A ideia de privatizar a administração de aeroportos brasileiros deve acabar criando uma dívida para o governo federal junto a empresas do setor. A União, que esperava ganhar com a venda do controle dos terminais, agora calcula quanto deve gastar para indenizar companhias que pagaram para assumir os espaços e depois se arrependeram do negócio.
O Ministério da Infraestrutura, agora sob a supervisão do presidente Jair Bolsonaro (PL), pretende realizar ainda neste ano a sétima rodada de leilões de aeroportos e, com isso, privatizar a administração dos últimos terminais antes mantidos pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), uma estatal.
Acontece que a concessão de três aeroportos, leiloados durante as três primeiras rodadas de negociação de terminais, já fracassaram. Companhias que pagaram bilhões de reais pelo controle dos espaços alegam que o movimento previsto para eles não se concretizou. Por isso, decidiram devolver os aeroportos à União, mas desejam ser reembolsadas por obras realizadas e até por parte da outorga que pagaram.
Os aeroportos em processos de devolução são:
1. Aeroporto de São Gonçalo do Amarante
. Cidade atendida: Natal (RN)
. Ano da concessão: 2011 (primeira concessão do setor aeroportuário)
. Outorga: R$ 170 milhões, sendo R$ 78 milhões já pagos
. Investimento realizado: R$ 700 milhões
. Concessionária: Inframerica
2. Aeroporto de Viracopos
. Cidade atendida: Campinas (SP)
. Ano da concessão: 2012 (durante a segunda rodada de concessões)
. Outorga: R$ 3,82 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão já pago
. Investimento realizado:R$ 3,1 bilhões
. Concessionária: Aeroportos Brasil Viracopos
3. Aeroporto do Galeão
. Cidade atendida: Rio de Janeiro (RJ)
. Ano da concessão: 2014 (durante a terceira rodada)
. Outorga: R$ 19 bilhões, sendo R$ 6,1 bilhões já pagos
. Investimento realizado:R$ 2,6 bilhões
. Concessionária: RIOGaleão
Expectativas frustradas
O programa de concessões aeroportuárias surgiu em 2011, ainda durante o primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e dura até hoje. O primeiro aeroporto concedido a uma empresa no Brasil também é o primeiro cuja concessão fracassou. O controle sobre o terminal de São Gonçalo do Amarante, nas redondezas de Natal (RN), foi leiloado em 2011. Em março de 2020, a Inframerica, empresa que o arrematou, comunicou à União que gostaria de devolvê-lo.
“Nos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) feitos no início da concessão, a expectativa era que o terminal potiguar movimentasse 4,3 milhões de passageiros em 2019. Contudo, o fluxo registrado foi de 2,3 milhões”, escreveu a Inframerica, citando uma das justificativas que a fizeram desistir do negócio.
Também em 2020, a concessionária do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), desistiu do terminal. A empresa, que o arrematou em 2012, passava por uma crise. Chegou a entrar em recuperação judicial.
Segundo ela, no entanto, a desistência ocorreu porque o governo não entregou uma área no entorno do aeroporto para que ela explorasse comercialmente o espaço. A entrega, informou a concessionária, estava prevista no contrato de concessão. O governo, aliás, teria se negado a revisar o acordo mesmo não cedendo o terreno.
Já mais recentemente, em fevereiro deste ano, foi a vez da RIOGaleão comunicar ao governo que não tem mais interesse em administrar o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. A empresa arrematou o controle do terminal por R$ 19 bilhões em 2014 e realizou investimentos de R$ 2,6 bilhões nele para a Olimpíadas de 2016.
O problema é que a economia brasileira entrou em declínio, afetando o movimento de passageiros. Por isso, segundo a empresa, seus negócios tornaram-se inviáveis.
“A queda na demanda por commodities provocou um fraco crescimento econômico do país na pós-recessão, período em que o tráfego de passageiros caiu cerca de 7%. Já em 2020, a pandemia de covid-19 provocou uma queda de 90% do número de voos no Brasil e enfraqueceu ainda mais as condições de operação do aeroporto”, explicou a concessionária.
Direito de empresas
Até o momento, nenhuma das três administradoras de aeroportos deixou de realizar a manutenção de seus terminais. Isso deve ocorrer quando o governo realizar um novo leilão das concessões e, principalmente, acertar suas contas com as empresas.
