Por Carolina Maria Ruy, publicado na Agência Sindical
O movimento sindical, histórico, resiste e luta. Entre suas ramificações, sindicatos, federações, confederações, existem ainda as centrais sindicais, um tipo de entidade que resultou do amadurecimento dos debates sobre representação e relações de trabalho.
Amadurecimento com raízes na Era Vargas, quando nasceu o sindicalismo moderno, que passou por transformações na Constituição Cidadã de 1988 e, quase trinta anos depois, por retrocessos e abusos na reforma trabalhista de 2017. Se, por um lado, durante a Era Vargas e em 1988, o sindicalismo se desenvolveu e se modernizou, ampliando sua capacidade de representação e de promoção da justiça social, por outro, em 2017, o que se viu foi uma absurda retirada de direitos. Um injustificável desmonte da CLT. E é nesse tempo que vivemos agora. Tempo de retrocesso e de opressão da classe trabalhadora.
Por isso que, mais do que nunca, conhecer essa estrutura, batalhar por ela, lidar com ela e utilizá-la para se situar no mundo do trabalho, é algo essencial para todos os brasileiros. Sem sindicalismo e, sobretudo, sem sindicalismo sob domínio dos trabalhadores, não há democracia e não há processo civilizatório.
Este é o propósito desta conversa com o secretário geral da Força Sindical, João Carlos Juruna. Valorizando o que chama de Fórum das Centrais – instância que congrega as principais as centrais sindicais brasileiras, Juruna foge da concepção individualista e nem mesmo se abriga no singular guarda-chuva de sua central. Sua visão busca compreender o sindicalismo em suas várias representações e em sua evolução ao longo dos anos, sobretudo nos 40 anos após a realização da Conclat de 1981.
Leia aqui a entrevista:
Como é a estrutura sindical hoje?
Hoje existem os sindicatos de categorias, as federações e a confederação de cada setor. E temos as centrais sindicais.
Se já existem os sindicatos, as federações e a confederação, qual é a necessidade de existir a central?
As negociações coletivas no Brasil são feitas pelos sindicatos, federações e confederações. As centrais sindicais tem o papel debater questões sociais, como a previdência, leis que tramitam no Congresso, saúde, negociações com o governo estadual, municipal e federal. A central cumpre um papel nacional, responde a interesses sociais dos diversos trabalhadores, independentemente de suas categorias.
As centrais abrangem as diversas categorias e exercem um papel mais político?
Cada central tem seus filiados e ela pode tomar decisões que sua direção, composta, claro, pelos diretores de sindicatos, eleitos em congresso.
Ela negocia questões de cunho social com os governos. Ela tem um peso maior do que os sindicatos nestas discussões mais amplas.
Vocês têm debates políticos na central? Debatem o país, os governos?
Sim sim, as centrais analisam a conjuntura política, a situação no congresso nacional, o posicionamento que teremos frente a algum projeto de lei, com qual deputados precisamos conversar, senador, esse debate as centrais fazem.
Chegam a apoiar algum candidato em eleições? Isso já aconteceu.
Pode, pode chegar. Não é a regra. Em geral as centrais optam por elaborar um documento para apresentar a todos os candidatos. Mas, em geral, nos segundos turnos, a tendencia é a central fechar uma posição por um candidato mais sensível à pauta trabalhista.
Vocês fazem debates entre as várias centrais?
Sim. Essa é uma experiencia que se desenvolveu muito. No ano passado fortalecemos essa unidade de ação ao ponto de trabalharmos a ideia de constituir um fórum sindical permanente. Temos reuniões regulares, a cada semana, entre os dirigentes das centrais, onde planejamos as ações.
Neste fórum vocês conseguem tirar resoluções conjuntas? Ou possíveis divergências políticas ou de método travam esse entendimento?
Na maioria das vezes conseguimos unidade. O Primeiro de Maio Unitário em 2020 foi um grande exemplo. As negociações para o Auxílio Emergencial também ocorreram de forma unitária. As lutas contra a reforma trabalhista foram unitárias também. Neste período mais recente, de 2017, 2018 para cá, não houve grandes divergências entre as centrais sindicais. As vezes existem divergências pontuais, em algumas manifestações, mas em geral busca-se trabalhar unitariamente.
Também pode acontecer de existir ações de algumas centrais, não todas, três centrais fazem uma ação…
Isso, o fórum é bem democrático neste sentido. Se três centrais querem fazer alguma ação. Ou se há alguma resolução com a qual apenas duas, ou três concordam, não há impedimento para isso. Não se cria com isso nenhum tipo de antagonismo. Mas a busca da unidade tem sido um caminho que os atuais dirigentes têm trilhado.
Você acha que essa situação aponta para um processo de fusão das entidades? Ou que trabalhar desta forma, considerando as seis principais centrais, Força, CUT, UGT, CTB, CSB e NCST, tem mais peso, com mais dirigentes, seis presidentes, enfim.
Então, o problema que vejo é que não somos só seis. Já temos quase doze entidades que se declaram centrais sindicais. A busca de fusão será um debate necessário por uma questão financeira, de organização e até por proximidades políticas. Por exemplo, a CGTB já está se aliando com a CTB. Eu não diria que existe uma tendencia de fusões, mas eu digo que é um debate necessário a ser feito.
Esse debate está sendo feito?
