A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) do Tribunal Superior do Trabalho iniciou, nesta quinta-feira (6), a análise de dois casos em que se discute o reconhecimento de vínculo de emprego entre motoristas de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda.
Após o voto da relatora de um dos processos, ministra Maria Cristina Peduzzi, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga sugeriu a remessa ao Tribunal Pleno para que seja julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, com a fixação de tese vinculante sobre o tema. Em seguida, o julgamento foi suspenso com pedido de vista do ministro Cláudio Brandão.
Dados estatísticos do TST apontam que, desde 2019, 496 processos começaram a tramitar na Corte envolvendo empresas de mobilidade que oferecem prestação de serviços por meio de aplicativos (99, Cabify, iFood, Loggi, Rappi e Uber). Desses, 342 pedem reconhecimento de relação de emprego. Somente da Uber, são 177, dos quais 113 relacionados a vínculo empregatício.
Os dois recursos em discussão são embargos contra decisões divergentes da Terceira Turma – que reconheceu o vínculo de emprego de um motorista de Queimados (RJ) – e da Quinta Turma – que entendeu que não há relação de emprego entre um condutor de Guarulhos (SP) e a empresa.
Premissas distintas
Em seu voto, a ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora do processo oriundo da Terceira Turma, acolheu os argumentos de ordem processual da empresa de que a Turma teria usado, ao reconhecer o vínculo, premissas distintas das expressas na decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.
Segundo ela, o TRT assinalou expressamente que o motorista tinha plena autonomia para definir os dias e os horários de trabalho e descanso e a quantidade de corridas e que não recebia ordens nem precisava prestar relatórios de seu trabalho à Uber. No entanto, a Terceira Turma adotou, como fundamentos, que a empresa exigia que o condutor ficasse conectado à plataforma digital e exercia “intenso controle sobre o trabalho prestado e a observância de suas diretrizes”.
Desafios à legislação trabalhista
“Não há que se cogitar em subordinação entre trabalhador e plataforma digital”, disse a ministra em seu voto. No seu entendimento, o vínculo de emprego não pode ser caracterizado porque o trabalho desempenhado pelas plataformas digitais não cumpre os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT.
Maria Cristina Peduzzi reconheceu que, na era digital, “a legislação trabalhista enfrenta um de seus maiores desafios”. Na chamada economia sob demanda, vários trabalhadores sem vínculo de emprego ou contrato formal ofertam serviços pela internet, em contato direto com o consumidor. “Considerando o tipo de plataforma virtual utilizada para aproximar clientes e trabalhadores, é possível verificar nas novas formas de produção e organização do trabalho algumas vantagens que o modelo tradicional da relação de emprego regida pela CLT não é capaz de proporcionar”, diz.
Uma das características dessa realidade, a seu ver, é a autonomia do trabalhador, que “tem liberdade para escolher em quais demandas deseja investir seu tempo e suas habilidades e quais serviços deseja realizar”. Já nas relações de emprego formal, “o empregado se sujeita a prestar os serviços a que estiver contratualmente obrigado, não havendo margem para recusar uma tarefa”.
Segurança
Ao propor a necessidade de que seja firmada, no TST, tese vinculante sobre a questão, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga apontou a complexidade e a existência de vários recursos que tratam do tema. Propôs, para isso, que o Pleno do TST se manifeste por meio de Incidente de Recurso Repetitivo.
Ele destacou que há mais de cinco milhões de prestadores vinculados à plataforma e que não existe, no Brasil, “legislação específica que permita ao julgador analisar com segurança o tema”. Ressaltou, também, que há entendimentos diversos, em outros países, sobre se trabalhadores de plataformas digitais são ou não empregados, o que requer análise pela Corte.
Judicialização
De acordo com o ministro, a questão maior que vem sendo trazida à Justiça do Trabalho exige uma reflexão acima da questão de fato. “Trata-se de relação jurídica entre o motorista e a plataforma digital, sistema novo que evoluiu mundo afora numa nova modalidade de prestação de serviços e que alcança toda essa gama de trabalhadores em face de uma mesma relação jurídica, atípica, mas que não pode deixar de ser objeto de um posicionamento firme da Corte Superior”, ponderou.
O ministro chamou a atenção para a relevância da decisão da Corte, diante do grande número de processos que têm, como partes, as empresas Uber e 99, ambas de transporte de passageiros por meio de aplicativos. Segundo ele, a definição sobre a natureza da relação apenas nos dois casos concretos pode aumentar ainda mais a judicialização da matéria.
Pedido de vista
A ministra Maria Cristina Peduzzi foi favorável à proposta do ministro Aloysio Corrêa da Veiga. “Diante dos recursos que tramitam nesta Corte, é relevante definir qual a disciplina jurídica para um universo de trabalhadores”, disse ela. Assim, votou pela remessa ao Pleno dos embargos contra a decisão da Terceira Turma, como paradigma, e o sobrestamento do segundo processo em pauta.
A proposição voltará à pauta da SDI-I após retorno da vista regimental do ministro Cláudio Brandão.