PUBLICADO EM 10 de jan de 2018
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Sindicato era ainda Associação dos Metalúrgicos de São Bernardo”, afirma Derly

“Quando eu cheguei a São Bernardo, em 1960, e fui trabalhar na Villares (1), o Sindicato ainda não era Sindicato. Era Associação dos Metalúrgicos de São Bernardo. Essa foi a primeira diretoria [aponta para o site ABC de Lutas], de 1963 a 1965. Eu entrei nesta diretoria como primeiro suplente. Dela só temos três companheiros vivos, José Fernandes, eu e o Castro [Orisson S. de Castro]. Essa foi a diretoria cassada em 1964. O terreno onde é a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo era uma chácara, eu que comprei. Já tínhamos o projeto e dinheiro em caixa para fazer a sede, quando veio o golpe. Aí foi feita a intervenção. De vez em quando faziam eleições, aí nossas bases, clandestinas, ganhavam, eles cassavam de novo, e isso foi até a eleição de 1971. Na eleição de 1971 foi quando o Lula saiu da nossa chapa e entrou na chapa do interventor. E a partir daí entrou todo um processo.”

Derly José de Carvalho em sua casa Foto: Carolina Maria Ruy

 

Rádio Peão Brasil publicará uma série de  entrevistas que ajudam a compreender nosso país. 

Hoje publicamos a primeira parte do depoimento de Derly José de Carvalho sobre sua história de vida. Derly foi fundador do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e fundador da Ala Vermelha, grupo radical de resistência ao regime militar (1964/1985).

 

Confira a entrevista concedida a  Carolina Maria Ruy

Muriaé

Eu nasci em Muriaé [MG], no campo, né? Meu pai trabalhava em um sítio pequeno, que tinha alambique, produção de frutas. Ficava na Rio-Bahia [Rodovia BR-116]. Meu pai mudou de lá em 1954, depois da morte do Getúlio. No comecinho de 1955.
Nasci na roça e fiquei todo esse tempo lá. Fui para a cidade em 1955. Eu sou de 1939, então estava com 16 anos. Fui trabalhar em uma oficina e aprender a função de torneiro mecânico. Ficamos morando em Muriaé. Em 1959 eu fiz o Tiro de Guerra. E trabalhava em oficina mecânica. Trabalhei em praticamente todas as oficinas mecânicas que tinham em Muriaé.
Naquela época não tinha aquele entroncamento ferroviária de Belo Horizonte à Vitória [ES]. Mas a Rio-Bahia passava dentro da cidade. Muriaé sempre foi muito ligada a duas coisas: primeiro as grandes fazendas de gado, café etc. E, segundo, por estar às margens da Rio-Bahia, construída em meados de 1940, toda a comunicação do nordeste e do norte do Brasil, se fazia via Rio-Bahia. Muriaé ficava no meio. Então, o que desenvolveu muito na cidade? As oficinas mecânicas, para poder fazer a manutenção do tráfego. Eu me especializei em fazer ponta de carcaça de caminhão, por uma razão muito simples, a estrada não tinha assalto. O asfalto veio para a Rio-Bahia já na época da ditadura militar. E tinha atoleiro, buraco, muita pedra que quebravam as pontas de carcaça.

Vem para São Paulo

Vim embora para São Paulo em dezembro de 1959. Eu não vim com meus irmãos. Já tinha parentes nossos, de segundo, terceiro grau, que moravam aqui em São Paulo. Era tudo marceneiro, eles tinham uma cooperativa. Mais ou menos depois de um ano veio meu pai e vieram meus irmãos. Que era tudo garoto. Tudo adolescente. O Daniel, Joel, Devanir.
Logo que chegou, meu pai comprou um terreno. Antes ele alugou uma casa no Ipiranga, depois construiu no terreno em São Bernardo. Aí meus irmãos foram trabalhar. Eu tinha relacionamento com eles, mas a gente não morava junto. Eu tinha minha casa e eles a deles. Quando nasceu meu filho maior, eu morava na Rua Tamandaré, rua do Sindicato dos Químicos, no bairro da Liberdade.
Quando eu cheguei aqui comecei a trabalhar logo. Comecei a trabalhar em oficina mecânica. Depois fui trabalhar em uma indústria lá na Vila Maria. Na época tinha o bondinho que saia da Praça da Sé. Eu trabalhava de segunda a sábado das seis [da tarde] às seis da manhã. Trabalhei lá por uns quatro meses. Depois fui trabalhar na Super Som. Era uma empresa que fabricava os gravadores de discos de vinil para emissoras de rádio, no Ipiranga, na Rua Bom Pastor. O meu trabalho era fazer a parte mecânica destas gravações. Trabalhei um tempo lá.
Nesta época eu casei. Em 1961 a firma estava com problemas e eu fui mandado embora. Lá pelo mês de fevereiro eu sai procurando emprego. Comecei a visitar várias empresas. Duas delas estavam procurando torneiro mecânico para trabalhar no turno da noite. Uma era de mecânica pesada em Taubaté. Pagava um bom salário e tal. A outra era a Villares, em São Bernardo. Fui à Metalúrgica Pesada fiz o teste e passei. O salário era bom. Fiz o teste na Villares e passei também. O salário era um pouco mais baixo, mas tinha a vantagem de estar mais perto. Para ir para Taubaté eu teria que reorganizar completamente a minha vida, que já estava sendo reorganizada naquele momento. Achei melhor vir para São Bernardo.
Quando vim trabalhar na Villares estávamos em uma efervescência política grande, com a renúncia do Jânio Quadros. Tudo isso em 1961. Desde o primeiro dia do Jânio as coisas já começaram a se complicar. Logo em seguida que eu comecei na Villares veio uma greve. Eu participei da greve.

Formação política

Eu fui criado na Igreja Metodista, evangélica. Fui vice presidente do Grupo de Jovens em Muriaé. Como ativista da juventude metodista eu tinha uma participação política. Quem mandava na Igreja Metodista em Muriaé era prefeito, juiz e um bando de fazendeiros. Sempre levei em conta que a Igreja Metodista era uma igreja da oligarquia, do pessoal da elite, da burguesia. Como eu estudava muito, não conseguia me encaixar muito bem com essa história de que todos são iguais perante Deus. Porque nos bancos da igreja, o filho do fazendeiro, não sentava no mesmo banco que eu que era filho do empregado do fazendeiro.
Quando era garoto eu tive um trauma. Mais ou menos em 1944. Eu tinha uns cinco anos, mas nunca me esqueci. O dono do sítio em que a gente morava era nazista. O cunhado dele era alemão. Havia uma base muito forte do Partido Comunista Brasileiro em Muriaé. Estávamos perto de Cataguases, que era uma cidade industrial do setor têxtil. E aí [os comunistas] pintaram toda a casa do dono do sítio com suásticas. Ele ficou botando fogo pelas ventas. Falou que eram comunistas comedores de crianças. Eu fiquei muito assustado e fui me esconder debaixo da cama. Pensei: “Os comunistas vão me comer!”. Marx e Engels
Eu sempre fiquei com isso na cabeça: “Por que comunista come criança?”. Quando comecei a frequentar a sociedade, na adolescência via que na igreja as coisas não casavam muito bem. Quando eu comecei a trabalhar eu tomei contato com o pessoal da base do Partido Comunista. Comecei a ler o jornal Novos Rumos (2). Eu li a Origem da Propriedade Privada e do Estado (3). Li o Manifesto Comunista (4). Enfim, comecei a ler uma série de coisas de Marx e Engels. E algumas coisas de Mao Tsé-tung. Ao mesmo tempo, frequentava a igreja. Era complicado conciliar as duas coisas. Mas dava para administrar.
Desta forma, quando vim para São Bernardo a minha participação no Sindicato não foi uma coisa que aconteceu de uma hora para outra. Foi um processo de evolução ideológica. Ou seja, do cristianismo para o Partido Comunista. De pastor para guerrilheiro (risos).

