Para a cientista política e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rosemary Segurado, cabe às organizações da sociedade civil reagir ao aumento da violência política. “A sociedade civil precisa dar uma resposta e dizer que não aceita um processo eleitoral pautado na violência e no medo. E principalmente, ressaltar que as lideranças políticas que fomentarem esse tipo de violência, serão enquadradas no rigor da lei. Ninguém pode fazer isso, seja o presidente ou seja quem for”, afirma.
Rosemary cita especificamente o atual estímulo à violência por parte de Bolsonaro, ressaltando que é um tipo de discurso que tem ressonância entre os seus apoiadores, principalmente os mais radicais. O que preocupa, segundo ela, é que uma parcela deles está cada vez mais armada, outro fator inédito dessas eleições.
Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado no final de junho, mostram que atualmente existem muito mais armas nas mãos de particulares do que da polícia. Número que cresceu com a ascensão de Bolsonaro. Em 2021, das 1.490.323 armas de fogo com registro ativo, apenas 384.685 estão ligadas a órgãos públicos, como as polícias civis, federal, rodoviária federal e guardas municipais.
À reportagem da RBA, a pesquisadora lembra que as instituições da República, em especial o Judiciário e as forças de segurança, têm obrigação de garantir a tranquilidade durante as eleições. No entanto, não são poucos os juízes e policiais que aderiram ao bolsonarismo, elevando a temperatura da violência política.
Nesse sentido, ela afirma que partidos de todo o espectro político e instituições que representam os trabalhadores, empresários, diversos seguimentos profissionais e religiosos – como as tradicionais Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por exemplo – devem se unir em defesa da democracia.
Estímulo ao ódio
As eleições de outubro deste ano devem ocorrer sob a marca do ineditismo. Pela primeira vez, um ex-presidente – Luiz Inácio Lula da Silva –, que encerrou seu mandato com 83% de aprovação é o principal concorrente do atual ocupante do Palácio do Planalto. Jair Bolsonaro também é o primeiro candidato à reeleição que não é favorito, de acordo com as pesquisas.
E é em função dessa probabilidade cada vez maior que Bolsonaro atenta contra as instituições democráticas, ameaçando um golpe com o apoio de setores das Forças Armadas. Num clima de tensão nunca antes visto, o presidente eleva a temperatura, com declarações violentas contra seus principais opositores.
Se nas eleições anteriores, Bolsonaro prometia “metralhar a petralhada”, mais recentemente voltou a usar termos que remetem ao seu passado como capitão de artilharia do Exército. “Agora tá todo mundo reunido ao lado do ‘nine’ (referência a Lula) para organizar a campanha dos caras, pô. A vantagem que a gente tá vendo nisso tudo, que tudo que não presta tá se juntando”, afirmou o presidente, em 14 de maio, durante discurso na na Apas Show, da Associação Paulista de Supermercados, em São Paulo.
Dirigindo-se ao seu ministro da Economia, emendou: “Igual, Paulo Guedes, em 2018, quando juntou aquele montão de candidatos, e eu falei: ‘É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo’”, disse.
Menos de dois meses depois, não “um tiro só”, mas dois, tiraram a vida do guarda municipal Marcelo Arruda. O militante petista foi morto pelo bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, durante a sua festa de 50 anos, que tinha como tema o ex-presidente Lula. A polícia paranaense, no entanto, “concluiu” não se tratar de um crime motivado por violência política.
Escalada
A sociedade ainda se recuperava do choque da morte de Arruda, quando mais um episódio de violência política voltou a acontecer neste fim de semana. O deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ), o mesmo que quebrou a placa em homenagem a Marielle Franco em 2018, e um grupo de apoiadores armados tentaram impedir a realização de uma caminhada do pré-candidato ao governo do Rio Marcelo Freixo (PSB-RJ).
“Pedi a Freixo que fosse embora”, relatou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em entrevista ao portal Uol. Ela afirmou que esse tipo de ação violenta tem dois objetivos. Primeiro, criar “caos e medo”. Desse modo, as pessoas passariam a temer se manifestar politicamente. Depois, utilizar esse “caos” para uma “tragédia ainda maior”, deixando a entender que o próximo tiro pode ser na democracia.
O delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva comparou o grupo de Amorim às “tropas de assalto” da Alemanha Nazista. Saraiva foi exonerado do cargo de superintendente da Amazônia após denunciar o maior esquema de tráfico de madeiras da história do país, com envolvimento do ex-ministro Ricardo Salles.
‘Corpo mole’
Além do contágio das instituições pelo bolsonarismo, Rosemary alerta para um grau de “leniência” com os abusos do presidente que também contamina o Judiciário. Como exemplo, ela cita a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado que, apesar de reconhecer que houve abuso de poder econômico nos disparos em massa de desinformação durante as eleições de 2018, acabou negando o pedido de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. “Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado”, disse o ministro Alexandre de Moraes, na ocasião.
“É inadmissível porque a lei é a lei, a regra é a regra. Então eu acho que mesmo que não sejam exatamente partidários do ideário do presidente, acabam fazendo o seu jogo político, um certo corpo mole. Isso é gravíssimo”, afirmou a analista.
Do mesmo modo, ela citou os mais recentes ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, como ficou evidente ontem, na reunião com embaixadores. E cobrou reação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE. “Se as instituições nada fizerem, podem até não serem bolsonaristas propriamente, mas estarão prevaricando.
Minha solidariedade a @MarceloFreixo e todos que estavam com ele. A situação lembra as ações das SA's (Sturmabteilung) do partido nazista que, através da intimidação de adversários políticos, foram decisivas na ascensão de Hitler entre 1930 e 1933. https://t.co/xuHnsUOglv
— Alexandre Saraiva (@DelegadoSaraiva) July 17, 2022
Números da violência política
De acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), os casos cresceram 335% no Brasil, nos últimos três anos. Entre janeiro de 2019 e junho deste ano, os pesquisadores registraram 1.209 casos. Eles incluem ameaças, homicídios, atentados, homicídios de familiares, sequestros e sequestro de familiares de lideranças políticas.
Entre abril e junho de 2022, foram registrados 101 casos, o trimestre mais violento na comparação com o mesmo período em 2020 e 2021. As ameaças são o tipo de violência mais frequente. No entanto, somente neste ano, 45 lideranças foram assinadas.
“No fundo é a expressão da intolerância política, da intolerância à diferença. O que é um problema gravíssimo pra uma sociedade democrática”, avaliou Rosemary Segurado. “Uma democracia em que contrários não conseguem dialogar, mesmo que com posições completamente antagônicas, é uma algo bastante preocupante. E é o que temos visto no Brasil, nos últimos anos, não somente nesse momento eleitoral”, alertou.
Fonte: Rede Brasil Atual