Por contrato, as concessionárias têm direito a uma indenização pelos investimentos que realizaram nos aeroportos e que não irão recuperar justamente porque desistiram do negócio. O cálculo do valor dessa indenização leva em conta diversos fatores. O governo ainda não tem estimativas confiáveis sobre o montante.
Em agosto do ano passado, o ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União (TCU), chegou a cobrar o governo sobre esses cálculos ao analisar o processo para revenda da concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Para Cedraz, não era razoável que o governo relicitasse o aeroporto sem saber quanto terá de pagar para que a atual concessionária definitivamente deixe o controle do espaço.
O governo já disse que pretende usar o dinheiro que arrecadar no novo leilão do aeroporto para pagar a indenização da atual concessionária. Essa possibilidade está, inclusive, prevista em lei sobre a relicitação de bens concedidos. A empresa investiu cerca de R$ 700 milhões no terminal. A outorga mínima do novo leilão, porém, está estimada em R$ 230 milhões –ou seja, R$ 470 milhões a menos.
Cedraz viu risco de que essa diferença acabe virando uma dívida para a União. Recomendou, inclusive, que discussões sobre o orçamento federal levem em conta essa questão.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável pelas concessões dos aeroportos, disse que o valor da indenização que será paga à Inframerica ainda está em estudo. Declarou, porém, que o processo de relicitação do aeroporto está em curso. O novo leilão da concessão do terminal de São Gonçalo do Amarante deve ocorrer neste ano.
Viracopos e Galeão preocupam
Dentro da Anac, ainda há uma expectativa de que o novo leilão arrecade recursos suficientes para o acerto de contas com a Inframerica. Contudo, segundo um funcionário da própria agência ouvido pelo Brasil de Fato, esse acerto de contas sem uso de recursos públicos é praticamente impossível no caso de Viracopos e Galeão.
Os investimentos nos dois aeroportos chegam a R$ 5,7 bilhões. Envolveram construção de armazéns, edifícios-garagem e até um terminal de passageiros completamente novo –este, no Aeroporto de Viracopos.
No caso do Aeroporto do Galeão, a concessionária chegou a antecipar o pagamento de parcelas da outorga de R$ 19 bilhões. Parcelas referentes a 2022 e 2023 já estão quitadas. Como a empresa desistiu da concessão, quer esse valor de volta.
Levando tudo isso em conta, as concessionárias esperam receber um valor bilionário de indenização. Contudo, como a rentabilidade dos aeroportos já não é aquela de quando eles foram leiloadas pela primeira vez, nas empresas, poucos acreditam que a nova licitação levante fundos suficientes para esse pagamento.
“Esse contrato foi mal feito”, disse Francisco Lemos, presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina), o qual representa os funcionários da Infraero. “Que modelo é esse? Quando uma empresa tem prejuízo e desiste do negócio, pede o dinheiro de volta.”
Governo otimista
O governo já recebeu mais de R$ 7,5 bilhões em outorgas da concessão desses três aeroportos desde 2011. O dinheiro já entrou no caixa público e saiu para pagamento de outras despesas.
Indenizar investimentos realizados pelas concessionárias hoje demandaria a reserva de novos recursos no Orçamento da União. Foram investidos nos três aeroportos mais de R$ 6 bilhões. Isso é mais que o governo reservou para investimentos públicos nas universidades públicas federais em 2022.
Procurada pelo Brasil de Fato, a Anac confirmou o direito a indenização das concessionárias arrependidas, mas disse que o valor desses reembolsos ainda está sendo calculado pela agência e será auditado.
A Anac informou que valores pagos a título de outorga não são indenizáveis, ou seja, não serão devolvidos pelo governo às concessionárias.
Ainda segundo a Anac, oficialmente, a indenização deve ser paga, prioritariamente, pela concessionária que assumir o aeroporto após nova licitação. Para a agência, contrariando o alerta do TCU, é “improvável” que a União tenha que colocar dinheiro próprio para reembolsar investimentos feitos pelas atuais administradoras dos terminais.
“Historicamente, os leilões vêm atraindo grande interesse de investidores e têm gerado ágios elevados, sendo improvável que haja a necessidade de desembolsos de valores adicionais pela União a título de indenização à antiga concessionária”, declarou.
No último leilão de aeroportos, a maior outorga paga pelo controle de terminais foi de R$ 2,18 bilhões. Neste caso, contudo, a empresa CCR se dispôs a pagar esse valor, mas para assumir a administração de nove aeroportos de uma só vez.
Fonte: Brasil de Fato | Curitiba (PR)