Por Val Gomes
Gravado por Marinho Castellar, Simara e banda Disritmia, nos meses de setembro e outubro de 1980, em São Paulo, este disco reúne doze músicas (Beira Rio, Pedra, Poranduba, Arco Íris, Terra de Ninguém, Verde Clara, Painha, Pelo Amor meu Amor, Atenção, Luando, Chora Neném e Papagaio e Holofote). São canções com conteúdos libertários, arranjos coletivos e nítidas referências à MPB, à música caipira ou regional, à sonoridade medieval, ao rock, ao blues, ao jazz e às experimentações instrumentais, mas antes de tudo originais e feitas com toda liberdade de criação, sem imposições de mercado.
Graças a Deus é possível ouvir as faixas deste trabalho pela internet, mas quem na época adquiriu o LP tem em mãos um produto raro, um bolachão “cult”. O disco chega ser oferecido na rede por até mil reais. A capa e contracapa são uma atração à parte: quando abertas, em formato de um grande ovo (em alusão à gênese), de um lado vê-se a uma paisagem mística, de sonhos, psicodélica, pintada por Caiubi Penteado, e do outro um desenho do rosto de Marinho Castellar, em um mapa astrológico, de autoria do também músico, parceiro e artista plástico Chicoelho. O bolachão, de acetato colorido, amarelo, em alusão à gema, parece muito com aqueles “disquinhos” de estórias e músicas para crianças.
Luz na escuridão
Em entrevista à Folha de S.Paulo, na matéria “Disritmia, a música em forma de ovo”, de 18 de junho de 1981, Marinho e Chicoelho disseram que no mapa astrológico podia-se se ler que os anos 1970 eram o “período da noite” e que em 1981 entrávamos no ano solar que revolucionaria o meio artístico. Trecho da matéria: “Nossa proposta é um ovo de Colombo. Partimos da simplicidade, com uma nova maneira de lidar com a harmonia: cada um de nós cria os seus próprios arranjos, na mesma música. Adotamos o símbolo do ovo com o significado de raiz”.
Vale lembrar que nesta época também surgiram nomes como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, na diversificada vanguarda paulistana, antecipando a explosão do rock nacional que, mesmo alimentado comercialmente pela indústria cultural, abriu espaço para o surgimento de inúmeras bandas e ajudou a desanuviar, pela música, a barra pesada imposta pela ditadura iniciada em 1964 no Brasil.
Tive a sorte de ver o espetáculo poético-musical “Fera Livre Ato Ovo”, com as canções do LP e textos de Smetak, Hermann Hesse e John Cage, e de pessoalmente conhecer Marinho Castellar em apresentações solos, com sua voz harmônica, criativo violão e poesia transcendental. Uma fita cassete, com canções inéditas, incluindo alguns sambas bem ao estilo tradicional carioca, também passou de mão em mão para ser reproduzida pelos fãs do compositor piracicabano.
Em sua intensa e breve vida (faleceu aos 33 anos), Marinho Castellar foi um artista universal, que merece ser reverenciado pelos amigos da época e ter seu trabalho conhecido pelas gerações mais novas. Eis a intenção deste texto-homenagem.
Ouça: Pelo Amor, Meu Amor
(Marinho Castellar)
A rua anda assim tão depressa que pressa que a minha cabeça parece que vai dançar/
Às vezes no meio do mundo já perco o sentido movido calado virado no gado da multidão/
Espalha esse aperto comigo, meu amor, e grita é um grande perigo, desfrutar/
Desfrutar da terra prometida perdendo seus filhos vendendo pra sempre futuras gerações/
Espalha esse aperto comigo, meu amor, e grita é um grande perigo, pelo amor/
Os índios virando presunto o assunto da guerra que a terra faz glória inventando esse falso (branco) deus/
Espalha esse terror comigo, meu amor/
E grita é um grande perigo, pelo amor/
A gente vai engolindo estórias aflitos que os donos dos mitos das glórias querem mais é que… Acabe esse sonho por isso, meu amor, espalha esse sonho comigo, pelo amor/
Já andam construindo gente nos laboratórios nos fóruns das modernas inquisições/
e lavam imediatamente a mente daqueles que amam e sonham e vivem pelo amor/
Acaba com isso comigo, pelo amor, e mostra o perigo que é isso, meu amor/
O deus branco de sempre é a técnica multi-anti-magnética que gela o coração/
E congela todos os sentidos e devasta nosso paraíso natural.
“A coisa mais insensata é deixar-se envelhecer pobremente.
Depende da sua vontade de viver, de exigir da vida o máximo que ela pode lhe dar”.
(Carlos Dratovsky)
Ficha técnica:
Violão ★ Marinho e Tiozão
Guitarra ★ Rivaldo Palswk
Baixo ★ Angelo e Paris
Violino ★ Bing
Violarco ★ Chico Coelho
Flauta transversal ★ Paulo Cortesi
Sintetizador ★ Roberto Navarro
Bateria ★ Cesar Martinelli
Voz ★ Marinho e Simara
Arranjo ★ Bando Disrritimia
Desenho (ilustração desta música no encarte) ★ Chico Coelho
Saiba mais na página Marinho Castellar
Fabio Luiz dos Santos
Espetacular música boa com “sustança”
henrique
amigo, me envie o link para realizar o download dessa obra prima!
tenho o vinil, mas a reedição feita esse ano – abraços
Geraldo Occa
Muito bom ver esta divulgação, conheci este trabalho e o Marinho em 81 , na cidade de Piracicaba, junto a outros músicos da cena Piracicabana, e ao ouvir o disco o som me tocou fundo , e ficou arquivado na minha memória!! A última vez que encontrei o Marinho foi no festival de Iacanga de 83