Esta é a terceira de uma série de reportagens do Brasil de Fato sobre os riscos que a qualidade do ar no Brasil representa para a saúde da população.
O eventual adiamento da nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), prevista para começar em 2022, pode lançar 20% mais gases tóxicos na atmosfera das grandes cidades brasileiras.
Desde agosto, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores afirma que, por causa da pandemia do coronavírus, o setor precisa de mais tempo para se adequar. O relaxamento do prazo no entanto, vai significar uma piora considerável no ar.
Um relatório produzido pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), aponta que se a nova fase for postergada por três anos, como pedem as montadoras, a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP) vão aumentar respectivamente 20% e 11%. O NOx está diretamente ligado ao desenvolvimento de problemas pulmonares. Já o MP, formado por partículas finas de fuligem e outros componentes, causa males cardiorrespiratórios.
“Tem toda uma frota hoje, já movida a combustão, que não vai ser substituída imediatamente.”
Os autores do estudo desenvolveram projeções para quatro realidades diferentes: uma com o cumprimentos das datas estabelecidas para a próxima fase, a segunda com o adiamento por três anos, e a terceira e a quarta com esses mesmos cenários, mas um aumento na frota de veículos elétricos do país. Nesses dois últimos casos, o estudo revela que a eletrificação e hibridização não terão grandes impactos na emissão de gases pela próxima década no Brasil, porque a frota com motores a combustão continuará circulando.
O geógrafo e engenheiro químico, David Tsai, autor do estudo, explica que foram levados em consideração as projeções de hibridização e eletrificação do Ministério de Minas e Energia. Segundo ele, mesmo nos cenários mais otimistas, a mudança não será substancial. Por outro lado, o Proconve terá efeito imediato nos veículos novos. “Da noite pro dia você baixa o fator de emissão em dez vezes”, afirma David,
“O que a gente viu é que mesmo em um cenário com maior expectativa de entrada de veículos elétricos e híbridos, ainda assim isso vai acontecer em um passo mais lento. Talvez a gente ache que vai mudar tudo de uma vez, mas é uma entrada gradual. Além disso, tem toda uma frota hoje, já movida a combustão, que não vai ser substituída imediatamente”, explica o pesquisador do Iema.
Projeção tóxica
Por meio do relatório é possível ter uma ideia sobre a variação da quantidade de poluentes no decorrer dos anos. O adiamento vai lançar 5,6% a mais de óxidos de nitrogênio na atmosfera em 2023, por exemplo. Dez anos depois, em 2032, o índice chegará a 20%. Isso significa que uma criança nascida em 2020 em uma metrópole brasileira, aos doze anos, estará respirando um ar consideravelmente pior e correrá mais risco de ter doenças como a pneumonia.
Vai ser um ecocongestionamento.
David Tsai afirma que, em uma realidade de poucas políticas de alternativas ao aumento da frota, até o Proconve esbarra em limitações para que o Brasil consiga diminuir emissões. Abrir mão dos prazos da nova fase, é deixar de lado o mínimo que vem sendo feito. Para resultados mais concretos, é preciso também ampliar políticas que mudem a estrutura das cidades e tragam alternativas mais eficientes de transporte.
“O Proconve não é exatamente um programa de gestão ambiental. Ele é um programa de atualização tecnológica e industrial. Ele está a reboque da indústria global automotiva. Trouxe um resultado positivo, isso é inegável. A queda de emissões é bastante nítida. Agora, a atividade veicular traz uma série de outros problemas. Se vier só o veículo elétrico, tudo bem, o ar pode até ficar limpo. Mas vai estar todo mundo parado no trânsito. Vai ser um ecocongestionamento.”
O estudo ressalta que haverá piora em uma situação que o Brasil já não consegue controlar, “os NOx, além de causarem danos à saúde por si só, também são precursores da formação do ozônio (O3) troposférico, um poluente cujas concentrações ambientais vêm há décadas violando os padrões de qualidade do ar em cidades brasileiras que o monitoram.”
Postergar o prazo para que as indústrias se adequem à nova fase do Proconve não vai apenas aumentar a poluição no Brasil, mas também adiar as tentativas de controle de emissões. Com três anos a mais de veículos pesados sem tecnologia limpa, só será possível observar queda de NOx a partir de 2037. No caso do material particulado, liberado pelo escapamento e também pelo desgaste dos pneus e pista a liberação do componente permanecerá com alta acima de 10% entre 2027 e 2043.
“A poluição do ar é a maior responsável pelas mortes. Esse ano só perdeu para a covid.”
Em relação ao MP, o desafio é ainda maior. O relatório explica que as emissões por desgaste “seguem em crescimento proporcional ao aumento da distância total percorrida pelos veículos” e pede atenção ao fato de que elas “nunca foram objeto de medidas de controle”.
Segundo o documento, “o Proconve contribuiu para estabelecer uma trajetória decrescente (…) Mas as projeções indicam que haverá uma inflexão na curva de emissões, que passam a aumentar a partir de 2035, aproximadamente.”
David Tsai explica que os níveis de poluição no Brasil já estão acima das recomendações da Organização Mundial da Saúde e dá como exemplo um cenário observado anualmente na cidade de São Paulo. “O número de mortes em São Paulo durante o inverno é maior e coincide com o pico da poluição. Isso é bastante coerente com o estudo da OMS que diz que a poluição do ar é a maior responsável pelas mortes. Esse ano só perdeu para a covid. Ou seja, precisamos de esforços para reduzir essas emissões.”
Para mobilizar a população na tentativa de barrar a mudança, a Coalizão Respirar criou o site Inimigo Invisível. Na página é possível enviar uma carta ao Conama e ao Ministério do Meio Ambiente a favor da manutenção dos prazos. A iniciativa reúne mais de 20 entidades civis em defesa da qualidade do ar no Brasil.
Fonte: Brasil de Fato