A situação nos EUA, segundo Blanc, não é favorável à reabertura, uma vez que enquanto”Os países da Europa e da Ásia conseguiram abrir escolas sem grandes surtos, porque achataram a curva do vírus na sociedade como um todo. Os EUA não. O número diário de casos confirmados ainda está aumentando. Enquanto a Alemanha tem cerca de 440 novos casos por dia, a média dos EUA é superior a 66.000″. No caso brasileiro, estamos mais próximos do vizinho norte americano do que dos europeus.
Leia aqui o artigo na íntegra:
Bilionários querem reabrir escolas em meio a pandemia e isso pode desencadear uma onda de greves de professores
Por Eric Blanc
Interesses empresariais estão forçando a reabertura prematura das escolas para que possam retomar a economia e gerar lucro. Mas professores de todo o país estão insistindo que as escolas só devem ser reabertas quando isso puder ser feito com segurança – e a categoria já planeja entrar em greve para lutar contra os bilionários.
Na semana passada, o Wall Street Journal publicou um editorial revelador intitulado “O caso da reabertura de escolas“. Nele, o conselho editorial reitera os argumentos mais comuns em favor do retorno imediato de alunos e educadores à sala de aula neste outono. Mas também deixam claro que quando e como reabrir as escolas reflete um conflito fundamental entre educadores e trabalhadores de um lado, e bilionários, por outro.
Certamente, o jornal porta-voz oficial das grandes empresas é experiente o suficiente para enquadrar a reabertura da escola como benéfica para a classe média, não apenas para os ricos dominantes. O WSJ aponta para o dano muito real do aprendizado remoto, argumentando, por exemplo, que “você não precisa de um diploma em psicologia infantil para saber que as crianças estão tendo dificuldades com a educação virtual”. E as famílias da classe trabalhadora, observa o editorial corretamente, sofrem mais com escolas fechadas do que aquelas que são mais ricas (e, eu acrescentaria, mais brancas).
Os professores querem voltar para suas salas de aula, mas qualquer avaliação séria dos custos relativos a manter as escolas fechadas também deve, honestamente, lidar com os riscos para a saúde apresentados, ao abri-las em meio a uma pandemia violenta. Sem surpresa, o editorial falha inteiramente nessa questão.
Segundo o conselho editorial, “a imunidade relativa das crianças pequenas à doença… deve tranquilizar os pais”. No entanto, a pesquisa mais recente e extensa concluiu que, embora crianças pequenas com menos de dez anos espalhem menos a doença do que os adultos, elas ainda podem infectar outras. E ainda mais perigosamente, crianças entre dez e dezenove anos têm a mesma probabilidade que adultos de transmitir o vírus.
Os resultados desastrosos da corrida para reabrir escolas em Israel devem ser uma advertência para os outros países. Em maio, quando o número de infecções em Israel era muito menor do que o dos EUA hoje, o governo decidiu enviar professores e alunos de volta à sala de aula. Em junho, os surtos estavam se espalhando nas escolas de todo o país, contribuindo para um grande pico de infecção na população como um todo. Um estudo do Ministério da Saúde descobriu que cerca de um terço das novas contrações de vírus ocorreram em instalações educacionais entre 10 e 16 de julho.
Assim como Donald Trump, o WSJ alega que, como países como Dinamarca e Cingapura reabriram com segurança as escolas, então os EUA também podem. Porém, quando se trata de reabertura de escolas, os especialistas concordam que o fator mais importante é o grau de infecção além das escolas.
Os países da Europa e da Ásia conseguiram abrir escolas sem grandes surtos, porque achataram a curva do vírus na sociedade como um todo. Os EUA não. O número diário de casos confirmados ainda está aumentando. Enquanto a Alemanha tem cerca de 440 novos casos por dia, a média dos EUA é superior a 66.000.
A COVID-19 continua a devastar os EUA muito mais do que outros países industrializados devido à negligência criminosa de funcionários do governo, o sistema de assistência médica com fins lucrativos dos EUA, um Estado de bem-estar fraco, as irracionalidades do federalismo americano e um período de décadas de dizimação de capacidades governamentais apoiada por bilionários. Não importa quais recomendações administrativas criativas sejam feitas para distanciamento social da sala de aula, uso de máscaras, grupos de alunos e horários de aula escalonados, ao abrir escolas em meio a uma pandemia corremos o risco de desencadear uma catástrofe na saúde pública, principalmente para famílias negras e pardas de baixa renda.
Tais considerações pouco importam para o conselho editorial da WSJ e os interesses comerciais que eles representam, porque o verdadeiro motivo pelo qual eles querem reabrir as escolas está em outro lugar. No final do artigo, eles finalmente dizem a parte omitida em voz alta: “Milhões de pais não podem voltar ao trabalho se seus filhos não puderem frequentar a escola”. As escolas, entre outros serviços prestados, servem como creches, permitindo que os pais vendam seu trabalho aos empregadores. Um artigo publicado duas semanas antes no WSJ explica essa lógica econômica:
Se as escolas não forem abertas, muitos pais não receberão assistência infantil e não poderão voltar ao trabalho. Se os pais não podem trabalhar, a economia pode não se recuperar. Os sindicatos de professores estão, portanto, em posição de manter a economia como refém.