Eleições de 1960,  General Lott

Logo em seguida que eu comecei a militar no movimento sindical fui eleito delegado sindical na Villares. Nas eleições de 1960 eu peguei umas duas semanas de folga e fui para Muriaé fazer campanha para o Lott (5). O General Lott, que era o candidato do Partido Comunista. Quando cheguei lá já foi um conflito com todo mundo que eu tinha relação. “Pô, você tá no Partido Comunista?”, eu disse “Não, não tô no Partido Comunista, meu candidato é o Jango, para vice-presidente e o Lott para presidente da República”.
Quando veio a renúncia do Jânio eu estava na Villares. Eu encabecei a greve para garantir o Jango lá dentro e fui mandado embora. Aí entrei no Partido Comunista.
Foi a primeira greve que eu participei. Depois o Brizola tomou a atitude que tomou lá no Rio Grande do Sul, com o III Exército de garantir a posse do Jango (6). Eu, inclusive, fiz minha mala para ir como voluntário para o Rio Grande do Sul, já como militante do Partido. Mas não cheguei a ir, as coisas se resolveram um pouco antes.
Foi aí que eu mudei para São Bernardo. Vim morar perto da [Rodovia] Anchieta. Naquela época isso aqui era uma produção de verduras, mais adiante era um lago aonde vínhamos pescar [refere-se ao Município de Diadema, onde vive hoje]. Aqui estava o cinturão verde de São Paulo. Diadema tinha conquistado a sua autonomia fazia muito pouco tempo. Para você ter uma ideia a Avenida Piraporinha [uma das principais de Diadema] foi asfaltada em 1982/83.
Conflito com a igreja
Nessa brincadeira toda o que me marcou foi o comportamento do pessoal da igreja em relação à vida social. Quando eu entrei no Sindicato me chamaram na igreja, lá em Minas (aqui a minha participação foi muito pequena), e me perguntaram qual era a minha. Disseram que eu seria expulso da igreja. Eu falei “Não, eu estou com a carta pronta e saio da igreja”.
O meu conflito com a igreja era do ponto de vista filosófico. A partir do momento em que se conhece o marxismo não dá para juntar as duas coisas.

Greve na Mercedes

Perdi meu emprego na Mercedes, mas como já estava até aqui metido no Sindicato, fiquei quase um ano ajudando as Ligas Camponesas no interior de São Paulo, pelo Sindicato. E continuei morando aqui.

O Jango, então, tomou posse no sistema parlamentarista. Uma semana depois que eu fui mandado embora da Villares, comecei a trabalhar na Mercedes Bens. Na ferramentaria da Mercedes. Logo veio a greve pelo 13° salário. E eu encabecei a greve na Mercedes. Ou seja, perdi meu emprego para garantir o 13° salário! Antes só algumas empresas tinham o 13°, que era chamado abono de Natal. Alguns deputados comunistas e brizolistas, do PTB, entraram com Projeto de Lei para que o benefício fosse nacional. Eu era brizolista pra caramba, fazia parte do Grupo dos 11, então participei da greve nacional pelo 13°.
Perdi meu emprego na Mercedes, mas como já estava até aqui metido no Sindicato, fiquei quase um ano ajudando as Ligas Camponesas no interior de São Paulo, pelo Sindicato. E continuei morando aqui.

Associação dos Metalúrgicos de São Bernardo

Quando foi aprovada a Carta para transformar a Associação em Sindicato, nós partimos para a primeira eleição, que é esta que está no site (ABC de Lutas). No site você tem todas as diretorias. E você vai ver como estão intrincadas ditadura militar, intervenção, todas essas coisas. Aí você vai entender porque o Lula vira presidente (risos).
A Associação é o seguinte. Tinha o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Montamos, então, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. A Associação começou por volta de 1957. Em 1958 ela se estruturou. A data da Ata de fundação é dia 11 de setembro de 1963. Que foi a posse da nossa diretoria.

Cópia da ata de posse da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, 1963.

Nesta data encerra-se a história da Associação. Mas ela se transforma e continua com o mesmo grupo. Era o mesmo pessoal, com o pessoal jovem que estava chegando, que era o meu caso. Nós usávamos, de acordo com a lei, diretoria presidencial, com suplência e tudo, mas o sistema de rodízio que a gente utilizava não era presidencialista.
Todo mundo da direção era do Partido Comunista. Todo mundo era PCB. Todo mundo. O PCB tinha uma base muito grande aqui. Na prática não existia PCdoB aqui naquela época. O PCdoB só veio existir em São Bernardo depois de 1964. Depois do golpe.

