financeira e patrimonial, a instituição tem atuado fortemente no crédito, acrescenta Lassalvia. A carteira no private soma mais de R$ 20 bilhões, também em função da atuação do banco no nicho dos grandes produtores rurais.
“Uma quantidade razoável de grandes clientes do private faz captação no exterior para compra de lanchas, carros de luxo, o produtor rural usa [esse crédito] para adquirir bens de luxo”, exemplifica Lassalvia. “Como tenho boa avaliação de risco e boa garantia, o cliente consegue captar o recurso mais barato que o rendimento que teria num fundo exclusivo ou normal.”
Com cerca de R$ 200 bilhões em recursos no private banking, o BB está entre os primeiros colocados do setor, pouco abaixo do Bradesco, com algo próximo de R$ 220 bilhões, e no pelotão à frente do Credit Suisse, com cerca de R$ 180 bilhões. Não há, porém, um ranking oficial. As últimas estatísticas da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, apontavam em maio R$ 1,151 trilhão em recursos nas mãos dos serviços de private banking.
Pelos dados da BCG, o número de indivíduos afluentes, com patrimônio entre US$ 250 mil e US$ 1 milhão, pode chegar a 918 mil pessoas na América Latina em 2023, 53,2% acima da quantidade observada no fim de 2018, com incremento de 10% do patrimônio, a US$ 300 bilhões. Globalmente, serão 94,2 milhões de pessoas, que responderão por investimentos de US$ 24,5 trilhões.
Fonte: Valor Econômico