De acordo com a ONG, a desigualdade de renda domiciliar per capita, medida pelo Índice de Gini, permaneceu inalterada entre 2016 e o ano passado, interrompendo um processo de queda iniciado em 2002. O relatório utiliza os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE.
Consequência disso, o Brasil passou de 10º para o 9º mais desigual do mundo em uma lista de 189 países, segundo o relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que também usa o Índice de Gini.
Nesse período, houve o aumento da pobreza. Em 2017, o Brasil contava 15 milhões (7,2% da população) de pessoas consideradas pobres pelo Banco Mundial —renda de até US$ 1,9 (R$ 7,3) por dia. Trata-se de um crescimento de 11% em relação a 2016.
As tendências de aumento da população pobre, do nível de desigualdade de renda do trabalho e do índice de mortalidade de infantil são a marca da aguda crise socioeconômica e política iniciada em 2014, diz o relatório.
Para a Oxfam, no entanto, um elemento adicional piora o cenário: o teto de gastos.
A emenda constitucional 95, proposta pelo governo Michel Temer (MDB) e aprovada 2016 para impedir o aumento das despesas públicas acima da inflação por duas décadas, é considerada uma “medida extrema” pela entidade.
O estudo defende a revogação do teto mediante o argumento de que a regra, ao longo do tempo, vai comprometer a liberação de recursos para áreas sociais —que têm menor poder de pressão na disputa por dinheiro público. Assim, no médio e longo prazo, o teto contribuirá para aprofundar a desigualdade.
O relatório argumenta que a restrição faz com que as despesas sociais compitam entre si e com outros gastos, como folha de pagamento e investimento. “Seu efeito final é reduzir o tamanho do gasto público em relação ao PIB, ao mesmo tempo que a população crescerá e envelhecerá.”
Na avaliação de Carlos Góes, pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, o estudo aponta de forma consistente a estagnação na queda da desigualdade desde o fim da recessão, mas a ONG peca nas recomendações, sobretudo na crítica ao teto de gastos.
“As despesas com educação básica e saúde estão majoritariamente intocáveis porque são financiadas prioritariamente por meio de transferências constitucionais”, diz o doutorando em economia pela Universidade da Califórnia.
Góes afirma que ficou surpreso com a falta de ênfase na reforma da Previdência e na revisão dos salários do funcionalismo. “Há ampla evidência empírica de que reformar a Previdência é essencial para garantir a capacidade de financiar gastos sociais do governo e de que tanto a Previdência quanto os salários do funcionalismo têm amplo papel regressivo [aumentam a desigualdade]”, diz ele.
Outro alvo das críticas mais duras é o regime tributário. Para a Oxfam, é preciso reduzir os impostos sobre bens e serviços, que oneram mais o setor produtivo e têm custo maior para as classes média e pobre, e aumentar a tributação sobre renda e patrimônio.
Como medidas, o estudo propõe novas faixas e alíquotas para os mais ricos no Imposto sobre a Renda da Pessoas Físicas (IRPF) e o restabelecimento da tributação de lucros e dividendos de forma progressiva, além de maior combate à sonegação fiscal.
Sobre o assunto, Góes concorda com a tributação progressiva de lucros e dividendos, “mas para viabilizar isso sem prejudicar o crescimento e investimento é necessário que ela seja concomitante a uma redução nos impostos sobre pessoa jurídica”.
A Oxfam também detectou aumento da proporção da renda média de homens e a população branca em relação a mulheres e à população negra, embora esses movimentos não tenham sido grandes o suficiente para alterar o Gini.
A renda das mulheres em relação aos homens registrou o primeiro recuo em 23 anos, segundo os números do Pnad compilados pelo relatório.
No ano passado, elas ganharam 70% do rendimento masculino, contra 72% em 2016.
Com relação à disparidade racial, em 2016, os negros ganhavam 57% dos rendimentos médios de brancos; no ano passado, esse percentual caiu para 53%.
Fonte: Folha SP