Pesquisa lançada pelo IBGE no Dia Internacional da Mulher, revela um panorama preocupante das desigualdades que persistem entre homens e mulheres no Brasil. O estudo, que traz dados desagregados por cor ou raça, destaca como as mulheres pretas ou pardas são as mais impactadas por essa disparidade.
Dedicação ao trabalho doméstico e participação no mercado de trabalho:
- As mulheres dedicam quase o dobro de tempo que os homens aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos: 21,3 horas semanais contra 11,7 horas.
- As mulheres pretas ou pardas dedicam 1,6 hora a mais por semana a essas tarefas do que as brancas.
- A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é de 53,3%, enquanto a dos homens é de 73,2%, uma diferença de 19,9 pontos percentuais.
- 23,0% das mulheres de 15 a 24 anos não estavam em treinamento, ocupadas ou buscando trabalho, enquanto entre os homens da mesma faixa etária, esse número era de 14,6%.
- As mulheres pretas ou pardas são as que menos participam do mercado de trabalho, as que mais estão dedicando horas a cuidados e afazeres domésticos e as que têm piores formas de inserção em termos de remuneração e qualidade de postos de trabalho.
Jornada de trabalho e informalidade:
- 28,0% das mulheres ocupadas trabalhavam em tempo parcial (até 30 horas semanais), enquanto essa proporção era de 14,4% entre os homens.
- A taxa de desocupação do total da população feminina (11,8%) também era maior que a dos homens (7,9%).
- A taxa de informalidade das mulheres é de 39,6%, enquanto a dos homens é de 37,6%.
- A diferença entre a taxa de informalidade das mulheres pretas ou pardas (45,4%) e dos homens brancos (30,7%) chegou a quase 15 p.p.
Educação:
- As mulheres têm maior frequência escolar e nível de escolaridade que os homens.
- Em 2022, 35,5% dos homens com 25 anos ou mais não tinham instrução ou não tinham concluído o nível fundamental. Entre as mulheres da mesma faixa etária, essa proporção era de 32,7%.
- As desigualdades raciais também são evidentes nesse indicador: a proporção de mulheres brancas que tinham completado o nível superior (29,0%) era o dobro do observado para as pretas ou pardas (14,7%).
- As mulheres são maioria (60,3%) entre os concluintes dos cursos presenciais de graduação, de forma geral, mas representam apenas 22,0% dos que estavam se formando nos de Ciências, Tecnologias, Engenharias, Matemática e programas interdisciplinares abrangendo essas áreas (CTEM).
Outras desigualdades:
- As mulheres pretas ou pardas representam a maior parte das vítimas de homicídios contra mulheres praticados fora do domicílio.
- As mulheres pretas ou pardas têm maior percentual de pessoas em situação de pobreza.
O estudo do IBGE revela um cenário desafiador para a igualdade de gênero no Brasil. As mulheres, especialmente as pretas ou pardas, ainda enfrentam diversas barreiras que limitam suas oportunidades e perpetuam a disparidade entre os gêneros. É necessário um conjunto de medidas abrangentes e eficazes para combater essas desigualdades e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Para a coordenadora Barbara Cobo, há uma relação direta entre a dedicação das mulheres aos afazeres domésticos, que é um reflexo da socialização, e as decisões futuras em relação aos estudos e à profissão. “São escolhas condicionadas: o fato de serem criadas para cuidar faz com que, mesmo ao entrar no mercado de trabalho, elas acabem selecionando cursos que continuem fazendo cuidado, como se isso fosse uma atribuição feminina. E o fato de não serem muito bem representadas nas carreiras e mais valorizadas no mercado mostra isso. Além disso, dedicar mais tempo aos afazeres domésticos faz com que sobre menos tempo para se dedicar ao mercado de trabalho”, analisa. Nos cursos ligados a cuidado e bem-estar, como Serviço Social, a presença feminina é mais forte, chegando a 91% dos concluintes.
Mulheres seguem recebendo menos que os homens
Apesar de terem, em média, maior escolaridade que os homens, o rendimento das mulheres segue inferior. Em 2022, o rendimento delas foi equivalente a 78,9% do recebido por eles. Em 2012, início da série histórica, essa razão era estimada em 75,4%, o que significa que essa distância diminuiu. Em 2022, a maior diferença estava no grupo de profissionais das ciências e intelectuais, nos quais as mulheres receberam 63,5% da média dos homens. No grupo de diretores e gerentes, que apresenta os maiores rendimentos médios do país, elas receberam 73,9% do recebido pelos homens. Já entre os membros das Forças Armadas, policiais e bombeiros, elas recebiam, em média, mais do que eles (109,0%). “Isso se explica por estarem mais presentes em postos de comando e carreiras especializadas, como médicas e arquitetas”, diz o analista Leonardo Athias.
De acordo com dados do Painel Raio X da Administração Pública Federal, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, em novembro de 2023, a participação feminina foi de 30,7% nos cargos e funções mais elevados.
E a proporção de mulheres que estavam abaixo dos parâmetros definidos pelo Banco Mundial para pobreza e extrema pobreza era maior que a dos homens. Abaixo de uma das linhas, em que a pessoa vive com uma renda de até U$2,15 diários e é considerada em situação de extrema pobreza, estavam cerca de 6,1% das mulheres do país em 2017. Entre os homens, a proporção era de 5,7%. Cerca de 32,3% das mulheres estavam abaixo da outra linha, com renda per capita de até U$6,85 por dia. Essa era a situação de 41,3% das mulheres pretas ou pardas que vivem no Brasil, contra 21,3% das brancas.