Tem havido conversas casuais. Esse ano a Força Sindical tem congresso, a CTB também… Esse é um assunto que vai e vem. O que interessa é que se fortaleceu o fórum sindical unitário.
Você diria que as centrais atuais, estou falando das seis centrais mais consolidadas, correspondem ao que foi vislumbrado com a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em 1962 e pela Conclat em 1981?
Olha, estamos caminhando pra isso. Ter um comando geral. O fórum se transformou nisso. Um instrumento onde os presidentes, secretários gerais e dirigentes trocam ideias e planejam ações. O CGT era a congregação de cada ramo, do ramo da indústria, do comércio, da agricultura, e as entidades se reuniam em torno do CGT. O fórum atual tem cumprido esse papel de unidade.
Deixa-me reformular a pergunta. Vamos pegar a Conclat, que pensou em uma estrutura sindical. Essa estrutura permanece? E ela gerou as centrais atuais?
O que se sonhava em 1981 era uma única central. Não conseguimos naquele momento. Mas a partir dos conflitos que houveram na década de 1980 e depois com a criação da Força Sindical em 1991 as relações entre os diferentes grupos, com ideologias diferentes, foram amadurecendo e se estreitando. Um exemplo disso foram as marchas unitárias da década de 2000.
Você diria que o fato de haver mais de uma central vai contra o projeto de criação de centrais de 1962 e 1981? Surgiu a CUT em 1983, depois a CGT em 1986, a Força em 1991 e etc. O fato de haver seis centrais vai contra esse sonho? Eu pessoalmente não vejo incompatibilidade. Entendo que o projeto de se criar centrais deu certo. Mas foram criadas seis centrais. Estou fazendo uma interpretação. Porque cada central articula toda uma estrutura. Se você pensa em um país como o Brasil… Você acha que o ideal, pensando no que foi cogitado historicamente, seria ter uma central?
Não há contradição. Eu também estou de acordo com você. A experiência mundial não foi por aí. Poucos países tem uma só central. Seis está razoável. Nasceram porque houve os rachas internos, e se fortaleceram. Poderia ser três ou quatro. O problema é que já tem doze. Fica muito fácil rachar. Torna-se uma coisa banal. Tudo bem, não são reconhecidas, as vezes cumprem uma tarefa para algum partido.
Nosso problema não está aí. Nosso problema é que o movimento está sufocado por uma questão financeira, creio que as fusões tenderiam também a diminuir custos e fortalecer posições políticas na ação.
Você afirma que a reforma trabalhista foi um ataque ao movimento sindical, em especial às centrais? A reforma tem um fundo de reprimir as centrais?
Eu tenho acredito que os sindicatos também foram prejudicados financeiramente. E por serem prejudicados eles não têm repassado suas cotas às centrais sindicais. As verbas das centrais provem dos sindicatos filiados. Essa dificuldade abala todo o movimento. Não só as negociações coletivas, como prejudica a estrutura nacional para os enfrentamentos e os embates em Brasília, ou do dia nos locais de trabalho. Você vê que temos ido menos à Brasília. Fica no centro do país. Nosso país é um continente. Não é uma logística fácil. Então essa solução tem que ser buscada e estamos fazendo isso. Estamos buscando junto aos parlamentares encaminhar um debate no parlamento para regulamentar essa situação.
As centrais foram mais prejudicadas que os sindicatos com a reforma?
Foram mais prejudicadas financeiramente.
O que você diria para que os sindicatos valorizassem mais as centrais sindicais? Considerando que existem sindicatos grandes que já dão essa importância às entidades…
Ter uma central sindical forte – ou seis, como é o caso do Brasil, dá ao movimento condições de enfrentar o governo federal. Através de mobilizações nacionais, manifestações, publicações de documentos. As centrais dão renome aos seus dirigentes e isso se traduz em espaço na mídia, por exemplo, se traduz em uma ampliação da voz do movimento. Isso tudo demanda articulação. E também demanda financiamento para a estrutura, carros de som, equipe de trabalho, advogados, economistas, um setor de comunicação forte.
Esse prejuízo que foi imposto ao movimento é um problema que cada dirigente sindical deve assumir e lutar para buscar uma solução.
O que queremos? Queremos um sindicato que lute pela categoria, uma federação que organize estadualmente, uma confederação nacional da categoria, mas precisamos, além dessas três instancias, de centrais nacionais que congreguem as lutas em torno de pautas sociais e de demandas populares, educação, saúde, previdência, legislação trabalhista, questões que são decididas em Brasília ou nos governos regionais. Uma organização que una os diversos sindicatos, federações e confederações.
Você diria então que a retirada do financiamento sindical que ocorreu em 2017 foi deliberadamente para acabar com o movimento?
Não tenha dúvida. Foi pensado para diminuir nosso poder de ação e de enfrentamento.
E o que fazer para resolver isso?
Já estamos fazendo. Estamos dialogando com o Congresso Nacional. Temos buscado alianças com diversos partidos, de diversos espectros ideológicos. Procurado entender e mostrar qual é o papel do movimento sindical na sociedade. Papel de ser porta-voz dos trabalhadores, de negociar conflitos e até evitar que haja prejuízos do ponto de vista da produção. Porque se a empresa tem bons acordos, bons salários, pessoas que possam negociar e que tenha experiencia em mediar conflitos, isso ajuda não só os trabalhadores, mas também os empregadores.
Carolina Maria Ruy é coordenadora do Centro de Memória Sindical