Atacar o sindicalismo é a regra número um do mercado. Quero dizer, da economia de mercado. Poderia falar, do capitalismo, mas isso soaria fora de moda. Até isso, ditar a moda, a economia de mercado faz para se proteger. O que a ameaça é antiquado, o que a alimenta, é moderno.
Moderno que, neste caso, se limita apenas à forma. Uma forma cada vez mais mirabolante para perpetuar um conteúdo arcaico e que deveria estar superado.
Na história do Brasil, todos os avanços da direita, com sua economia de mercado, tiveram os trabalhadores e os sindicatos como alvo primordial.
Foi assim com a UDN, que perseguiu Getúlio Vargas por ele ter desmontado o poder oligárquico, criado a legislação trabalhista e o Ministério do Trabalho, apelidado de Ministério da Revolução.
Foi assim na ditadura militar, que invadiu sindicatos e perseguiu sindicalistas. Foi assim com Michel Temer e sua deforma trabalhista e também com Jair Bolsonaro, para quem “patrão sofre no Brasil”.
Atualmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta grande resistência para governar para o povo que precisa do Estado. Mesmo que o metalúrgico Lula seja o presidente, a direita ainda avança por outros lados, pelo Congresso Nacional e pela imprensa colonizada.
E tirar dos trabalhadores todo e qualquer direito e capacidade de organização política é a meta.
Jornalistas do mercado são ensinados a difundir ódio e nojo aos sindicatos. E assim o fazem sem nenhum compromisso com a verdade e sem nenhuma responsabilidade social.
No dia 19/07, por exemplo, o membro do conselho editorial da Folha, Hélio Schwartsman, que escreve num daqueles editoriaizinhos da página 2 do jornal impresso, emitiu, sem mais nem menos, opiniões sobre a estrutura sindical levianas e que não correspondem à realidade.
A coluna tem um título debochado: “Imposto Zumbi”. Ora, para pessoas mais politizadas, Zumbi remete ao grande guerreiro, líder quilombola, Zumbi dos Palmares, principal ícone da resistência negra contra a escravidão. Mas como esperar que um elitista como Hélio Schwartsman lembre-se de que ele também está evocando um líder popular em sua coluna e não apenas a série americana The Walking Dead?
Segue-se então o texto falacioso: “Brasil tem um problema com instituições zumbi, aquelas que, mesmo depois de eliminadas, continuam circulando em versões degeneradas. O imposto sindical é uma delas, agora com o nome de contribuição assistencial”. Segundo ele o imposto sindical, assim como um morto ambulante, segue mesmo depois de eliminado.
Isso é uma grande mentira. O imposto sindical foi extinto na famigerada reforma trabalhista de 2017, o que é lamentável. Mas o fato é que contribuição assistencial não tem nada a ver com o extinto imposto.
Não cabe explicar pela milésima vez a diferença entre contribuição assistencial e imposto sindical. Basta fazer uma busca rápida na internet para encontrar material farto e didático sobre o assunto. A questão aqui é outra. Schwartsman sabe qual é a diferença. A Folha também sabe. Mesmo assim eles publicam essa desinformação já que o objetivo é atacar os sindicatos e deixar a boiada da exploração ao trabalhador passar.
O jornal faz isso, assim como outros órgãos da imprensa também propagam obstinadamente a ideologia antissindical da economia de mercado. Eles insistem em defender que moderno é o trabalhador sem direitos, como era nos primórdios da revolução industrial quando trabalhava-se dez, doze, quatorze horas por dia sem férias, sem descanso semanal, sem 13º, sem salário mínimo. O que são os chamados trabalhadores por app, na grande maioria entregadores e motoristas, senão uma nova versão do povo semi-escravizado do advento das indústrias? Esse é o mundo moderno do mercado. E da Folha.
Em seu texto, o jornalista defende o PL que pretende banalizar o processo de contestação dos trabalhadores quanto ao pagamento da taxa assistencial definida nas Convenções Coletivas, criado pelo senador Rogério Marinho, aquele que foi eleito com patrocínio de grandes empresas para tirar direitos dos trabalhadores. Segundo Schwartsman, qualquer simplificação da burocracia é bem vinda e “não tem como ficar contra” este novo ataque do senador.
Discordo duplamente. O que ele chama de simplificação da burocracia consiste em um incentivo para que empresas implementem práticas antissindicais, algo que muitas já fazem mesmo com o trabalhador tendo que apresentar as cartas nos sindicatos. É dar ainda mais força para o lado mais forte e desproteger ainda mais o lado dos trabalhadores. Por isto, sim, tem como ficar contra. Não se trata apenas de promover a liberdade individual, trata-se de resguardar a força de uma classe social como um contrapeso ao avanço do capitalismo selvagem.
Ele conclui dizendo que a reforma trabalhista – aquela que foi o maior desmonte da CLT já visto em nossa história, deveria ter sido ainda maior. Para ele “ficou pela metade”. “Faltou acabar com a unicidade”, disse. A unicidade, para quem não sabe, é a existência de um sindicato por categoria na base municipal, enquanto a pluralidade, que é o que o mercado quer para liquidar de vez o sindicalismo, é a possibilidade de existir diversos sindicados de uma mesma categoria na base.
Parece democrático, mas não é. Os sindicatos não são empresas, nem clubes, nem escritórios de serviços. São organizações políticas criadas pelos trabalhadores nos locais de trabalho. A democracia está no poder do trabalhador em ingressar no sindicato, constituí-lo, quando necessário, disputar internamente, unir-se com os demais para defender suas pautas. Não em colocar um sindicato contra o outro enfraquecendo ambos. Isso eles também sabem, e não querem dizer.
O que o establishment e sua imprensa fazem com o povo com relação à luta sindical é demagogia e enganação. A relação entre a contribuição assistencial paga pelos trabalhadores e o benefício que eles conquistam em forma de convenção coletiva e negociação salarial é mais do que justa. É emancipadora e civilizadora. É um caminho para maior justiça e igualdade social que deve ser ampliado, não restringido.
Mas a luta sempre foi dura e desequilibrada. E, neste sentido, o movimento sindical deve se orgulhar de evocar a figura de Zumbi. Não o Zumbi de Hélio Schwartsman, que é um defunto ambulante, mas o guerreiro Zumbi dos Palmares, aquele que lutou pela libertação de um povo oprimido e explorado.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical