PUBLICADO EM 27 de fev de 2019
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Previdência: dez pontos da reforma podem ser questionados

Ao menos dez dispositivos da proposta de reforma da Previdência do governo federal podem ser questionados no Supremo Tribunal Federal (STF).

Justiça do Trabalho

Foto: Arquivo

Especialistas afirmam que, se o texto for aprovado como está, ações judiciais podem apontar inconstitucionalidades sobre a idade mínima para aposentadoria, a regra de transição dos servidores públicos e o possível fim da isenção previdenciária sobre receitas de exportação, entre outros.

Esses pontos, acrescentam, também podem ser usados por quem é contrário à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tentar derrubar a reforma no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, a primeira comissão a analisar uma PEC é a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Se os integrantes concluem que alguma medida é inconstitucional, barram sua tramitação.

Alguns dos próprios ministros do Supremo já indicaram aguardar processos contra a proposta em discussão. Até então, todas as reformas da Previdência foram parar no STF, segundo a sócia do escritório Mattos Filho, Luciana Dias Prado. Em 2004, por exemplo, os ministros decidiram ser constitucional a cobrança de contribuição previdenciária de servidores inativos e pensionistas instituída pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003.

A idade mínima é um dos aspectos que pode ser questionado, apesar de ser recorrente em reformas previdenciárias, de acordo com Luciana. A imposição de uma idade única sem considerar as diferentes expectativas de vida nas várias regiões do país, afirma, violaria o princípio da isonomia.

Já para o professor de direito do trabalho da FGV EAESP, Jorge Boucinhas, a aplicação das regras de transição é um dos pontos com maiores chances de serem contestados. Trabalhadores que ficarem de fora das regras que constam no texto em debate, segundo ele, podem alegar direito adquirido à regra intermediária. “Os que me parecem mais atingidos em termos de regra de transição e são potenciais autores em demanda judicial futura são os servidores públicos, que ingressaram no regime de 2003 a 2013”, diz.

Pelas mudanças propostas, eles teriam regras mais próximas às dos trabalhadores do setor privado. O cálculo do benefício será sobre todos os salários recebidos e não mais sobre 80% – com o descarte de 20% dos mais baixos. Além disso, há previsão de alíquota maior de contribuição previdenciária.

No entanto, o professor afirma que a tese do direito adquirido está superada no Judiciário. “Existe uma regra consagrada na jurisprudência de que não há direito adquirido a regime jurídico”, afirma o professor. Isso significa que, para o Judiciário, o trabalhador não teria direito ao regime que estava em vigor quando começou a trabalhar, apenas ao do momento em que cumpriu os requisitos para se aposentar.

Os servidores podem alegar ainda “confisco”, se tiverem que passar a pagar altas taxas (22%) de contribuição previdenciária. Esse foi um dos pontos levantados pelo escritório LBCA Advogados do texto da PEC.

Sócio da banca, o advogado Yun Ki Lee destaca que, como se trata de PEC, se ficar claro que o dispositivo mexe com cláusulas pétreas da Constituição Federal, vale brigar na Justiça. “Por exemplo, um dispositivo da PEC permite a transferência de causas sobre acidente de trabalho da Justiça Federal para a Estadual. “Nesse caso, é possível alegar desequilíbrio das partes ou a hipossuficiência do trabalhador, que são cláusulas pétreas”, afirma.

O desrespeito às cláusulas pétreas também pode ser alegado para contestar no Supremo um dispositivo da reforma que, segundo Lee, poderá afastar a imunidade das receitas de exportação. “Hoje, a Constituição afasta a incidência de contribuições sociais e Cide sobre essas receitas, o que chamamos de imunidade”, diz o advogado. Mas a PEC estabelece que contribuições poderão substituir as contribuições sociais e a Cide.

Mesmo o novo regime de capitalização criado pelo governo pode ser questionado no STF, de acordo com o levantamento do LBCA. “Seria uma espécie de previdência individual. Por isso, pode-se contestar argumentando que a Previdência Social tem que ser solidária”, diz Lee. A Constituição, acrescenta, elenca entre os objetivos fundamentais da República construir uma sociedade solidária e assegura aos servidores regime de previdência de caráter “contributivo e solidário”.

Outro ponto discutível, segundo Lee, é o que exige fonte de custeio para qualquer ato do Executivo, Legislativo ou Judiciário que crie, majore ou estenda benefício. “Pode caracterizar violação à independência entre os Poderes. O artigo 2º da Constituição deixa claro que os três Poderes são independentes e harmônicos entre si. E o único que sabe e pode falar de onde vem o dinheiro é o Executivo”, afirma.

O advogado ainda aponta outros dois dispositivos da PEC que podem ser contestados, por restringirem o acesso ao Poder Judiciário. Um deles acaba com a possibilidade de ações judiciais contra a União, com origem em qualquer Estado, serem propostas no Distrito Federal. O segundo estabelece que só a Justiça Federal pode decidir se causas de interesse da União podem ser julgadas pela Justiça Estadual. “Atualmente, se não há Justiça Federal em um Estado, a Justiça Estadual decide causas previdenciárias”, explica Lee.

A retirada da multa de 40% sobre o saldo do FGTS dos aposentados que continuarem trabalhando também poderá ser questionada no STF, segundo Lucas Ciappina, advogado do escritório Balera, Berbel e Mitne. Para o advogado, existe a interpretação de que o FGTS corresponde a uma garantia individual, protegida por cláusula pétrea pela Constituição. Há, contudo, quem considere o fundo um benefício social. Portanto, desprotegido por cláusula pétrea.

Fonte: Valor Econômico

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