PUBLICADO EM 31 de ago de 2021

Sob Bolsonaro, 49 toneladas de ouro produzido ilegalmente são vendidas no país em dois anos

Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que 28% do metal produzido tem evidências de ilegalidades

Impacto do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami – Daria Kopenawa

As ilegalidades na produção brasileira não se limitam ao cultivo de soja em regiões desmatadas ilegalmente ou à pecuária em áreas de proteção ambiental, mas afetam também a mineração. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que pelo menos 28% do ouro produzido no Brasil em apenas dois anos, e vendido com certificado da Agência Nacional de Mineração (ANM), tem evidências de ilegalidade.

“Na Amazônia, as evidências são ainda mais graves. 90% da produção aurífera ilegal do Brasil provem de lavras garimpeiras na Amazônia”, afirma Raoni Rajão, que coordenou o estudo intitulado Legalidade da produção de ouro no Brasil, uma parceria com o Ministério Público Federal (MPF).”

Segundo os pesquisadores, nos anos de 2019 e 2020, 174 toneladas de ouro foram negociadas. Desse total, 38% vieram de origem desconhecida, 28% foram identificadas como irregulares (ilegais ou potencialmente ilegais), e 34% aparentemente tiveram origem legal.

O estudo evidencia a falta de fiscalização e controle da cadeia de produção aurífera no Brasil, e vincula desmatamento e violações de Terras Indígenas (TIs) à produção ilegal de ouro.

Segundo a pesquisa, 21 mil hectares de Floresta Amazônica foram desmatados para mineração entre 2019 e 2020, sendo a grande maioria no estado do Pará. Desses 21 mil desmatados, ao menos 5 mil hectares ocorreram em terras indígenas homologadas, ameaçando assim os povos originários que vivem na Amazônia, como os Kayapó, Yanomami e Munduruku.

A produção de ouro segue caminhos já observados num estudo anterior feito pela equipe: “Nós já tínhamos feito um outro estudo, publicado na revista Science, The rotten apples of Brazil’s agribusiness [As maçãs podres do agronegócio brasileiro], que foi exatamente uma tentativa exitosa de sair da análise sobre desmatamento e ilegalidade na produção agrícola no nível de município e chegar no nível de transações individuais”, diz Rajão, que é professor associado de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Departamento de Engenharia de Produção da UFMG.

Seguindo a mesma lógica, o novo estudo se concentrou agora na produção e rastreabilidade de ouro no Brasil. “Como no estudo anterior, em que o primeiro passo foi distinguir desmatamento legal e ilegal, fizemos o mesmo com a cadeia do ouro, neste caso em colaboração com o Ministério Público Federal, que já tem uma série de investigações em andamento sobre a questão do ouro ilegal”, afirma o pesquisador, em entrevista à DW Brasil.

Cruzamento de dados com imagens de satélite

Como base para a análise, foram usadas as 17.500 transações de venda de ouro realizadas em 2019 e 2020, registradas na Agência Nacional de Mineração, totalizando 174 toneladas de ouro.

“O que chamou a atenção foi que 38% da produção de ouro não tinha uma localização específica nos mapas da ANM, sendo que é obrigatório ter a localização”, afirma Rajão. Mas como a maioria dessas ausências são em Minas Gerais e Goiás, que têm minas mais antigas e empresas maiores, o estudo descartou essas produções, já que não havia como comprovar a origem ilegal.

Nos casos em que havia a localização indicada, foi feito um cruzamento deste dado com imagens de satélite da região especificada. Quando realmente existia uma área de produção de ouro naquela região, restrita à área autorizada, a produção oriunda dali foi considerada legal. “Pode ser que o ouro, na verdade, tenha vindo de outro lugar. Mas não temos evidência de irregularidades.”

Em relação aos casos de produção identificados como irregulares, foram consideradas algumas questões: por exemplo, quando as imagens de satélite não apontaram qualquer atividade de mineração na região especificada na transação. “Então, certamente, [o ouro] foi produzido em outro lugar”, explica Rajão.

O estudo também considerou como produção irregular quando a área indicada no registro era uma região não autorizada para mineração, ou seja, quando o ouro vem de um garimpo ilegal.

“Em alguns casos, até encontramos uma autorização para a produção, mesmo se tratando de uma área não autorizada. O que mostra, inclusive, a incapacidade do órgão do Ministério de Minas e Energia em verificar a própria legislação brasileira sobre o assunto”, diz o pesquisador.

Entre as produções com evidências de irregularidades há ainda as consideradas “potencialmente ilegais” – quando uma produção legal invade uma área não autorizada. “Ou seja, quando existe uma chance de o ouro ter sido produzido, na verdade, fora da área de concessão.”

Todas essas categorias apontadas como irregulares compõem 28% da produção aurífera total no Brasil, o que corresponde a 48,9 toneladas de ouro. “Mas a prevalência de ilegalidade pode ser até bem maior”, alerta Rajão. Olhando apenas para a Amazônia, o quadro é ainda mais grave. “Do ouro produzido na Amazônia, 44% tem evidência de irregularidade”, conclui.

Para onde vai o ouro?

Segundo Rajão, o Brasil exporta mais ouro do que legalmente produz. Ao todo, 72% do ouro exportado vai para o Canadá, Reino Unido e Suíça. Ou seja, “existe uma chance muito grande de que boa parte desse ouro ilegal esteja indo para esses três países, além de outros países como Índia e Emirados Árabes”.

O pesquisador cobra, assim, uma fiscalização mais detalhada por parte dos compradores internacionais, como já é exigido nos Estados Unidos.

Outra opção seria a criação de um selo, emitido pelos estados brasileiros, que indica a origem legal, como é feito na produção agrícola através do código CAR (Cadastro Ambiental Rural), para verificar o título minerário do ouro.

Inação do governo

Uma vez que os dados usados no estudo estão disponíveis publicamente, a ausência de ações do governo para inibir a produção ilegal de ouro é uma incógnita para o professor da UFMG.

“Se nós, pesquisadores, com base em dados disponíveis publicamente, já conseguimos ver quase 30% da produção com evidências de ilegalidade, como é que o governo, que tem muito mais informações, não consegue ver isso e não toma as providências?”, questiona Rajão.

Com base no estudo, o Ministério Público Federal entrou, em julho deste ano, com uma ação civil pública contra a Agência Nacional de Mineração e o Banco Central do Brasil, que são as agências responsáveis pela fiscalização.

 

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