Uma das prioridades do governo federal ainda para este ano é a privatização da gestão de portos brasileiros, entre eles o maior da América Latina, que é o de Santos, no litoral paulista. A notícia só é boa para iniciativa privada. Com a venda, perde o país, os municípios da região e a população, avaliam economistas, parlamentares, prefeitos e representantes dos trabalhadores.
De acordo com eles, a decisão de privatizar a gestão dos portos não leva em consideração questões como a segurança e a soberania do país, a proteção ao meio ambiente, nem aspectos trabalhistas e questões econômicas relacionadas aos municípios onde estão localizados.
Pelo porto de Santos passam 27% da balança comercial do país, ou seja, as transações comerciais com o exterior. É também deste porto que zarpa grande parte dos chamados cruzeiros – viagens turísticas em transatlânticos – que atraem milhares de pessoas de todas as partes do país (e do mundo) todos os anos.
Na temporada, 2018/2019, antes da pandemia, 604,2 mil passageiros embarcaram nesses cruzeiros. Desde que foi inaugurada a primeira temporada, em 1998, o Terminal Marítimo de Passageiros – Giusfredo Santini (Concais) já registrou 10,9 milhões de desembarques e embarques e pessoas em trânsito. Toda essa movimentação contribui para o comércio e a rede hoteleira das cidades da baixada santista, gerando empregos, renda e arrecadação para os municípios.
Com a privatização, que segundo o secretário nacional de Portos do Ministério da Infraestrutura, Mario Povia, já está com prazo “no limite” para o governo, tanto a movimentação da balança comercial do porto como as atividades e divisas geradas pelo turismo estarão em risco.
A gestão portuária é responsável, entre outros pontos, por políticas de atração de cargas, de incentivo a pequenos e médios empresários que não têm como arrendar terminais como grandes empresas fazem nas áreas que já são privatizadas e isso não interessa à iniciativa privada, explica o diretor executivo da CUT e presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo Guterra.
A gestão portuária é o espaço para os pequenos e médios atuarem. Essas empresas podem não ter recursos para operar, mas têm política e logística para trazer cargas de outros lugares – políticas que são gestadas pelo Estado. Na iniciativa privada a lógica é de lucro e eles serão prejudicados – Eduardo Guterra
“Muito em recursos públicos foram investidos para incrementar o turismo. Se privatizar isso vai continuar?”, questiona o dirigente citando outro problema que a privatização representa tanto em relação à perda do que já foi investido quanto na geração de emprego, renda e impostos para a região.
De acordo com Guterra, o modelo de privatização da gestão portuária permite que a empresa que venha a assumir conduza a gestão de acordo com seus próprios interesses, ou seja, visando o lucro. “Sem se preocupar com questões como a segurança, o meio ambiente e até o turismo”.
O presidente da FNP reforça ainda que os principais portos do mundo não têm esse modelo, justamente porque os países onde estão localizados, como Holanda e Estados Unidos, “sabem da importância estratégica de seus portos que são como fronteiras”.
Rolo compressor
Os argumentos do governo para a privatização são de que a gestão portuária precisa ser modernizada para fomentar o comércio exterior e de que isso vai gerar emprego. Mas, mais uma vez, as alegações são rebatidas por quem conhece a realidade tanto dos portos como dos municípios.
“Não vai gerar emprego. Uma vez na mão da iniciativa privada, ocorrerá justamente o contrário. Os servidores – concursados – perderão seus empregos e a iniciativa privada fará a gestão com foco no lucro. Se os pequenos e médios empresários perdem seus espaços para operar, significa que na iniciativa privada também não haverá geração de postos. Vai reduzir os empregos avulsos”, diz Guterra.
Autoridades locais também rebatem os argumentos do governo. Em entrevista nas redes sociais, a vereadora e ex-prefeita de Santos, Telma de Souza (PT), afirmou que é mentira que a privatização vai gerar mais empregos.
“Onde a iniciativa privada vai ter como objetivo gerar empregos? O objetivo da iniciativa privada é ter lucro”, disse.
Segundo Telma, ao privatizar a gestão do porto, o governo estará tirando a autonomia, a possiblidade de deliberação e a de interferir no zoneamento da própria cidade. “Principalmente no poder que a população pode e deve ter através dos empregos ou como munícipes em relação ao porto”, disse a vereadora
“Estamos falando do coração nossa cidade e a gente não pode deixar essa discussão ser barateada ou diminuída”, disse Telma sobre as argumentações apresentadas pelo governo.
Até o prefeito da cidade, Rogério Santos, que é do PSDB, partido simpático às privatizações, já expressou contrariedade à privatização. Ao Tribunal de Contas da União a à Agência Nacional de Transporte Aquaviário, ele enviou notas técnicas relatando problemas que serão enfrentados pela cidade.
Baixada Santista
O porto de Santos é uma das principais atividades econômicas da região que compreende nove municípios (Santos, São Vicente, Guarujá, Bertioga, Cubatão, Praia Grande, Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá). Cerca de 1,9 milhão de habitantes vivem nessas cidades. Somente em Santos, são mais de 430 mil.
“Uma dar forças motrizes da economia da baixada é o porto de Santos. Gera empregos. E não tenho dúvida da importância do comércio exterior que passa pelo porto de Santos e que tem na gestão portuária pública um importante facilitador”, diz Eduardo Guterra.
Além disso, e conforme citou a vereadora santista, além da perda de arrecadação com um enfraquecimento da atividade econômica local, toda a infraestrutura física da cidade e seu entorno também estariam comprometidos.
“Vai continuar passando caminhão fazendo buracos, trens, enfim, toda a estrutura sem que o município possa opinar e decidir sobre sua própria cidade”, pontuou Guterra.
Gestão lucrativa
A autoridade portuária de Santos (denominada SPA – Santos Port Authority – sigla em inglês) é uma empresa pública que tem dinheiro em caixa e, portanto, sem necessidade de ser privatizada, segundo o presidente da FNP.
“Tem dinheiro em caixa e arrecadação. São recursos que podem e devem ser destinados à modernização, mas sob responsabilidade do Estado, seguindo a gestão modelo em todo o mundo, de Landlord Port, que tem como característica principal a gestão pública dos portos”, conclui o dirigente.
Fonte: Portal CUT