A região, que engloba 25 municípios e tinha 174 empresas em 2014, encerrou o ano de 2017 com 143 empreendimentos, segundo dado mais recente disponibilizado pelo Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). No mesmo período, o número de empregados no setor caiu de 9 mil para 5,4 mil. O recuo, de 40%, é bem superior ao que ocorreu no mesmo período no setor calçadista no Brasil, onde o total de postos de trabalho caiu 10,6%. A queda chega a mais de 12% se o ano de 2018 for incluído na conta.
O encolhimento do setor calçadista na região do Cariri é retrato do que ocorreu com toda essa indústria no Ceará. Entre 2014 e 2018, o setor perdeu 43% do seu faturamento – cerca de R$ 1,5 bilhão – e somou vendas de R$ 3,5 bilhões no Estado no ano passado, segundo o Observatório da Indústria.
No Cariri, em particular, a queda em ritmo acelerado pode ser explicada pela redução do poder aquisitivo das classes C, D e E, público que é atendido pelas empresas da região, durante a crise. Não bastasse a economia fraca, o polo enfrenta uma concorrência cada vez mais forte, que vem da região de Nova Serrana, em Minas Gerais, onde há uma crescente produção calçadista caracterizada pela informalidade. “A concorrência é desleal. Para nós, além de queda, é coice”, diz o empresário Altemir Sebastião Melo Rocha, dono da Terramaris, uma das mais estruturadas empresas da região do Cariri.
Na semana passada, Rocha deu férias forçadas por 15 dias a todos os seus 230 funcionários, devido à falta de encomendas. “Não há mais gordura para queimar. O próximo passo será demissão. São cinco anos de dificuldade, três de prejuízo no nosso caso”, conta.Antes das férias, a Terramaris estava fazendo 7 mil pares de calçados por dia, menos da metade do que fabricava antes de 2014.
Os empresários do Cariri relatam que, no fim do ano passado, houve uma onda de otimismo grande no varejo, com a expectativa de que o novo governo promoveria uma injeção de ânimo na economia. Mas, até agora, essa crença não se confirmou e os lojistas, com estoques elevados, suspenderam as compras no primeiro semestre.
Abelito Sampaio, presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados e Vestuário do Cariri, diz que boa parte das empresas que sobreviveu hoje na região está com metade dos funcionários. Na sua fábrica de injetados, restaram 60 funcionários dos 110 que havia em 2014. Ele produz calçados infantis, masculinos e femininos de PVC. A matéria-prima chega granulada, é derretida em fornos, colocada em formas e depois segue para as etapas de acabamento e montagem, que não são mecanizadas. Para o lojista, os produtos saem entre R$ 5 e R$ 8 reais o par.
Por negociar um calçado muito barato, as empresas do Cariri precisam ter uma escala razoável para ser rentáveis. “Com a queda na demanda, gente que tinha feito investimentos altos se tornou inviável”, diz Sampaio.
A situação se agravou porque o quilo de PVC subiu de R$ 3 para R$ 7 “nos últimos anos”, conta. O material, que vem só de dois fornecedores, ambos de São Paulo, tem seu custo atrelado ao dólar.
Quem atua fora do segmento de injetados – uma minoria na região do Cariri – também está com dificuldades. O empresário Cícero Davi Sobrinho produz o que chama de “calçados modinha”, principalmente sandálias femininas de material sintético que são vendidas de R$ 12 a R$ 22 para os varejistas.
“Foram quatro anos difíceis, mas esse tem sido o pior”, conta. Durante o mês de março, ele suspendeu as atividades da sua fábrica de 28 funcionários. Os salários estão atrasados. “Não consigo demitir mais porque tem gente que está há 15 anos comigo. Não sei como vai ficar. Hoje trabalho sem lucro. Mas se baixar a cabeça é pior”, diz.
Os incentivos fiscais atraíram grandes fábricas de calçados para ao Ceará nas últimas décadas. Também produtora de injetados, a Grendene, maior exportadora de calçados do país, tem uma unidade no Crato (polo do Cariri), uma em Sobral e outra em Fortaleza. A Vulcabras, dona da marca Olympikus, tem uma unidade em Horizonte, e há outras dezenas de fábricas de todos os portes espalhadas pelo interior do Estado. Juntas, elas somavam pouco mais de 52 mil empregos ao fim de 2017, 17,7% a menos do que em 2014.Ainda não há dados mais recentes de emprego no setor calçadista no Estado. Indicadores de produção física do IBGE indicam que houve alguma recuperação do setor no ano passado, quando o volume de pares produzidos subiu 2,1% sobre 2017, que já tinha apresentando uma melhora de 3,5% sobre 2016.
A resposta, no entanto, ainda foi insuficiente para compensar a retração em 2014, 2015, 2016, quando produção de calçados no Estado caiu 3,3%, 10,5% e 1,2%, respectivamente, de acordo com dados compilados pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). “O fundo do poço foi muito profundo”, afirma Witalo Paiva, analista de políticas públicas do Ipece.
Fonte: Valor Econômico