Por Igor Corrêa Pereira
A Copa do Mundo de 2022 acabou de acabar, mas um fato foi pouco comentado da Copa do Mundo ocorrida no Brasil em 2014. O pontapé inicial daquele evento foi dado por um garoto paraplégico que utilizou um exoesqueleto desenvolvido pela equipe do cientista Miguel Nicolelis. Esse fato que se desenrolou em pouco mais de 15 segundos foi a demonstração de que num futuro muito próximo pessoas com paralisia nos membros poderão andar de novo. E isso graças a uma tecnologia desenvolvida por brasileiros.
Fiz questão de relembrar esse fato pois ele foi soterrado por avalanche de notícias ruins envolvendo o próprio evento realizado no Brasil. O desfecho do desempenho trágico da seleção à época, que foi goleado inexplicavelmente pela Alemanha, reforçou a turbulência política e econômica do país. No mesmo ano, a presidenta Dilma se reelege em votação apertada e o seu adversário Aécio Neves contesta o resultado. O segundo turno não teria sido vencido por Dilma sem a expressiva votação que a petista obteve no Nordeste.
Anos antes desses eventos, em 2003, o mesmo cientista que criou o exoesqueleto do pontapé inicial da Copa 2014, decidiu criar no Nordeste, mais especificamente em Natal no Rio Grande do Norte, um Instituto Internacional de Neurociências. Uma escola experimental voltada para crianças, que procura utilizar o método científico para que crianças estudem Português, Matemática, Biologia e as demais matérias da educação básica. Ele descreve o projeto como um aeroporto. “No Brasil nós temos muitos Santos Dumont, mas não temos as condições para que esses talentos floresçam. Nós criamos pistas para que estes aviões possam decolar”, explicou Nicolelis em entrevista recente ao Flow Podcast.
Nessa entrevista, ao lamentar o encerramento do financiamento público de sua escola no governo Temer, Nicolelis disse que ali haviam rudimentos de um projeto de Nação. Ele avalia que nós não temos ainda uma Nação, talvez só sementes de um país. A escola era a tentativa de fazer germinar essa semente. Nos dez anos de funcionamento do Instituto, de doze a quinze mil crianças passaram pelos aeroportos de Nicolelis. Uma microrrevolução tendo como lema o método científico, nas palavras do cientista.
A ciência que criou o exoesqueleto capaz de fazer um paraplégico caminhar e desenvolveu um avião que até hoje é um dos principais meios de transporte do mundo, sugere o grande potencial do Brasil na área da inovação. Inovar em poucas palavras significa transformar conhecimento científico em produtos com valor agregado. Exige conexão, portanto, entre pesquisa e setor produtivo.
A operação lava-jato, que devastou a Petrobrás e a Odebrecht e culminou na derrubada de uma presidenta honesta, iniciou uma era de acelerada derrocada da indústria nacional. Nós perdemos 36 mil indústrias só entre 2015 e 2020, segundo denunciaram as centrais sindicais. Não por coincidência, neste mesmo período Temer interrompeu o financiamento do Instituto de Nicolelis. De lá para cá, a pesquisa e a ciência foram constantemente atacadas.
O governo que derrotou nas urnas esse processo de destruição, terá o desafio de rearticular o setor produtivo com a pesquisa. Precisamos criar ecossistemas de inovação. Para isso, além de maciço investimento público em pesquisa, é preciso induzir potenciais industriais brasileiros. A saúde é um de nossos principais potenciais, não é casual termos produzido um neurocientista da estatura de Miguel Nicolelis. Temos um robusto Sistema Único de Saúde, que precisa ser enxergado para além da capacidade hospitalar, mas como o motor de uma cadeia industrial da saúde. Durante o período agudo da COVID-19, UFRJ e USP produziram protótipos de respiradores mecânicos que puderam ser replicados em larga escala. Isso é inovação a serviço da vida. Um potencial que temos condições de desenvolver.
A Petrobrás, ainda viva apesar das investidas lavajatistas, pode retomar sua liderança energética, inclusive produzindo energia limpa. Outra potencialidade nacional, inovação a serviço da energia. Desde aquele chute dado por um paraplégico em 2014, sofremos tantas goleadas que nos esquecemos de nosso potencial. Ao chamar Pelé de rei pela primeira vez, o imortal Nelson Rodrigues escreveu que o então jovem de 17 anos Edson Arantes não tinha medo de qualquer seleção mundial, não tinha complexo de vira-latas. Pelé entortou centenas de zagueiros, fez mais de mil gols, mas nosso sentimento de inferioridade sempre retorna para sabotar nossas melhores potencialidades. Que em 2023, possamos recolocar a bola ao centro e voltar a apresentar nosso melhor futebol.
Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.
Alex
Muito bem, muito bom! À luta!