O governo do estado de São Paulo tem anunciado a intenção de privatizar no próximo período dois dos principais serviços essenciais que atualmente possuem a maioria das suas ações sob gestão pública.
É o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da administração das linhas públicas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Entendendo que os processos de privatização podem ser definidos como a venda de bens públicos à iniciativa privada, essa transferência de responsabilidade, gestão e fiscalização – tanto em relação aos serviços prestados quanto ao montante de verba gerado – gera preocupação em parte da população.
Este é o motivo da mobilização que está sendo realizada por diversas categorias de trabalhadores e centrais sindicais que são contrários ao projeto de privatização do governo do estado de São Paulo.
É o que explica a presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Camila Lisboa, que estava panfletando na estação do Brás contra a privatização das empresas públicas.
Camila ressalta que os trabalhadores estão fazendo uma campanha conjunta contra a privatização do Metrô, da CPTM e da Sabesp.
“Parte dessa campanha é a gente vir aqui nas estações de trem e Metrô conversar com os usuários desses serviços públicos e falar sobre o impacto da privatização na vida deles”, detalha.
Camila conta que, no dia 5 de setembro, será realizado na quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, o ato de lançamento de um plebiscito popular que pretende ouvir a população acerca das privatizações.
“O próximo passo dessa mobilização, dessa luta, dessa campanha é o ato de lançamento do plebiscito popular. Nós queremos fazer um plebiscito com toda a população do estado de São Paulo perguntando se as pessoas concordam com a privatização do Metrô, da CPTM e da Sabesp. E em todas essas empresas o processo de privatização já vem se desenvolvendo há algum tempo através da terceirização de algumas funções, parando de dar subsídio e de investir recurso público nessas empresas. Então a privatização é um processo que vem se desenvolvendo há muitos anos, mas o governo Tarcísio está disposto a acelerar mais esse processo, inclusive com algumas datas marcadas”, ressalta Camila.
Rene Vicente, trabalhador da Sabesp que também estava no ato de panfletagem, defende que as categorias devem estar unidas e em diálogo com a população, sobretudo explicitando o que está por trás da maioria dos processos de privatização.
“Nós achamos que é importante a unidade dessas categorias no diálogo com a população, na disputa da narrativa com o governo do estado, que quer entregar esses patrimônios públicos à iniciativa privada, na lógica do lucro. No nosso caso específico, que é a luta dos trabalhadores da Sabesp, a maior companhia de saneamento básico do Brasil e uma das maiores da América Latina, ele [governador Tarcísio de Freitas] quer entregar uma empresa que só no ano de 2022 teve um lucro de R$3,1 bilhões. E ele quer entregar essa empresa para a iniciativa privada”.
Resposta do governo sobre a privatização em São Paulo
Questionada sobre os motivos pelos quais o governo defende a privatização da Sabesp, do Metrô e da CPTM, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo do estado de SP se restringiu a dar somente algumas informações em relação à privatização da Sabesp.
De acordo com e-mail respondido pela Secretaria:
“o Governo de SP estabeleceu a meta estratégica de antecipar, de 2033 para 2029, a universalização dos serviços de saneamento básico nos 375 municípios atendidos pela Sabesp. Isso implica levar água e esgoto tratado para mais 10 milhões de pessoas. Para alcançar esse objetivo, a Sabesp precisará investir R$ 66 bilhões ao longo desse período. Na opção definida para a desestatização da Sabesp, os investimentos serão garantidos no contrato de concessão que será assinado com os municípios, com base no novo marco do saneamento. Além disso, o Governo de SP permanecerá na empresa, para acompanhar o seu crescimento e garantir o cumprimento das metas”.
Falsos argumentos a favor da privatização
Para a economista e professora universitária Karina Fernandes, os argumentos utilizados pelo governo para privatizar as empresas estatais, não fazem parte da melhor alternativa de política econômica, tendo em vista a valorização da soberania e dos direitos sociais.
“O argumento que paira é que o Estado não daria conta de universalizar esses serviços. Só que, do meu ponto de vista, a gente precisa pensar que a austeridade sobre as próprias receitas do Estado – como a política tributária e a não taxação dos mais ricos, por exemplo – contribui para que o Estado não arrecade também um montante que possa servir pra a gente reestatizar, por exemplo, empresas que foram privatizadas. Então esse contraponto é muito importante pra que a gente crie saídas pras empresas públicas serem mais abrangentes e mais eficientes”, considera.
