PUBLICADO EM 19 de jun de 2021
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Queimar a semente do mal valorizando o trono do estudar e o combate às desigualdades

Por Marcos Aurélio Ruy

Cinco canções para fazer pulsar o coração valente na resistência ao arbítrio. Cinco canções para lembrar que o tempo não para e a vida segue em frente. O engajamento por um mundo voltado para os direitos humanos, a liberdade, o trabalho decente, a vida digna e o respeito ao diferente devem nortear os rumos dos trabalhos de quem ainda se indigna com a injustiça, com a miséria, com a exploração do trabalho infantil, com a violência doméstica, com a misoginia, com o racismo, com a LGBTfobia e com tudo o que corrói a vida, os sonhos, o planeta.

Toda a diversidade brasileira expressada pelas compositoras e compositores selecionados para refletir sobre o que estamos fazendo ou deixando que façam com as nossas vidas e com as vidas dos outros. Basta de apatia.

Dani Black

“O Trono de Estudar, de Dani Black, se transformou num verdadeiro hino da resistência dos estudantes secundaristas que ocuparam as escolas contra um projeto de fechamento de salas de aulas com objetivo de privatização da educação pública. Mais do que isso, virou um grito de liberdade pelo direto de lutar. Além de defender a educação como motor de vida, de alegria e de transformação.

O filho de Tetê Espíndola, Dani Black nasceu em São Paulo conta com um trabalho intrinsicamente ligado às questões sociais e políticas do momento.  Um talento a ser acompanhado.

Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

 

Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula essa jaula vai virar

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula essa jaula vai virar

 

A vida deu os muitos anos da estrutura

Do humano à procura do que Deus não respondeu

Deu a história, a ciência, arquitetura

Deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu

Depois de tudo até chegar neste momento me negar

Conhecimento é me negar o que é meu

 

Não venha agora fazer furo em meu futuro

Me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu

Vocês vão ter que acostumar.

 

Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

 

Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula essa jaula vai virar

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula essa jaula vai virar

 

E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo

E perder o sono mesmo pra lutar pelo o que é seu

Que neste trono todo ser humano é rei,

Seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu

Pra ter escolha, tem que ter escola

Ninguém quer esmola, e isso ninguém pode negar

Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio,

Nem artista, nem polícia militar

Vocês vão ter que engolir e se entregar

Ninguém tira o trono do estudar”

 

O Trono de Estudar (2015), de Dani Black

Bia Ferreira

Nascida em Carangola (MG), Bia Ferreira foi criada em Aracaju, (SE). O seu trabalho reflete toda essa diversidade e apresenta uma força descomunal contra o preconceito, o ódio, a violência e as discriminações.

Em “Cota Não É Esmola”, ela canta o grito da força da população negra, rejeitada, oprimida, maltratada por uma sociedade racista, conservadora e adoecida. Bia mostra a impossibilidade de se defender a chamada “meritocracia” numa sociedade tão desigual. Afinal cota não é esmola, é um projeto de diferenciar os desiguais para conquistar a igualdade no futuro.

“Experimenta nascer preto na favela, pra você ver

O que rola com preto e pobre não aparece na TV

Opressão, humilhação, preconceito

A gente sabe como termina quando começa desse jeito

Desde pequena fazendo o corre pra ajudar os pais

Cuida de criança, limpa a casa, outras coisas mais

Deu meio-dia, toma banho, vai pra escola a pé

Não tem dinheiro pro busão

Sua mãe usou mais cedo pra correr comprar o pão

E já que ela ta cansada quer carona no busão

Mas como é preta e pobre, o motorista grita: Não!

E essa é só a primeira porta que se fecha

Não tem busão, já tá cansada, mas se apressa

Chega na escola, outro portão se fecha

Você demorou, não vai entrar na aula de história

Espera, senta aí, já já dá uma hora

Espera mais um pouco e entra na segunda aula

E vê se não se atrasa de novo, a diretora fala

Chega na sala, agora o sono vai batendo

E ela não vai dormir, devagarinho vai aprendendo que

Se a passagem é três e oitenta, e você tem três na mão

Ela interrompe a professora e diz: Então não vai ter pão

E os amigos que riem dela todo dia

Riem mais e a humilham mais, o que você faria?