PCB X PCdoB

Em 1957, quando começaram as denúncias de Krushev (9), esse grupo da CNOP, que tinha João Amazonas no comando, iniciou um processo de discussões internas. Todos os partidos comunistas do mundo tiveram esses debates.

Prestes Pomar Amazonas Grabois

O racha entre PCB e PCdoB foi feito em 1957, no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que dividiu o movimento comunista em dois. Foi quando se rompeu o Partido Comunista Chinês, da Albânia etc.

O Partido Comunista do Brasil tinha duas correntes políticas com concepções estratégicas diferentes. Uma era liderada pelo [Luís Carlos] Prestes, e a outra por João Amazonas, Grabois, Pomar etc. Que era uma parte da Comissão Executiva que, em 1940, quando o Prestes foi preso com toda a direção do Partido (7), organizou uma reunião da CNOP [Comissão Nacional de Organização Provisória] e fez a reconstituição do Partido Comunista do Brasil.

Veio a anistia em 1946 (8). Em 1957, quando começaram as denúncias de Krushev (9), esse grupo da CNOP, que tinha João Amazonas no comando, iniciou um processo de discussões internas. Todos os partidos comunistas do mundo tiveram esses debates.

Então em 1961, 62, não me lembro bem, mas tenho tudo isso documentado, o Partido Comunista do Brasil se reestruturou.

Tem aí um detalhe que é o seguinte: É muito mais fácil fazer política sem ter confronto do que confrontar a classe dominante. Naquele período o grupo do Prestes tinha maioria e ganhou o congresso. Então eles transformaram o Partido em Partido Comunista Brasileiro. Porque uma das coisas que as oligarquias, principalmente a igreja, diziam na época, era que o Partido Comunista era instrumento da União Soviética. Estávamos em plena Guerra Fria. E o outro grupo resolveu manter o nome “Partido Comunista do Brasil” (10).
Eu conhecia o PCB e não o PCdoB, porque o Partido Comunista do Brasil não existia no movimento operário. Isso em 1960, 61, 62, 63, até 64, no golpe. Com o golpe o Partido Comunista Brasileiro se desmoralizou. Porque o Prestes dizia para nós: “Não, os militares não vão fazer golpe. A direita não vai fazer golpe! E se fizer a gente derruba os caras”. Mas nós já sabíamos que ia acontecer o golpe. Tanto que a gente começou a se preparar para isso.

Grupo dos 11

Brizola fala à imprensa durante a Campanha da Legalidade, 1961.Qual era a opção que a gente tinha? O Grupo dos 11 do Brizola! Eu fui para o Grupo dos 11 de forma clandestina dentro do Partido. Eu fazia parte do Grupo dos 11, mas clandestino. A direção do Partido [do PCB] não sabia. Não era uma infiltração. Mas éramos clandestinos, senão éramos expulsos de imediato!
O Grupo dos 11 do Brizola foi o seguinte: quando veio a Revolução Cubana, em 1959, o pessoal de esquerda que militava no Rio Grande do Sul e que tinha todo um relacionamento com o Brizola, teve a ideia de montar uma resistência armada. Com a tentativa de golpe em 1961… O golpe era para ter sido em 1961, não foi porque o Brizola se levantou junto com o III Exército! Foi criado naquele momento um movimento de resistência que eram os grupos de 11. Grupos de 11 eram brigadas militar. Os pelotões das Forças Armadas são constituídos por 11 soldados.
Esse grupo de 11 era a base organizativa do brizolismo naquele momento. Ou seja, a Campanha da Legalidade.
Era um grupo independente. Eu diria que 90% das bases do Partido Comunista Brasileiro estavam no grupo dos 11. Não Documento sibre o Grupo dos 11, 1961.aquele grupo da CNOP, do Partido Comunista do Brasil, que estava mais estruturado no setor artístico, intelectual. Eles não tinham uma estrutura na classe trabalhadora. Mas deste grupo de 11 participavam vários setores das Forças Armadas.
Eu cheguei a conviver com o Brizola. Fui fundador do PDT. Assinei a carta de fundação do PDT lá em Lisboa (11).

