
Em grupos e redes sociais, professores do Rio de Janeiro — tanto da capital quanto de outras cidades do estado — compartilham informações sobre escolas particulares. Além de divulgar oportunidades de trabalho, alertam uns aos outros sobre instituições que atrasam ou não pagam salários e encargos trabalhistas. Uma lista, à qual a Agência Brasil teve acesso, reúne mais de 100 escolas com histórico de descumprimento da legislação trabalhista — incluindo instituições localizadas na zona sul da cidade.
Ao lado dos nomes das escolas, circulam relatos que evidenciam abusos cometidos contra os docentes, como:
“Paga atrasado, te obriga a assinar como se tivesse recebido certo e a dona pratica assédio moral”;
“Não assina carteira… atrasa e não paga… o coordenador que faz Pix direto da conta pessoal”;
“Fujam! Não pagam. Quando professor aparece para cobrar salários atrasados, as donas saem da escola antes que o professor apareça”.
Uma versão ampliada da lista, que circula desde 2024, contém mais de 150 escolas — muitas delas já fechadas. A maioria das que permanecem ativas está localizada na zona norte carioca.
Denúncias coletivas fortalecem a luta
O professor João* é um dos afetados. Ele trabalhou em duas instituições que atrasavam pagamentos e descumpriam direitos trabalhistas. “A gente trabalhou de graça”, relata. Além dos salários defasados, ele conta que sequer recebeu vale-transporte: “Em ambas as escolas, eu tive que pagar para trabalhar”.
Segundo o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), situações como a de João são comuns. A entidade atualmente move 36 ações coletivas e cerca de 3 mil individuais contra escolas e faculdades privadas que descumprem normas trabalhistas.
Para o diretor do sindicato, Afonso Celso Teixeira, esse cenário é resultado da mercantilização da educação:
“Quando você considera a educação como mercadoria, trata alunos e famílias como clientes e esquece o papel social da escola. Isso adoece o professor e desumaniza a relação de ensino”, afirma.
Sindicato orienta, negocia e aciona a Justiça
Diante de irregularidades, a primeira recomendação do Sinpro-Rio é que os professores procurem o sindicato. A entidade ouve os relatos, tenta negociar com a escola e, caso não haja acordo, aciona a Justiça e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Se a escola quiser resolver o problema, negociamos uma proposta que os professores avaliam. Se não cumprir, colocamos multa por descumprimento, pois o acordo é homologado judicialmente”, explica Teixeira.
Essa intermediação fortalece os trabalhadores e dá mais segurança jurídica para cobrar os direitos. O sindicato também atua em articulação com o MPT, especialmente quando há casos coletivos ou demissões em massa.
Contexto do setor privado
O setor privado atende cerca de 20,2% dos alunos no Brasil, segundo o Censo Escolar 2024. No Rio, o percentual chega a 30,9%. Apesar da expansão, muitas escolas alegam dificuldades financeiras. De acordo com a Federação Intermunicipal de Sindicatos de Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Rio (Fisepe-RJ), 70% das escolas têm menos de 300 alunos, o que limita a capacidade econômica.
Mesmo assim, o presidente da federação, Lucas Machado, reconhece que atrasar salários não é justificável:
“Deixar de pagar o professor é uma medida extrema e precisa ser tratada como tal, com negociação e apoio dos sindicatos patronais”, diz.
Fiscalização e direitos
Conforme o Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ), atrasar salários configura irregularidade trabalhista e pode gerar multa e pagamento em dobro.
“A escola pode ser multada e condenada a pagar salários em atraso com acréscimo de 100%”, afirma o procurador Cassio Luis Casagrande.
Os professores têm os mesmos direitos trabalhistas que qualquer outro trabalhador — incluindo o direito de greve.
Luta coletiva é o caminho
Para o Sinpro-Rio, a mobilização coletiva é essencial para enfrentar esse cenário. Além de oferecer suporte jurídico e intermediação de conflitos, o sindicato desempenha papel estratégico na pressão por políticas públicas e fiscalização mais rigorosa do setor privado de educação.
“Quando os professores se organizam, conseguimos avançar muito mais. O sindicato existe para proteger a categoria e garantir que a lei seja cumprida”, conclui Teixeira.
*Nome alterado para preservar a identidade do entrevista
Com: Agência Brasil































