O ambiente hostil preocupou o governo em um momento chave, com a ida do ministro Abraham Weintraub (Educação) ao plenário da Câmara, nesta quarta-feira (15), para explicar cortes no orçamento de sua pasta.
Derrotas em série sofridas no Congresso consolidaram um ambiente desfavorável para Bolsonaro, e integrantes da equipe de articulação política do Planalto admitem que a tropa de defesa do presidente é insuficiente.
A votação que aprovou a convocação de Weintraub, na terça (14), foi articulada por líderes de partidos do chamado centrão para dar um recado ao governo, mas aglutinou deputados de quase todos os partidos.
Embora a oposição tenha protagonizado os embates mais duros com o ministro na sabatina, parlamentares de centro também fizeram críticas à política educacional.
A intenção dos dirigentes é enviar uma mensagem enfática de que não pretendem tolerar ataques aos parlamentares. Os deputados ficaram especialmente irritados com críticas feitas pelo presidente e por deputados do PSL.
O conflito provoca divisões dentro do time do próprio de Bolsonaro. Aliados atribuem as derrotas e a convocação do ministro a críticas feitas aos partidos pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, procurou Bolsonaro e pediu que Vitor Hugo seja removido do posto. A parlamentar disse que os comentários feitos por seu colega e a falta de articulação estavam “matando o governo”.
O centrão é formado por partidos que, apesar do discurso geral de apoio ao governo Bolsonaro, não têm se alinhado automaticamente, aplicando derrotas ao Planalto em determinadas situações.
Foi por meio da ação do grupo, por exemplo, que o governo teve que recuar em alguns pontos na reforma da Previdência já na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
O centrão também é alvo frequente de ataques de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, que os associam à chamada “velha política”.
Formam o grupo parlamentares do DEM, PP, PR, PTB, PRB, PROS, Podemos, Solidariedade, entre outras siglas menores, em um total de cerca de 200 dos 513 deputados federais.
A escalada da contraofensiva do Congresso ocorre na semana em que o presidente da Câmara está em uma missão oficial nos Estados Unidos. Rodrigo Maia (DEM-RJ) se equilibrava entre a defesa dos parlamentares e a tentativa de construir pontes com o Planalto.
Maia, que já foi alvo de apoiadores de Bolsonaro nos embates públicos com o Congresso, trabalhava para reduzir as tensões entre os dois Poderes.
Nos últimos dias, porém, o aborrecimento se espalhou e atingiu até pequenas siglas, que foram recebidas por Bolsonaro na terça (14).
Parlamentares atacaram o governo depois que Joice chamou de “boato barato” a informação divulgada por esses partidos de que o presidente havia suspendido o congelamento de despesas na educação.
Capitão Wagner (Pros -CE), que disse ter votado em Bolsonaro nos dois turnos da eleição, foi à tribuna da Câmara e afirmou que havia presenciado o momento em que o presidente havia ordenado o cancelamento do bloqueio.
“Se o governo não sustenta o que o presidente falou na frente de 12 parlamentares, não sou eu que vou passar por mentiroso”, declarou. “Ou o presidente assume a liderança desta nação, ou, de fato, nós vamos ter um problema grave de falta de condução deste país.”
A temperatura do conflito também subiu na reunião de líderes partidários na tarde de terça-feira.
Deputados do PSL disseram que o centrão tentava “extorquir” o governo. Parlamentares reagiram e ameaçaram levar os aliados de Bolsonaro ao conselho de ética da Câmara.
Mesmo parlamentares do partido de Bolsonaro demonstravam insatisfação em relação à atuação do Planalto no relacionamento com a Câmara. Depois que a convocação de Weintraub foi aprovada, Felipe Francischini (PSL-PR) lembrava aos colegas que a ida do ministro expunha as fragilidades do governo.
O deputado paranaense, que preside a Comissão de Constituição e Justiça, citou a sabatina do então ministro Cid Gomes (Educação) na Câmara no início do segundo mandato de Dilma Rousseff. Na ocasião, Cid chamou parlamentares de “oportunistas”, bateu boca e foi forçado a pedir demissão no fim do dia.