Saúde da mulher
A saúde da mulher também foi um dos temas abordados pelo estudo. A pandemia de COVID-19 provocou aumento no número de mortes e queda nos nascimentos, com avanço de 29% na razão de mortalidade materna, que passou de 57,9 por 100 mil nascidos vivos em 2019 para 74,7 em 2020. Em 2021, chegou a 117,4 por mil nascidos vivos.
Já em 2022, a razão de mortalidade materna voltou para 57,7, ficando novamente abaixo da meta dos ODS, que é reduzir a mortalidade materna menos de 70/100 mil nascidos vivos até 2030. Apenas o Norte ficou acima, com 82,0 mortes/100 mil nascidos vivos. Nessa região, em 2022, Amazonas (82,7 por 100 mil), Roraima (160,4), Pará (79,7), Amapá (80,8) e Tocantins (102,0) permaneceram acima da meta dos ODS.
Entre 2010 e 2022, houve queda de cerca de 10% no número de nascimentos, o que representou 300 mil a menos. Para os pesquisadores, a crise do zika vírus explica o decréscimo em 2016 e, após os números voltarem a crescer entre 2017 e 2018, houve retomada da trajetória de queda a partir de 2019, o que sugere redução da fecundidade. Apesar de o maior número de nascidos vivos por grupo de idade esteja com as mães de 20 a 29 anos (participação de 49,2% em 2022), houve queda de 16,6% entre 2010 e 2022. Por outro lado, cresceu o número de nascidos vivos cujas mães são mulheres entre 30 e 39 (734,5 mil para 879,5 mil em 12 anos ou crescimento de 19,7%) e 40 a 49 anos (63,0 mil para 106,1 mil nascimentos ou aumento de 65,7%) no mesmo período.
6,0% das mulheres sofreram alguma forma de violência de ex ou atual parceiro
A violência psicológica, física ou sexual sofrida pelas mulheres por ex ou atual parceiro íntimo foi abordada a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE. Em 2019, última edição da publicação (e com a limitação de se tratar apenas da principal violência nos últimos 12 meses), a proporção de mulheres com 18 anos ou mais que enfrentaram pelo menos uma dessas formas de agressão nos 12 meses que antecederam a entrevista foi de 6,0%. Essa proporção era maior entre o grupo de vítimas mais jovens e diminuía com o avançar da idade: 18 a 29 anos (9,2%); 30 a 49 anos (8,2%); 50 a 59 anos (4,1%) e 60 anos ou mais (2,2%). Entre as unidades da federação, os maiores percentuais foram registrados em Roraima (8,5%), Sergipe (8,4%) e Mato Grosso do Sul (8,2%).
As diferenças por cor ou raça também estão presentes: enquanto 5,7% das mulheres brancas entrevistadas relataram ter passado por uma dessas formas de violência, essa proporção era de 6,3% para as pretas e pardas. Outra desigualdade é evidente quando analisadas as taxas de homicídios dolosos a cada 100 mil mulheres pelo local de ocorrência.
“A maioria dos homicídios aconteceu fora dos domicílios. As taxas de homicídios que ocorreram dentro do domicílio se mantiveram estáveis e sem muita diferença para mulheres brancas e pretas ou pardas. Mas, quando se trata de homicídios ocorridos fora do domicílio, temos uma diferenciação maior por cor ou raça, com mulheres pretas ou pardas sendo mais vítimas do que mulheres brancas”, afirma a analista Joice Soares.
Em números absolutos, em 2021, fora do domicílio, foram registrados 681 homicídios dolosos de mulheres brancas e 1.835 de pretas ou pardas.
Considerando o grupo total de mulheres, houve queda da taxa de homicídios dolosos nos últimos anos. Em 2017, início da série histórica, era de 4,7 a cada 100 mil mulheres, caiu para 4,2 no ano seguinte, e entre 2019 e 2021, houve estabilidade (3,5 a cada 100 mil). “As reduções mais expressivas foram encontradas nas mortes ocorridas fora do domicílio. Isso pode indicar que a redução não necessariamente esteja atrelada à redução da violência doméstica, mas a fatores como a restrição de circulação nos espaços públicos, sobretudo nos anos relacionados à pandemia de Covid-19”, detalha Joice.
Representatividade feminina cresce, mas Brasil ainda está atrás da maioria dos países latino-americanos
A publicação destaca ainda que a garantia de igualdade no acesso às estruturas de poder e aos processos de tomada de decisão são metas tanto dos ODS quanto do CMIG. Para esse monitoramento, um dos indicadores usados é a proporção de cadeiras ocupadas por elas nas casas legislativas e no Poder Executivo. O estudo ressaltou o aumento de 14,8%, em setembro de 2020, para 17,9%, em novembro de 2023, na Câmara Federal. Apesar do crescimento, o país se encontra na 133ª posição de um ranking de 186 países e tinha posição inferior a vários países latino-americanos como o México, Argentina, Equador e Bolívia. No Brasil, as mulheres representam a maioria do eleitorado (52,7%).
Quando analisada a situação das Câmaras de Vereadores, em 2023, apenas 16,1% das cadeiras eram ocupadas por mulheres. A representatividade era menor no Sudeste (14,2% de vereadoras) e maior no Nordeste (16,9%). Já em relação ao cargo máximo do Poder Executivo local, as mulheres ocupavam 12,1% das prefeituras, em 2020, data da última eleição. A maioria (66,9%) era branca.
A luta pela igualdade de gênero é uma responsabilidade de todos. É preciso unir esforços para construir um futuro mais justo e igualitário para todos.
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