Segundo um estudo da Brookings Institution, cada mês de escolas fechadas pode custar aos EUA mais de US$ 50 bilhões. É por isso que a revista Forbes insiste que “considerações econômicas…superam preocupações com a saúde” quando se trata de um retorno às aulas.
Por conta dos lucros corporativos, bilionários e políticos que eles compraram estão dispostos a sacrificar educadores, estudantes e pais. Nossas vidas estão em risco. Os Professores Unidos de Los Angeles descreveram bem: “Quando os políticos exortam os educadores e outros trabalhadores a ‘reacender a economia’, devemos perguntar: ‘quem você planeja usar como bucha de canhão descartável?’”.
Se recusando a retornar para escolas inseguras
A possibilidade de “manter a economia refém” dá aos educadores organizados um tremendo poder nesse momento de crise. E isso é muito bom, ao contrário do que o Wall Street Journal e a Forbes dizem.
“Encorajados por greves vitoriosas em 2018 e 2019”, diz o editorial do Wall Street Journal, sindicatos de educadores “parecem estar em uma posição de poder,” já tendo moldado alguns dos critérios de instrução desde que o lockdown começou. Sindicatos militantes de professores e um aparecimento sem precedentes de lideranças em todo o país, organizado em grande parte pelo Facebook, já obteve sucesso em pressionar diversos distritos – incluindo Denver, Houston e a maior parte da Califórnia – a prosseguir com o ensino remoto até que as taxas de infecção locais caiam significativamente. Ativistas em todo o país elevaram a referência de zero novos casos locais por quatorze dias antes do retorno das aulas.
No entanto, diversos Estados comandados por republicanos como a Flórida, bem como diversas cidades lideradas por democratas como Chicago e Nova York, ainda estão prosseguindo com uma total ou parcial abertura física no início do segundo semestre. Dadas as perdas nos lucros, as corporações e seus representantes não irão recuar sem uma luta. O quadro editorial do Wall Street, como Trump e sua Secretária da Educação Betsy DeVos, estão insistindo que distritos sejam pressionados a reabrir:
Republicanos no Congresso devem conceder crédito adicional em um quinto pacote de ajuda emergencial a escolas reabrindo fisicamente cinco dias por semana. Se algumas escolas públicas ou distritos recusarem a reabertura, deve-se disponibilizar o dinheiro disponível para escolas autônomas ou privadas que estejam abertas.
Como a pandemia continua em alta, a primeira responsabilidade de todo educador e de todo sindicato de professores é lutar para impedir uma reabertura arriscada. Isso, é claro, não significa manter escolas fechadas indefinidamente. Ao contrário, educadores podem usar sua influência social para forçar políticos a finalmente tomar medidas urgentes necessárias para trazer de maneira segura os alunos de volta à escola e, não menos importante, achatar a curva da pandemia.
Como o sucesso das greves de 2018 e 2019 demonstrou, professores e docentes são mais efetivos politicamente quando levantam demandas não apenas relativas a si mesmos, mas também da parte de alunos, pais e a comunidade como um todo. Com essa intenção, a Demand Safe School Coalition (Coalizão por Escolas Seguras) – que reúne sindicatos e organizações como o Sindicato de Professores de Chicago, Professores de Los Angeles Unidos e Journey for Justice (missão por justiça) – organizou um “Dia Nacional da Resistência” em 3 de agosto.
A mobilização não se resume em apenas lutar contra aberturas prematuras e exigir mais enfermeiros e conselheiros, equipamentos de proteção pessoal, serviços de limpeza e testes virológicos para manter estudantes e funcionários seguros quando eles voltarem às salas de aula, mas também levantou demandas da parte de membros da comunidade, incluindo Escolas sem Polícias, uma moratória sobre despejos e execuções de hipoteca, e renda básica para aqueles desempregados ou incapazes de trabalhar.
A razão pela qual essas reformas não foram implementadas não é porque são inviáveis, mas porque são caras. Enquanto nos mantermos em um cenário de austeridade, as únicas opções possíveis para as escolas nesse semestre serão ruins – continuar o ensino remoto – ou catastróficas – reaberturas prematuras. Enquanto os governos locais e estaduais não podem por si próprios financiar adequadamente as medidas para nos manter todos seguros, a coalizão sugeriu uma “massiva infusão federal de apoio financeiro para apoiar a reabertura taxando bilionários e a Wall Street.
Os interesses de educadores e famílias trabalhadoras vai de encontro com os da classe dominante e os políticos em seu orçamento. Eles nos querem imediatamente de volta à escola a ao trabalho, para aumentar seu pé-de-meia. Nós queremos que eles paguem o que lhes é devido, para garantir a saúde física e econômica da maioria da classe trabalhadora.
Nenhum segmento da população está mais bem posicionado que os educadores organizados para liderar uma reação bem-sucedida contra a resposta catastrófica à pandemia por parte do governo. De West Virginia a Oklahoma à Califórnia, educadores provaram nos últimos três anos que eles têm o poder e o impulso para encarar os bilionários e vencer. Nós precisamos desesperadamente que eles o façam novamente. O que está em jogo dificilmente poderia ser maior.
Eric Blanc escreve sobre movimentos trabalhistas do passado e do presente. Anteriormente professor do ensino médio na Bay Area, ele é o autor de “Red State Revolt: The Teachers’ Strike Wave and Working-Class Politics”.
Tradução: Deborah Almeida e David Guapindaia
Fonte: Jacobin Brasil