“Foi o começo do fim de Dilma. Naquela hora, todos viram que não existia um governo organizado e o centrão se organizou de vez”, afirmou Francischini a outro deputado do PSL no plenário.
DERROTAS
Bolsonaro coleciona derrotas no Congresso em questões-chave em apenas quatro meses. A convocação para o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara, nesta quarta-feira (15), foi apenas um mais recente capítulo nos desgastes que o Congresso tem imposto ao Planalto.
Considerado no momento o ponto de negociação mais importante para o governo, a aprovação da MP 870, medida provisória que estabeleceu logo no começo do mandato uma nova configuração de pastas e atribuições —num total de 22 com status ministerial, contra 29 sob Michel Temer (MDB)— corre contra o tempo e a falta de uma base parlamentar. O retrospecto não é favorável.
Na comissão especial, primeira etapa de análise da MP, o Planalto sofreu uma derrota quando os parlamentares decidiram pela retirada do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da pasta da Justiça, com a transferência do órgão para o Ministério da Economia.
Apesar do discurso de Sergio Moro de que a permanência do órgão na Justiça era fundamental para ações de combate à corrupção, venceu a pressão de integrantes do centrão e da oposição: foram 14 votos a favor da mudança e 11 contra.
Antes disso, em fevereiro, a Câmara impôs a primeira derrota ao governo no plenário ao votar pela derrubada do decreto que alterou as regras da Lei de Acesso à Informação.
Para evitar maior desgaste, o presidente Jair Bolsonaro decidiu então abrir mão da proposta antes de seu trâmite completo no Congresso.
Ela alterava as regras de aplicação da LAI e permitia que ocupantes de cargos comissionados da gestão, em muitos casos sem vínculo permanente com a administração pública, pudessem classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas.
FOGO AMIGO
Nesta quarta-feira, Joice criticou deputados do próprio partido e disse que a gestão Bolsonaro terá que recomeçar a construção de sua base parlamentar.
A deputada afirmou que a convocação do ministro da Educação e a decisão de não votar medidas provisórias nesta semana —o que pode enterrar a reestruturação ministerial do presidente— foram uma resposta a declarações feitas por membros do PSL, inclusive o Major Vitor Hugo.
“Foi de fato uma resposta dada ao governo. Houve uma série de declarações dadas por integrantes do meu próprio partido, pelo próprio líder do governo na Câmara, que acabaram irritando líderes aqui dentro”, disse Joice depois de reunião de líderes.
“E aqui dentro só se constrói com diálogo. Não se pode tratar de maneira hostil, grosseira, o grupo que tem mais de 200 parlamentares quando você quer aprovar uma reforma da Previdência que precisa de 308 parlamentares”, afirmou.
A rixa entre Joice e Vitor Hugo é conhecida desde o começo desta legislatura, e mostra como o partido de Bolsonaro está rachado.
O líder na Câmara tem feito declarações duras sobre membros do centrão com relação à MP 870, que reestrutura a Esplanada e corta ministérios. O deputado tem usado as redes sociais para atacar partidos, o que irritou os líderes da Casa.
“Agora a gente vai ter que recomeçar todo o processo de construção da base, a gente colocou um monte de tijolinho e tiraram, agora tem que colocar de novo”, afirmou Joice.
O governo Bolsonaro ainda não conseguiu formar uma base parlamentar sólida. Com mais de três meses do novo Congresso, o PSL é o único partido que oficialmente faz parte do apoio ao presidente.
Isso faz com que a base constante de Bolsonaro seja formada por 54 parlamentares. Já o bloco da maioria, conhecido como centrão, possui mais de 200 parlamentares.
Além disso, o presidente irritou nesta terça-feira (15) membros de partidos que não fazem parte do núcleo duro do centrão e que, apesar de independentes, começavam a se aproximar da gestão.
Líderes de partidos como Cidadania, Podemos, PSC e PROS, que participaram da reunião com Bolsonaro, ficaram incomodados com o fato de o Planalto ter desmentido que haveria cancelamento nos cortes de educação.
Os deputados sustentam que o presidente teria feito a ligação pedindo que o bloqueio fosse sustado na frente deles, durante reunião.