PUBLICADO EM 08 de abr de 2019
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Terceirizados fazem 7 de cada 10 greves do setor privado

Os trabalhadores terceirizados de serviços foram responsáveis por 70% das greves do setor privado no ano passado, quando as paralisações realizadas no país caíram 7%, apontam dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Os terceirizados têm ganhado protagonismo nas mobilizações desde 2013, numa mudança em relação ao período anterior, quando empregados da indústria do Sudeste, de forte tradição sindical, eram os principais atores dos movimentos paredistas.

No ano passado, foram realizadas 1.453 greves no Brasil, ante 1.568 paralisações de 2017, segundo o “Balanço das greves de 2018” do Dieese, antecipado com exclusividade ao Valor. Este foi o segundo ano seguido de retração no número de greves realizadas, após um pico de 2.114 em 2016.

“Os principais fatores para essa queda são o desemprego e a diminuição da formalização”, diz Rodrigo Linhares, técnico de Dieese e responsável pelo levantamento. “O avanço do desemprego produz uma insegurança no trabalhador na hora de ponderar sobre fazer greve ou não. Com o mercado de trabalho aquecido, a decisão de paralisar atividades é mais fácil”, completa.

Das greves de 2018, 791 foram realizadas na esfera pública, 655, na esfera privada, e 7 envolveram os setores público e privado conjuntamente. No setor privado, 459 greves foram realizadas por trabalhadores de categorias tipicamente terceirizadas (vigilância e limpeza), ou de empresas privadas concessionárias de serviços públicos (transporte coletivo e entidades privadas da saúde), representando 70% das mobilizações do setor privado e 32% do total de paralisações do ano.

A participação dessas categorias no total de greves do setor privado atingiu a mínima recente em 2012, quando representaram 25% do total. De 2013 em diante, os terceirizadas ganharam ano a ano espaço na mobilização da esfera privada, superando os 60% em 2015 e chegando a um pico de 74% em 2017, apesar de serem trabalhadores de organização sindical mais frágil e mobilização mais difícil.

Segundo Linhares, esse crescimento está relacionado à piora da situação econômica do país e também à precariedade a que estão sujeitos os trabalhadores nesse tipo de contratação. “Uma empresa em dificuldades, antes de atrasar o salário dos próprios funcionários, prefere atrasar o pagamento à empresa terceirizada, considerada mais uma entre outros fornecedores”, diz o técnico.

Isso também acontece na contratação de empresas privadas como concessionárias de serviços públicos, afirma. “O Estado, antes de atrasar o pagamento dos servidores públicos, deixa de fazer os repasses definidos em contrato às empresas de vigilância privadas, ou às organizações sociais que atuam na saúde. Sem os repasses, as empresas deixam de pagar os salários. Num ambiente de dificuldades nas finanças públicas, esses trabalhadores são os primeiros atingidos.”

Foi o que aconteceu, por exemplo, no Hospital da Polícia Militar do Piauí, em Teresina. Na última semana de março, com ao menos quatro meses de salários em atraso, os trabalhadores de três empresas prestadoras de serviços do hospital cruzaram os braços. “Estavam pagando só o tíquete-alimentação e o vale-transporte. Tive de vender meu tíquete para pagar as contas de água e luz em casa”, conta Elindiomar da Costa, agente de portaria que participou da mobilização.

O protesto envolveu 82 trabalhadores terceirizados, em sua maioria da limpeza, portaria, maqueiros e de atendimento. Durou apenas um dia e, no dia seguinte, o pagamento foi regularizado. Costa, porém, foi demitido, segundo ele, por causa de sua participação na mobilização.

Trabalhando há 20 anos como terceirizado, o ex-funcionário conta que aquela foi sua primeira greve. “Estou chateado. A gente não pode ter voz, não pode reclamar”, lamenta. Ele diz que agora pensaria duas vezes antes de participar novamente de uma paralisação. “Mas, se chegasse a uma situação como essa, de quatro meses de atraso de salário, eu participaria, pois estaria lutando pelo meu direito”, afirma.

Procurado, o secretário de Administração do governo do Piauí, Ricardo Pontes, confirma que os pagamentos foram retomados. Segundo ele, o atraso se deveu à redução de receitas em relação às despesas do Estado e ao déficit acumulado de anos anteriores. “Estamos priorizando a folha estadual, visando manter em dia os pagamentos”, afirma Pontes. “Trabalhamos para em 2019 sanar essas pendências e garantir equilíbrio financeiro, mas não está nada fácil”, acrescenta.

O atraso de salário, férias, 13º ou de vale salarial foi a principal reivindicação das greves nos serviços privados em 2018, presentes em 318 de 490 greves, ou 65% do total. Em seguida, estão pautas ligadas a alimentação, transporte e assistência médica, presentes em 26% das greves do setor de serviços, e o reajuste salarial, com 13% de participação.

O sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, concorda com a avaliação de que o aumento da participação dos terceirizados nas greves está relacionado à crise e às condições a que estão sujeitos esses trabalhadores. “Há uma tendência de a empresa terceirizada ter mais dificuldade de manter a regularidade de pagamentos e benefícios”, diz, lembrando que esses trabalhadores também têm maior probabilidade de serem demitidos, devido ao vencimento de contratos das empresas.

Pastore avalia, no entanto, que a terceirização é de maneira geral positiva para a economia. Segundo ele, essa possibilidade de contratação permite uma maior geração de empregos e redução no preço final de produtos e serviços, devido à diminuição de custos das empresas, que com isso ganham competitividade. Ele também pondera que nem todos os trabalhadores de limpeza e vigilância são terceirizados, como considerado no levantamento do Dieese, embora avalie que há de fato uma predominância dessa forma de contratação entre essas categorias.

Além da mudança de protagonismo das mobilizações, o Sistema de Acompanhamento de Greves do Dieese aponta outra alteração nos movimentos paredistas em anos recentes. As paralisações, que tendiam a ser dominadas por reivindicações propositivas até 2012, daquele ano em diante, passam a contar crescentemente também com pautas defensivas – pela manutenção de condições vigentes e contra o descumprimento de direitos.

O ano de 2012 também marcou uma mudança de patamar no número de greves, saindo de 555 em 2011, para 879 em 2012 e cerca de 2 mil por ano entre 2013 e 2016. Linhares avalia, porém, que o crescente caráter defensivo das mobilizações tem características distintas até 2014 e de 2015 em diante.

“Uma coisa é quando a greve é defensiva, ali no primeiro estágio, porque o trabalhador se sente fortalecido no processo de negociação e passa a denunciar descumprimentos históricos de direitos. É uma espécie de ‘aspecto civilizatório’ da greve”, diz o técnico. “Mas essa pauta defensiva num segundo momento é diferente, ela diz respeito menos a condições estruturais e mais a urgências, como a greve contra o atraso de salários”, exemplifica.

Para Linhares, ainda não é possível dizer se a queda no número de greves nos últimos dois anos representa uma tendência ou se as paralisações podem voltar a crescer em 2019. Por um lado, diz ele, o desemprego ainda elevado e a menor formalização, além do corte bruto do financiamento sindical após a reforma trabalhista, podem reduzir as mobilizações de trabalhadores do setor privado. Entre os servidores públicos, por outro lado, a crise fiscal de governo federal, Estados e municípios tem servido de incentivo à deflagração de greves.

Fonte: Valor Econômico

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