Karina defende, ainda, que a privatização em São Paulo de empresas públicas tira da população o direito ao acesso a serviços essenciais como água, saneamento básico e transporte público, mas também tira o poder de fiscalização e cobrança de um bom serviço prestado.
“Tirar o direito ao acesso básico à água, ao transporte, à saúde, à educação, é de fato tirar a decisão da própria população de como isso vai ser efetuado, como isso vai impactar na nossa vida. E também tirar a capacidade de pressão. Eu acho que aí tá uma perspectiva muito importante que a gente tem que pensar. Quando, por ventura, o serviço pode ser ineficiente, a gente consegue se organizar enquanto população pra cobrar uma empresa pública. E eu consigo, por ora, inclusive sentar na mesa do jogo pra colocar que no meu município não tá tendo acesso. Quando você tem a privatização você também tem que pensar na privatização das decisões políticas daquela empresa específica. Na privatização da decisão, por exemplo, pra que município vai a água?”, questiona.
Rene defende que os argumentos apresentados pelo governo, que justificam a venda das empresas públicas, vão no caminho contrário do que a realidade de outros processos de privatização mostraram, sobretudo no Brasil.
“O governo do estado tem colocado perante a opinião pública que se privatizar vai modernizar empresa, vai aumentar a concorrência, que a concorrência vai fazer baratear os custos e os serviços prestados à população. Isso na nossa opinião é uma grande falácia. Porque os exemplos que nós temos vai justamente no caminho contrário, que é da concentração de renda e do monopólio”, argumenta.
Perguntada sobre quem ganha com a privatização em São Paulo , a presidente do Sindicato dos Metroviários lembrou que todos os serviços que foram privatizados no Brasil tiveram as suas tarifas aumentadas ao passo em que a qualidade do serviço não sofre melhora.
“E uma das formas também de o acionista ganhar muito dinheiro é aumentar a tarifa do serviço. Todos os serviços que foram privatizados no Brasil tiveram as suas tarifas aumentadas. Então é essa a tendência de acontecer. Tanto na Sabesp, quanto no Metrô e no trem. Quem paga é a população, é o usuário que precisa desse serviço. Só que contraditoriamente, as linhas privadas são as que tem apresentado maiores problemas. Porque são justamente as linhas que trabalham com a lógica da redução de custo pra ter mais lucro para os seus acionistas. Então hoje em São Paulo tem um caos na Linha 8 e 9. Todo mundo tá vivendo essa experiência”, lamenta.
Enquanto conversa conosco, René faz contas e compara. “Os exemplos são claros: você pega hoje a Sabesp aqui no estado de São Paulo, ela fornece 10 mil litros de água tratada a uma família em situação de vulnerabilidade, a um preço de R$ 20,R$ 30. No Rio de Janeiro, essa mesma tarifa custa R$ 45,20”, pontua.
Na avaliação da economista, o processo de privatização em São Paulo pensado para a Sabesp será semelhante ao da Eletrobrás, que foi vendida em junho de 2022, sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“A gente precisa entender que esse processo de privatização vai ser muito parecido com o processo de privatização da Eletrobrás, pelo menos é isso que tá colocado por ora. O modelo, pelo o que eu tô compreendendo e pelo o que o governo está colocando, é o modelo do follow on, que é uma oferta adicional de ações e diluição da participação acionária do estado. E o que isso significa – pra tirar o economês da prosa e a gente conseguir compreender o quanto isso é ruim pra população brasileira e especialmente pro estado de São Paulo – é que o estado perde o status de empresa majoritária dentro de uma empresa que já é mista. O Estado perde a capacidade de decidir publicamente, ou seja, enquanto interesse coletivo, as decisões sobre água e saneamento. A Sabesp é a terceira maior empresa de saneamento do mundo. Ela é patrimônio público. E falar de água e saneamento é falar de saúde da população. Então a gente tem que compreender essa complexidade pra compreender o quanto isso pode e vai modificar na vida da população brasileira e do estado de São Paulo”, ressalta.
Para Camila Lisboa, os impactos causados pelo processo de privatização como está sendo apresentado pelo governo de Tarcísio de Freitas, geram uma receita que visa a piora do serviço prestado.
“Então o impacto sobre a população é um serviço pior, porque você não tem manutenção direito, você tem trabalhadores numa atividade sensível trabalhando mais tempo, você tem mais baixos salários e você tem acionista querendo ganhar muito dinheiro. Então essa é a receita ótima pro serviço piorar”, destaca.
com informações do Brasil de Fato
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