“Fiz um trampo de ficção que, entre uma diária e outra, foram apenas 8 horas de descanso, e no fechamento não computaram as horas extras. Quando questionei, a produção disse que não ia pagar e eles alegaram que as horas não eram devidas pois, ao aceitar o trabalho, eu tinha conhecimento de que as 12 horas de descanso não seriam cumpridas.”
Depoimentos como este têm sido cada vez mais recorrentes no meio audiovisual. Trabalhadores com excessiva carga de trabalho, atrasos nos salários, assédio e desrespeito a direitos trabalhistas.
Para dar voz a esse tipo de denúncia, foi criado o perfil BrCrewStories no Instagram, baseado na conta Iatse_stories, que também denuncia abusos na indústria cinematográfica dos Estados Unidos, país de maior produção audiovisual do mundo.
Trabalhadores da área e produtores culturais analisam que diante do ataque do atual governo federal, com o esvaziamento de políticas de incentivo, a desregulamentação de leis trabalhistas e a desorganização do setor, a exploração de trabalhadores tem se tornado mais evidente numa indústria que chegou a representar 0,5% do PIB antes da pandemia, superando, por exemplo, a indústria têxtil e farmacêutica.
A reportagem do Brasil de Fato Paraná conversou com a idealizadora da página BrCrewStories. Sob anonimato, ela relata que há um “profundo medo das pessoas na área de relatar as irregularidades a que estão sujeitas, por medo de retaliação e ficarem sem emprego”. A ideia de criar um espaço seguro de trabalhador para trabalhador escancara, segundo ela, a “crueldade de um mercado que é alimentado pelas vivências de técnicas e técnicos, as maiores vítimas dessa estrutura.”
A página, atualmente, tem mais de 200 relatos para serem divulgados. São denúncias que vão de assédio moral e sexual, racismo a atrasos de pagamentos. A responsável destaca também a importância dos trabalhadores se sindicalizarem. “Nossa categoria sofre de uma desorganização histórica e uma representação sindical frágil e com pouca estrutura. Um de nossos objetivos é incentivar que os trabalhadores entrem para as associações e construam uma luta sindical”, diz a idealizadora.
Um dos sindicatos de trabalhadores da área, o Sindcine, dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal, lançou na última semana campanha em defesa da melhoria das jornadas, denominada #JornadaJusta, na defesa de uma jornada de 10 horas para cinco dias de trabalho, tempo que é desrespeitado cotidianamente.
Em 1º de dezembro, assembleia nacional da categoria foi organizada e tirou um calendário de lutas e reivindicações. A presidente do Sindicine, Sonia Santana, destacou a importância do evento. “Iremos apresentar nossas reivindicações aos contratantes e patronais. Foram mais de 1.800 pessoas na sala. É importante os trabalhadores se sindicalizarem e tirarem sua DRT.”
Regulamentação
Para o pesquisador em Produção Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Alexandre Rafael, há necessidade de regulamentação. “É necessária uma regulação das leis trabalhistas, com uma jornada justa. Os governos Lula e Requião fomentaram muito a abertura de cursos superiores na área. Não falta formação de mão de obra, só que a demanda está muito concentrada, e a produção é feita em escala industrial”, explica.
Manoel Neto, especialista em relações de trabalho na Cultura, destaca que o setor tem sido hostil aos trabalhadores. “Há relatos até de pagamentos por nota fria, uma espécie de rachadinha. Esse processo ocorre também pelo enfraquecimento do setor com a paralisação do financiamento estatal feito por Bolsonaro e Temer.”
Gustavo Guimarães, produtor e roteirista, cita que o avanço de empresas multinacionais no mercado de streaming também enfraqueceu as produções nacionais. “Nosso setor foi destruído pelo atual governo por pura ideologia e ignorância. Se esses caras soubessem o papel da indústria audiovisual… O setor envolve tudo que é criatividade, comunicação, turismo, gastronomia, é gigantesco. É algo próximo de 3% do PIB, mas se você pensar em toda a cadeia produtiva, a gente fala de 18%”, afirma.
Fonte: BdF Paraná