A natureza e a ética das “fake News” se tornou um assunto de grande preocupação. Mas, para muitos de nós, a questão é muito mais pessoal: o que fazer quando um tio excêntrico ou um não muito agradável velho amigo persiste em fazer parte do nosso feed de notícias, com uma corrente de posts que podem profundamente contrariar nossos próprios valores?
Por Alexis Elder
Uma opção é desfazer a amizade com quem compartilha esse tipo de material. Mas, em um ambiente onde as pessoas auto selecionam pode também ser preocupante. Como pesquisador sobre a ética das tecnologias sociais, eu começo com o que pode parecer uma fonte improvável: Aristóteles.A Grécia Clássica pode ter pouca semelhança com o mundo de hoje, dos smartphones e mídia social. Mas Aristóteles não era estranho à luta para construir e manter conecções sociais em um controverso clima político.
A primeira questão é como amizades verdadeiras devem parecer. Aristóteles argumentava que “uma amizade perfeita é uma amizade em que homens são bons e parecidos na virtude”.
Em face disso, pode parecer que amizades são essencialmente sobre similaridades, crescendo onde pessoas com mentes parecidas se agrupam juntas. Isso pode ser um problema, se você pensar que uma boa amizade envolve o respeito pelas diferenças. Também poderia ser uma razão para as pessoas desfazerem a amizade com aqueles que discordam de nós politicamente.
Mas Aristóteles não diz que amigos devem ser “parecidos”. O que ele diz é que os melhores amigos podem ser diferentes, e ainda compartilhar boas vidas juntos, desde que cada um seja virtuoso a sua maneira. Em outras palavras, a única similaridade necessária é que ambos sejam virtuosos.
Por “virtuoso”, ele quer dizer as características de pessoas excelentes, cujo caráter tenha traços como coragem e bondade, que ajudam os indivíduos a serem bons com os outros, com eles mesmos, e vivam boas vidas. Esses traços ajudam as pessoas a florescer como animais racionais, sociais.
Apreciando diferenças
Novamente, se você pensa que essas características são as mesmas para cada indivíduo, você pode se preocupar de que isso significa que amigos devem ser bem similares. Mas não é o que ele diz sobre a natureza da virtude.
Um traço virtuoso de caráter, ele diz, consiste em ter a quantidade certa de disposição humana comum – não muito e nem pouco. Coragem, por exemplo, é o meio termo entre um excesso e um déficit de medo. Ter muito medo, por exemplo, pode fazer com que as pessoas não defendam o que elas valorizam, enquanto, ter muito pouco pode deixá-los vulneráveis para ferimentos desnecessários.
Mas o meio termo é relativo para cada indivíduo, não é absoluto.
Considerando como o que conta como a quantidade certa de comida é diferente para um atleta realizado e um novato. Da mesma forma para coragem e outras virtudes. O que conta como a quantidade certa de medo depende do que se precisa defender, e quais recursos estão disponíveis para a defesa.
Então a coragem pode parecer algo muito diferente para pessoas diferentes, em diferentes contextos. Em outras palavras, cada indivíduo pode ter seu próprio “estilo moral”. Isso parece deixar espaço para apreciar as diferenças de amizade na mídia social, além de dar aos indivíduos razão para serem cautelosos em exercer a opção “desfazer amizade”.
Vivendo juntos
Para Aristóteles, compartilhar vidas é a chave para explicar porque amizade importa para nós e porque um bom caráter importa para a amizade. Amigos, ele diz
…fazem e dividem aquelas coisas que os dá o senso de viverem juntos. Portanto, a amizade de homens maus, se transforma numa coisa má (por causa de sua instabilidade, eles se unem em más perseguições. Além disso eles se tornam maus por se tornarem parecidos uns com os outros), enquanto a amizade de bons homens é boa, sendo aumentada pelo seu companheirismo…
Para Aristóteles, virtudes são por definição traços que ajudam a florescer como um animal racional social. Sendo o seu melhor eu, você pode viver uma boa vida.
O oposto, com o vício, também é verdadeiro. O que ele entende por vício é a quantidade errada de uma característica: por exemplo, muito medo ou pouca preocupação com os outros. Vícios podem piorar a vida das pessoas. A covardia não pode se colocar pelo que ela valoriza, e então se machuca, e não apenas aqueles que ela devia proteger. O homem egoísta se faz incapaz de amizades próximas, e se priva de um importante bem humano.
Ser diferença não é algo ruim, e pode até enriquecer nossas vidas. Mas tendo amigos com vícios nos faz piores, tanto porque nós nos importamos com eles e queremos que eles vivam bem, como por causa de sua má influência.
Como podemos usar o Facebook sabiamente e bem?
O que eu tiro disso é que nós não devemos valorizar as diferenças políticas, por exemplo. O caráter é o que importa. E, interações repetidas, mesmo em mídia social, podem moldar nosso caráter através do tempo.
Então, você deve se desconectar daquele seu “amigo” do Facebook? A curta, mas não satisfatória resposta é “depende”.
O Facebook conecta as pessoas, mas ele impõe distância tanto física quanto psicológica. Alguém pode argumentar que isso torna mais fácil tanto compartilhar nossos pensamentos, mesmo aqueles que muitos não diriam pessoalmente, como nos desconectar de outros, mesmo quando as pressões sociais podem tornar isso mais difícil de fazer, do que quando cara a cara.
Descobrindo quando exercitar essas diferentes habilidades, podemos requerer aos indivíduos exercitar as virtudes. Mas, como eu expliquei, elas não dão a ninguém um guia uniforme para ação. O que conta como virtude depende dos detalhes das circunstâncias.
Marcos para a navegação
Muitos fatores parecem relevantes. As mídias sociais fazem as pessoas mais felizes quando elas as usam para interagir, do que passivamente observar. Diversas conexões e conversações podem enriquecer a vida as pessoas. No Facebook, nós temos a oportunidade de experimentar “ideologicamente diversas notícias e opiniões”.
Desfazer a amizade com um colega de trabalho ou parente pode ajudar a manter a paz…, mas isso pode ser uma atitude covarde. E às vezes discutir com alguém online apenas reforça nossa própria beligerância, nos fazendo piores em longo prazo. O que nós queremos fazer é ter boas conversações e fortalecer boas conexões.
Aqui, também, nós devemos permanecer sensíveis para os detalhes do contexto. Algumas conversações são melhores manter à distância, e outras cara a cara.
No fim, algumas razões para conectar e desconectar são enraizadas em preocupações sobre nosso próprio caráter, e algumas envolvem o caráter dos outros. Nós temos razão quando adotamos uma vontade corajosa e compassiva para considerar a visão de mundo de outros, ou ficamos atentos à nossa própria tendência de vilipendiar posts (e pessoas), porque discordamos deles. Mas também queremos que nossos amigos sejam pessoas boas.
O que precisamos lembrar é que o diabo mora nos detalhes. Eu acho que a razão a que nós nos agarramos nessa questão é que não existem respostas fáceis ou uniformes. Mas usando as ferramentas que Aristóteles fornece para refletir onde nós queremos parar, nós podemos achar modos para nos conectar que nos fazem melhores, tanto sozinhos quanto acompanhados.
Alexis Elder, Professor Assistente de Filosofia, Universidade de Minnesota Duluth
Traduzido por Luciana Cristina Ruy
Fonte Time.com
Esse artigo foi originalmente publicado em “The Conversation”.