Apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro (à esq.), Rodrigo Pacheco e Arthur Lira (à direita) se elegeram na última segunda (1º) para comandar as casas legislativas – Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Recém-empossados, os novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), podem viver dificuldades na relação com o governo Bolsonaro naquilo que se refere à vacinação contra a covid-19.
É o que projeta o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), para quem a urgência da pauta tende a colocar os líderes do Congresso Nacional em rota de colisão com o presidente da República.
Apesar de ter afirmado na quarta-feira (3), durante a abertura do ano legislativo, que o governo estaria “preparado e estruturado em termos financeiros, organizacionais e logísticos” para executar o tão esperado plano de imunização, Bolsonaro apresenta um comportamento cambaleante diante do tema.
Conhecido pelo discurso negacionista em relação à ciência, o presidente tem dado acenos positivos à questão da vacinação somente aos trancos e diante de intensa pressão política, econômica e popular.
Apontada pelos especialistas como a única forma de barrar as mortes por covid de forma mais efetiva, a vacinação é defendida pela maior parte da população.
Uma pesquisa Datafolha do último dia 23 mostrou, por exemplo, que 79% dos brasileiros pretendem se imunizar contra o novo coronavírus. O percentual está acima do índice anterior registrado pelo instituto, no começo de dezembro, quando essa fatia era de 73%.
A adesão popular ao tema ajuda a endossar a atmosfera de ebulição que hoje circunda o Palácio do Planalto. No embalo da crise socioeconômica, agravada pela pandemia de coronavírus, setores do empresariado pressionam pela retomada do crescimento, inevitavelmente vinculado à normalização das atividades e, portanto, à vacinação.
É nesse ponto que a relação entre os novos presidentes das casas legislativas e Bolsonaro pode se tornar uma intersecção conflituosa no cenário político do Brasil.
Na quinta (5), por exemplo, o Senado aprovou a adesão do Brasil ao grupo da Covax Facility, consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) que reúne mais de 170 países e dá acesso a uma cartela de nove imunizantes atualmente em fase de elaboração, bem como a outras vacinas em estudo. Ao longo da pandemia, os congressistas já haviam dado outros sinais de divergências com o entendimento do presidente no que se refere à vacinação.
Em janeiro, por exemplo, as Frentes Parlamentares Brasil-China e Brasil-Brics endereçaram ao presidente do país oriental, Xi Jinping, um documento em que pediam uma interferência direta do líder na liberação do insumo chinês necessário à Fiocruz e ao Instituto Butantan para a produção da CoronaVac.
Articulada a contragosto da conduta do chefe do Executivo brasileiro, a iniciativa foi uma tentativa de amenizar os incêndios provocados pelas manifestações anti-China vindas do clã Bolsonaro.
O deputado Fausto Pinato (PP-SP), coordenador dos dois grupos, têm defendido, inclusive, a saída de Ernesto Araújo do cargo de ministro das Relações Exteriores, bem como outras mudanças que possam frear os rompantes ideológicos do governo – que prejudicam não só a diplomacia, mas a perspectiva de vacinação em massa e a economia.
“A democracia está em risco. Ninguém aguenta mais essa picuinha dos filhos do presidente. E o interesse da vacina, cadê? A China é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil”, disse Pinato no início de dezembro, por exemplo, em uma entrevista ao portal Jota.
Nos bastidores de Brasília, a expectativa de analistas políticos é de que as diferenças entre os dois poderes possam continuar dando o tom da relação nesse quesito da imunização.
“Vai ter confronto com o governo, não tenha dúvida. Se o governo não se colocar de maneira equilibrada nessa questão da pandemia, vai ter problemas no Congresso Nacional porque, [considerando] a média da Casa, só maluco pra ficar nessa posição do governo”, diz Marcos Verlaine.
Agenda econômica
Já a expectativa para a interação entre Lira, Pacheco e Bolsonaro na agenda econômica pode seguir outro rumo. De tendência neoliberal, os novos comandantes da Câmara e do Senado costumam se coadunar com muitos dos entendimentos do governo nesse universo.
A manutenção do ajuste fiscal, a reforma administrativa e a chamada “PEC Emergencial” (PEC 186/19), por exemplo, são alguns desses temas.
Baseadas no enxugamento da máquina pública, estas últimas têm adesão de uma parte dos parlamentares das duas casas, por exemplo.
Mas esse tipo de pauta pode não custar barato em termos de articulação política e barganhas, uma vez que conta com oposição de segmentos populares e precisa lidar com as características do chamado “centrão”, bloco majoritário do Congresso.
“Acho que a pauta econômica vai avançar com alguma dificuldade, com a demora que o processo de negociação exige, mas é difícil prever certas coisas porque o centrão é muito heterogêneo e o jogo tem muitos fatores. Amanhã pode estar todo mundo junto ou pode estar todo mundo separado”, comenta o analista político Leonel Cupertino.
“Tudo vai depender da boa vontade política dos dois, do Planalto e do Congresso. O centrão irá cobrar a sua fatura e teremos um toma-lá-da-cá de novo, o que pode até ser questionável do ponto de vista moral, mas costuma funcionar bem na política brasileira”, assinala Cupertino.
Auxílio emergencial
Reclamado por diferentes setores populares e também empresariais, o auxílio emergencial, por exemplo, é visto como um dos destaques deste primeiro semestre legislativo.
Com a pandemia em ascensão e a economia em frangalhos, o discurso de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que não seria possível manter equilíbrio fiscal com renovação da política se torna mais alvejado a cada dia.
Diante do fim do auxílio, o coro em torno da necessidade de renovação do benefício se amplificou nas últimas semanas, tornando-se ainda mais incômodo aos ouvidos da gestão.
Não só a oposição – defensora primeira da pauta –, mas segmentos da própria direita liberal defendem a imediata renovação da política, assim como ocorreu na época da aprovação dos valores, em 2020.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse, nesta quinta (4), que os Ministérios da Cidadania e da Economia estariam avaliando o tema. O mantra do ajuste fiscal, no entanto, prevalece: segundo o parlamentar, a proposta passará em caso de “adequação harmônica” ao orçamento.
A declaração contrasta com o que setores populares vêm defendendo. Tais segmentos pedem a revisão do teto de gastos, que limita gastos sociais e outros investimentos durante 20 anos, para atender a demandas como a do auxilio emergencial.
“A toda hora eles fazem questão de reforçar que esse é o compromisso que eles têm. Se você for pensar na dinâmica do próprio parlamento e no poder que os dois presidentes [da Câmara e do Senado] têm, acho que nos próximos dois anos vamos ter muito problema com políticas públicas que nós construímos ”, projeta José Antonio Moroni, da campanha “Renda Básica que Queremos”, que reúne 270 organizações civis.
Integrante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), uma das entidades da campanha, Moroni acredita que a tendência do Congresso seja a de remanejamento de recursos de algumas políticas para outras, e não de continuidade do auxílio de R$ 600 – que, nos últimos meses de 2020, foi rebaixado a um valor de R$ 200.
“Vai ser aquela velha história de que o ‘cobertor é curto’, e aí eles tiram um cobertor do pobre pra dar outra outro pobre. Mas nem por isso nós desistimos dessa pauta, que seguirá de pé em termos de mobilização social”, afirma.
Fonte: Brasil de Fato