Golpe de 1964

Nós eles não conseguiram prender. Não entramos na conversa do Luís Carlos Prestes. Nós estávamos preparados, por isso nós não fomos presos. Fomos presos depois.

Em 1964 eu saí da Mercedes e fui trabalhar na Mercantil Suíça que era uma fábrica de bicicletas em São Bernardo. Vieram as eleições do Sindicato [dos Metalúrgicos de São Bernardo] e eu fazia parte da chapa que foi eleita. A chapa de oposição era de um grupo ligado à JOC, Juventude Operária Católica, que tinha relação com o pessoal que depois organizou a AP [Ação Popular]. Da Mercantil eu saí e fiquei desligado da produção, fui para o Sindicato. Aí comecei a trabalhar na Scania. A última empresa em que eu trabalhei foi a Scania. Entrei lá em março de 1964. Trabalhei na Scania até o dia 1º de Abril de 1964.
Quando deu o golpe eu estava lá. Até hoje não recebi meu pagamento (risos)! Aí cai para a clandestinidade. A sede do Sindicato já estava no lugar onde é hoje, só não tinha o prédio.
Para você ter uma ideia, mais ou menos 1 hora da manhã os grupos paramilitares, do Comando de Caça aos Comunistas, junto com a Força Pública, polícia e alguns soldados do exército, entraram na Scania para prender eu e mais uns três companheiros. Mas nós saímos, já tinha um esquema montado. Fomos para o Sindicato e quando chegamos eles tinham destruído a nossa sede completamente. Botaram fogo em todos os nossos arquivos. Isso no dia 31 de março de 1964. Antes da 1 hora da manhã do dia 1º de abril.

O Partido

Nesse período entrei para a clandestinidade. No dia 1º eles invadiram a minha casa. Mas aí eu já estava fora. Nós reestruturamos o Partido Comunista Brasileiro, montamos o comitê de São Bernardo. Tínhamos contato com os outros comitês. Montamos o comitê estadual e quem dava assistência para nós eram o [Carlos] Marighella e o Toledo [Joaquim Câmara Ferreira].
Nós eles não conseguiram prender. Não entramos na conversa do Luís Carlos Prestes (risos). Nós estávamos preparados, por isso nós não fomos presos. Fomos presos depois.
Nesse momento meu irmão Devanir trabalhava na Toyota, meu outro irmão Daniel trabalhava em outra empresa metalúrgica que eu não lembro o nome. Tinha o Coqueiro, enfim, tinha todo o pessoal da nossa da base. Montamos uma base clandestina, que eram as comissões de fábrica. As comissões de fábrica que dirigiram as greves de 1979, 80, foi o pessoal nosso que montou.
No período entre 1964 e 1968 as coisas foram muito por baixo do pano. Não tinha havido ainda as barricadas de Paris. E, além disso, a ditadura estava se estruturando.
Mas a gente tinha contato com sindicatos de São Paulo. O Sindicato, por exemplo, dos Ferroviários, o Sindicato dos Marceneiros, o Sindicato dos Químicos. Por exemplo, o [Raphael] Martinelli que hoje está no Sindicato dos Ferroviários, se reunia com a gente. Fazia parte da mesma base. Com o pessoal de Osasco a gente tinha contato. Com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo eu não tinha um relacionamento direto. E, a partir do dia 1º de abril de 1964, nós passamos a ter contato com todo mundo, mas com nome de guerra. A partir daí ninguém mais tinha nome. Só depois que a gente foi saber o nome do pessoal. Depois que tava todo mundo em cana. A partir de 1968, 69.
A gente reestruturou o Partido aqui em São Bernardo e Diadema. Formamos uma base muito boa. Eu mudei para São Paulo e, como eu tinha feito um curso de eletrônica e hidráulica, fui trabalhar de eletricista. Como autônomo. Fiquei trabalhando durante 1964, 65, até o começo de 1966.
Naquela época, eu vinha para São Bernardo quase todo dia. Nós mantivemos as atividades. Tinha “porta de fábrica”. O Sindicato estava sob intervenção e só podia fazer o que os militares autorizavam. Em compensação, a gente fazia greves clandestinas. Tinha um companheiro que era especialista em fazer o interventor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo apoiar as greves.
Mas tinha, por exemplo, o grupo do Paulo Vidal, que dedava todos os companheiros. O que foi de companheiro preso aí, não foi brincadeira.
Logo em seguida da primeira intervenção de 1964, convocaram novas eleições, nós ganhávamos. Mas ia todo mundo em cana, e se fazia nova intervenção. Isso foi até 1971.