Ela cansou da humilhação e não quer mais escola

E no natal ela chorou, porque não ganhou uma bola

O tempo foi passando e ela foi crescendo

Agora lá na rua ela é a preta do sovaco fedorento

Que alisa o cabelo pra se sentir aceita

Mas não adianta nada, todo mundo a rejeita

Agora ela cresceu, quer muito estudar

Termina a escola, a apostila, ainda tem vestibular

E a boca seca, seca, nem um cuspe

Vai pagar a faculdade, porque preto e pobre não vai pra USP

Foi o que disse a professora que ensinava lá na escola

Que todos são iguais e que cota é esmola”

 

Cota Não É Esmola (2017), de Bia Ferreira

Gabriela Brown

A capixaba Gabriela Brown canta o amor, a vida e a vontade de transformar o mundo num lugar bom de se viver. Sua arte grita contra o capitalismo destruidor de sonhos, de vidas e da natureza.

“À distância de meio telefonema

Te procuro em cada esquina digital

Nosso tempo é de um amor de cinema

Os ponteiros rebobinam é irracional

 

O Sol raia você não raiou ainda

Você sai do oceano que fica sem sal

Vem dizendo: se essa praia fosse minha

Mandaria acabarem com o capital”

 

Garota, Tô no Céu (2019), de Gabriela Brown

Rincon Sapiência

Uma voz imponente do rap, o paulistano Rincon Sapiência protesta contra tudo que se faz para enquadrar o trabalho de artistas que desejam ser livres e produzir arte para pensar o que queremos para o futuro. Um dos grandes talentos das novas gerações.

Na canção “Ponta de Lança”, ele cancela a tese do cancelamento, tão presente em redes sociais. Porque a arte é livre e o debate deve ser feito com respeito. Saber ouvir e também se posicionar são questões importantes para haver evolução do pensamento.

“Tô burlando lei, picadilha rock

Quando falo rei, não é Presley

Olha o meu naipe, eu tô bem Snipes

Tô safadão, tô Wesley

Eu tô bonitão, tá ligado, fei

Se o padrão é branco, eu erradiquei

O meu som é um produto pra embelezar

Tipo Jequiti, tipo Mary Kay

Como MC, eu apareci

Pra me aparecer, eu ofereci

Umas rima quente, como Hennessy

Pra ficar mais claro, eu escureci

Aquele passado, não esqueci

Vou cantar autoestima que nem Leci

Às vezes eu acerto, as vezes eu falho

Aqui é trabalho, igual Murici

A noite é preta e maravilhosa

Lupita Nyong’o

Tô perto do fogo que nem o couro de tambor numa roda de jongo

Nesse sufoco, tô dando soco, que nem Lango-Lango

Se a vida é um filme, meu Deus é que nem Tarantino”

 

Ponta de Lança (2017), de Rincon Sapiência

Nelson Cavaquinho

Da Estação Primeira de Mangueira nasceram grandes talentos da música popular brasileira. Nelson Cavaquinho (1911-1986) é um desses gigantes. A sua melancolia fez o seu estilo singular. Melancólico, mas esperançoso. Com a certeza do futuro com mais sabedoria e menos violência.

“Juízo Final” é a expressão máxima desse canto de esperança de que um dia o morro vai descer e se impor no asfalto. Afinal, “O mal será queimada a semente/O amor será eterno novamente”.

 

“O sol há de brilhar mais uma vez

A luz há de chegar aos corações

O mal será queimada a semente

O amor será eterno novamente

 

É o juízo final

A história do bem e do mal

Quero ter olhos pra ver

A maldade desaparecer

 

É o juízo final

A história do bem e do mal

Quero ter olhos pra ver

A maldade desaparecer

 

O sol há de brilhar mais uma vez

A luz há de chegar aos corações

O mal será queimada a semente

O amor será eterno novamente”

 

Juízo Final (1973), de Élcio Soares e Nelson Cavaquinho

https://youtu.be/pIjdkxn9MgA

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