Durante muito tempo, o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, foi tratado aqui no Brasil como um momento em que era preciso tomar uma única providência: dar flores para as homenageadas. E é difícil precisar exatamente quando é que foi ficando evidente que aquilo já não seria suficiente, que o prêmio de consolação já não nos consolava. Porque queríamos mais do que ganhar flores: queríamos ser nós mesmas a coisa viva capaz de florescer.
Não tem sido fácil. Devemos lembrar, por exemplo, que este é um país onde os direitos reprodutivos das mulheres são desprezados e atacados, enquanto se naturalizaram práticas de abandono paterno em massa. E onde o trabalho doméstico quase nunca é dividido de forma equilibrada. Assim, tantas vezes encolhidas no espaço doméstico e nos exaurindo por cuidar sozinhas de filhos e avós, como é que ainda pode nos sobrar tempo para colocarmos a cara para fora? Empurradas assim para os trabalhos mais precarizados, como reconhecer nossas afinidades e nos unir em alguma luta comum? E sendo negras e pobres, ainda mais, que chances temos tido de levantar a voz para sermos de fato ouvidas e reconhecidas?
Da mesma forma, o Brasil também permanece sendo um dos países do mundo com maiores índices de violência contra mulheres, e não por acaso também um país com uma das mais baixas taxas de representação das mulheres na política. E mesmo quando enfim alguma de nós chega aos espaços de poder, sabemos bem que há sempre todo um arsenal de palavras e ações pra nos sabotar e intimidar. Porque somos muito jovens ou muito velhas, porque somos gordas ou meros rostinhos bonitos. Porque somos burras ou mandonas, histéricas ou vagabundas. Sabemos que há sempre um ataque covarde pronto pra se dirigir contra nós, sempre uma mentira bizarra que é fácil demais de ser espalhada. Porque temos tido um chão fértil pra isso, afinal: vem de cima o exemplo de que mulheres devem servir só como adornos ou sombras de seus maridos, e mesmo quando entram para política não podem passar de fantoches nas mãos de seus padrinhos e patrões.
Tantas vezes acuadas e com medo, então, e tantas vezes impedidas de ver dois passos além, como podemos erguer nossas vozes e fazê-las ecoar no espaço público? Como fazer isso sem sermos paralisadas pela lembrança de que podemos levar tiros no rosto exatamente quando mais ousamos nos mostrar? Como fazer isso quando há milícias e robôs de todo tipo perseguindo e caluniando quem ainda projeta a própria voz como uma faísca capaz de acender o desejo e a esperança em tantas de nós? Como continuar lutando contra toda forma de exílio que tem nos mantido ainda distantes demais da vida pública?
E como não continuar? E como desistir, se justamente cuidar da vida e do amor tem sido uma marca tão central em nossa experiência histórica sobre a terra, e nossa prática tão diária tão potente? Sem chance. Pois é isto, e que seja então assim: vamos seguir em frente.
partidA (coletivo feminista que tem entre suas fundadoras Márcia Tiburi, Marielle Franco e Nilcea Freire)