Surge o Lula em 1971

Em 1971 já tinha muita gente presa. A maior parte dos companheiros da nossa diretoria, de 1963, ou estavam presos ou estavam fora do Brasil. E as lideranças se tornaram aquelas comissões de base clandestinas. Pessoas que foram se formando nesse processo. O próprio Lula surgiu desse processo na chapa de 1971. O irmão do Lula militava no Partido Comunista Brasileiro.
Frei Chico. O Lula não. O Lula entrou como oportunista nessa história. A esquerda precisa de alguém que falasse bem. De alguém que fosse uma liderança nata da “peãozada”.
É muito difundida a visão de que a história do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo nasceu com o Lula em 1979, 1980. Que até aí não se tinha nada. De repente caiu o Lula do céu! Quando eles fizeram a história do Sindicato, toda aquela resistência que a gente fez não aparece!
Feito um livro sobre essa história começando em 1979, 1980. O resto não existia! Nós [da época da fundação] não fomos convidados nenhuma vez para dar entrevista, nada. Parece que eles estão quebrando isso agora.

Entrada no PCdoB

Em 1964, quando o PCB entrou em decadência (e nunca mais se reergueu, tinha que virar PPS, não tinha outra saída), nós começamos a ter relacionamentos com os chineses. Com os cubanos. Eu estava no PCB. O golpe foi em abril, mais ou menos até setembro eu estava no PCB. A partir daí nós saímos e fomos para o PCdoB. Uma grande parte do pessoal de Diadema e São Bernardo foi para o PCdoB. Para nós que já tínhamos experiência no Grupo dos 11 do Brizola, o PCdoB apresentava uma perspectiva de resistência à ditadura.

Da China à Albânia

André GraboisEm 1966 eu fui para a China. Fui com o André Grabois e um pessoal. Acho que nós fomos o segundo grupo. Não me lembro bem. Eram doze companheiros. Nós fomos para ir para o Araguaia.
Mas sem a gente saber disso. Eu sabia que era para ir para a base de apoio e tal. Nesse momento já estava generalizada essa discussão sobre a guerrilha. O Marighella baixou aqui com a tarefa de dissolver o nosso comitê regional, porque nós estávamos querendo fazer guerrilha, aí desmontaram nossa estrutura aqui. Mas eles não conseguiram mais nada em São Bernardo, em boa parte de Santo André e Diadema. Aí construímos o PCdoB aqui e, em 1966 o Partido me deu a tarefa de ir para a China. Ficamos um ano lá.
Chegamos em Pequim. Fomos para a Academia, que não era militar, Academia Política, para estudar a situação econômica e política mundial, e a organização do movimento sindical.
Eu, como era sindicalista, já tinha o convite dos sindicatos. Por isso eu fui legalizado para a China. Não fui clandestino. Eu tirei meu passaporte e viajei com meu nome legal. Peguei um ônibus daqui para o Rio de Janeiro. Peguei um avião para Paris. De Paris para Pequim. Na volta que o negócio complicou. Por que quando fomos voltar, no final de 1966, alguns companheiros tinham sido presos. Descobriu-se que a polícia brasileira, que já estava bem mais estruturada (em 64 era uma confusão do diabo, né?), viu todo nosso retorno. Quando eu cheguei em Paris o combinado era que eu seria o primeiro a descer no Rio de Janeiro e ia mandar os outros voltarem. O primeiro grupo. Nós estávamos em um grupo de seis. Os outros seis ficaram esperando em Pequim. Quando eu estava indo para pegar o avião, em Paris, tinha uma companheira nossa. Eu falei “o que você tá fazendo aqui?”. Ela responde: “tem como contatar o resto do pessoal?”.

