PUBLICADO EM 11 de jun de 2021
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Um deserto chamado Brasil?; por Frei Betto

O Brasil dispõe de legislação adequada à preservação ambiental. Falta é vontade política, a começar do ministro Ricardo Salles, denunciado pelo STF como contrabandista de madeira ilegal.

Foto: Nasa

Por Frei Betto

A data de 5 de junho comemora o Dia Mundial da Ecologia e do Meio Ambiente. O que celebrar em nosso país se, em 2019, foram desmatados no Brasil 1.218.708 hectares (12.187 km²), sendo que 63% na Amazônia, segundo o Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas 2020.

É considerado desmatamento a supressão total ou quase total da vegetação nativa. Portanto, o conceito não inclui derrubada de árvores isoladas ou queimadas para aberturas de roças.

A Amazônia Legal perdeu 64 km² de área de florestas entre março de 2020 e março de 2021 – aumento de 156%. Principais causas: impunidade aos crimes ambientais, abertura de pastos, extração de madeira, mineração, garimpo e grilagem ilegais em terras do poder público.

Menos de 1% das áreas desmatadas na Amazônia, entre 2005 e 2018, foram punidas com multas, ações civis públicas e embargos (Ibama, 2018). A maior taxa de desmatamento foi em grandes fazendas (77%) e a menor (3,6%), em terras indígenas. Isso comprova que os povos originários preservam a floresta e suas áreas demarcadas favorecem a preservação ambiental.

Dados divulgados pelo Inpe no último dia de maio revelam que aquele mês teve o pior índice de focos de calor na Amazônia e no Cerrado, desde 2007. Os satélites detectaram 1.186 focos de calor na Amazônia, aumento de 40,6% em relação a 2020. No Cerrado foram 2.649 focos, alta de 78,8% em relação a 2020.

Enquanto o rio Negro bate recorde de inundação em Manaus, o Centro-Oeste e Sudeste sofrem falta de chuvas, que deixam os reservatórios com metade da média histórica de volume d’agua para o período, ameaçando até o fornecimento de energia. Tudo isso evidencia, cada vez mais, a crise climática e a violência contra os povos indígenas, com ataques a tiros e casas queimadas em diferentes territórios. Enquanto isso, em Brasília, o Congresso se apressa para tentar “passar a boiada”, como os Projetos de Lei 191/2020 e 490/2007, que irão aumentar ainda mais o desmatamento e a violência contra os povos indígenas.

O bioma mais devastado do país, contudo, tem sido a Mata Atlântica, segundo pesquisa da Fundação SOS Mata Atlântica/Inpe. Ela se estende por 17 estados, abriga 145 milhões de pessoas e 80% da economia nacional. Entre 2019 e 2020, perdeu o equivalente a 18 mil campos de futebol (13.053ha) – áreas desmatadas para a produção agropecuária em MG, BA, PR, SC e MS. Motosserras puseram abaixo grandes jequitibás, cedros e ipês. A especulação imobiliária aumentou o desmatamento, sobretudo no litoral de SP e RJ. Hoje, restam apenas 12,4% da sua cobertura original.

O limite mínimo para a conservação de um bioma é de 30%, de modo que ele assegure serviços ecossistêmicos como abastecimento de água e polinização de espécies. Portanto, a Mata Atlântica está condenada à autodegradação. E quem mora em São ou Rio de Janeiro já experimentou a severa escassez de água, pois o desmatamento seca os mananciais e evita as chuvas.

O Brasil dispõe de legislação adequada à preservação ambiental. Falta é vontade política, a começar do ministro Ricardo Salles, denunciado pelo STF como contrabandista de madeira ilegal. Em abril de 2020, ele concedeu anistia a proprietários rurais que destruíram áreas frágeis da Mata Atlântica. Mas foi obrigado a recuar pelo Ministério Público Federal. E nos dois primeiros anos de sua gestão o desmatamento em áreas de conservação cresceu 62%. No governo Bolsonaro foram desmatados na Amazônia 21 mil km², o equivalente a toda a área que, pela Via Dutra, une o Rio a São Paulo, incluindo os perímetros urbanos.

Mesmo tão devastada, a Mata Atlântica abriga mais de 1.300 espécies de animais, 20 mil espécies de plantas e contém a maior diversidade de árvores por hectare no mundo.

Artigo da revista “Nature”, de outubro de 2020, frisa que a recuperação de 15% de sua área desmatada seria suficiente para evitar a extinção de 60% das espécies ameaçadas no planeta e absorver 30% do carbono acumulado na atmosfera desde a Revolução Industrial.

Pesquisa de 2020 dos economistas Humberto Laudares e Pedro Henrique Gagliardi demonstra que há estreita relação entre o desmatamento e o aumento de infectados por Covid-19 entre os povos indígenas. A mineração ilegal, as queimadas criminosas e a invasão dos grileiros cresceram nas reservas indígenas da Amazônia. Cada quilômetro quadrado de desmatamento implica em aumento de 9,5% de novos casos de Covid-19.

É bom lembrar que o deserto do Saara, no norte da África, hoje árido, quente, inóspito, foi há séculos uma região de florestas com lagos e muita chuva. Caso os brasileiros não deem ouvidos aos gritos de Gaia e deixem “a boiada passar”, nosso território corre o risco de, no futuro, se transformar também em um imenso deserto. É este o futuro que desejamos entregar às próximas gerações?

Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “A obra do artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. Livraria Virtual: freibetto.org/livraria.

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