Carol: Era a Elza [Monerat]?

Derly: Não sei. Naquela época a gente não sabia. Mas, em princípio, era ela. Nós voltamos a nos ver várias vezes depois disso. Era muito rigorosa essa questão da clandestinidade. Eu não tinha porque saber o nome dela. Ela sabia o meu porque estava aberto.
Bem, aí eu falei: “Tem”. E ela falou “Vocês não podem voltar senão vai todo mundo em cana. Vocês tem que voltar para a China”. Fazia uns oito meses que eu não tinha nenhum contato com a minha família, meus filhos, não tinha nenhuma informação sobre nada. Estava completamente isolado. Barra pesada. Foi exatamente nesse momento que a minha mulher teve um descolamento da retina, meu filho ficou cego, um rolo!
Aí eu entrei em contato com o pessoal e fui à Embaixada da China para ver o retorno nosso para lá.
Estávamos em plena guerra do Vietnã. Quase fomos presos no Paquistão, que estava na rota para chegar à Pequim. Os chineses falaram: É complicado! Mas vou apresentar vocês para os albaneses. Os albaneses então falaram: Venham para cá! Vocês não vêm nem como exilados. Vem como convidados!. Fiquei acho que um ano na Albânia.
Fui estudar cooperativismo, né? Fiquei um ano em uma cooperativa. Fizemos um estudo sobre a revolução albanesa, que era completamente diferente da China do ponto de vista político e cultural.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

Notas da redação:
(1) Equipamentos Villares S.A.
(2) Novos Rumos era o jornal publicado pelo PCB.
(3) A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels.
(4) Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels.
(5) Henrique Batista Duffles Teixeira Lott foi candidato à Presidência da República pela coligação governista PTB/PSD na eleição presidencial brasileira de 1960.
(6) Campanha da Legalidade.
(7) Em março de 1936 Prestes é preso, perde a patente de capitão e inicia uma pena de prisão que durará nove anos.
(8) Em 18 de abril de 1945, foi decretada a anistia geral para todos os condenados por crimes políticos praticados a partir de 16 de julho de 1934, data da promulgação da constituição de 1934.
(9) Nikita Khrushchov foi secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) entre 1953 e 1964.
(10) O nome de fundação do partido, em 1922, é “Partido Comunista do Brasil”, mas seus militantes se referiam a este indistintamente como Partido Comunista Brasileiro e Partido Comunista do Brasil, como demonstra a carta de Astrojildo Pereira à Internacional Comunista, em 9 de agosto de 1922.Em setembro de 1960 o PCB decide instituir uma campanha para a conquista da legalidade, o que o faz, inclusive, adequar-se juridicamente, alterando sua denominação de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, mas mantendo a sigla PCB. Decidiu pelo abandono do IV programa e pela aprovação imediata de outro. Nesse processo forma-se, no interior do Partido, um grupo de descontentes em relação à nova linha adotada, que conhecido como Ala Vermelha e, em 1962, constituí o PCdoB, sob liderança de João Amazonas.
(11) Com a Anistia de 1979, e a volta do pluripartidarismo no Brasil, muitos políticos ao voltarem do exílio, tentaram recuperar os antigos partidos. Leonel Brizola surge naturalmente como o principal líder do antigo PTB, e tenta reorganizar a legenda. Porém, é surpreendido pela ação concorrente de Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio. Após disputas judiciais, o TSE decide finalmente conceder a legenda ao grupo liderado por Ivete Vargas, que agrupava políticos que não coadunavam com os ideais trabalhistas históricos do partido, sem também possuírem uma história partidária no antigo PTB. Considerando que o novo PTB não representava mais os ideais trabalhistas históricos, o grupo liderado por Leonel Brizola formou um novo partido, o Partido Democrático Trabalhista.  PDT, cuja fundação é considerada a partir da Carta de Lisboa, de 17 de junho de 1979.

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