Eu escrevi meu primeiro romance em um tempo quando me senti impotente. Eu tinha 27 anos em 2016, e havia um público cômputo com os corpos das mulheres, mas também havia um cômputo com o qual eu estava lutando pessoalmente. Eu havia me sentindo tão impotente com o meu corpo por um longo tempo, que naquela época havia um conforto a ser encontrado na passividade, em passando pelos movimentos. Eu estava vagamente consciente de que havia uma outra, mais forte eu em algum lugar, mas eu mal podia vê-la ou lembrar dela. Na minha pele eu sentia medo.
Escrever um livro desnudou meu próprio cômputo, me fez sentir pior por um tempo. Mas também me abriu im a experiência de construir pontes no vão entre impotência e poder. Eu escrevi, e as pessoas leram – minhas palavras carregavam peso. Similarmente, ter um corpo, especialmente como mulher, significa experimentar aquele espaço entre poder e impotência, como determinado pelo modelo no qual o mundo foi construído: um corpo de homem branco cisgênero.
Considere quanta força é necessária, a carga mental de constantes avaliações de danos para lidar com o ataques violentos e viver num mundo cheio de misoginia. Nessa luz, a ideia de fraqueza feminina chega como não mais que um golpe, uma minimização intencional do poder embutido no histórico (e atual) conceito da mulher histérica, a mulher aterrorizante, justamente raivosa.
Nós não podemos escapar do fato de que dor não-masculina é consistentemente subestimada. Isso é bem documentado, mesmo em um mundo em que medir a dor é nebuloso, necessariamente contingente em níveis pessoais do que é suportável. Eu vi minhas próprias amigas ignoradas por médicos muitas vezes. Um médico homem disse para uma, por exemplo, que ela estava exagerando a dor de um cisto rompido, do tamanho de uma laranja. Os homens presenciam ataques do coração diferentemente das mulheres, e então seus eventos cardíacos são frequentemente perdidos. Isso é poder. Eu ouvi e li histórias de abortos, de ferimentos de partos que causaram pélvis quebradas, TEPT, incontinência. Falam sobre isso para mim em suspiros, como se houvesse uma conspiração sobre falar sobre essas coisas.
E então há locais de trabalho que não permitem a diferença, que ainda baseiam tudo no padrão macho, recompensa baseada no padrão macho, até mesmo para a saúde e medidas de segurança. Na NASA, para as primeiras caminhadas no espaço as roupas femininas furaram, por uma falta de roupas na medida certa. Mas a raiva das mulheres demonizada, e a dos homens aplacada. Nós temos que nos provar calmas, repetidas vezes, se quisermos ser levadas a sério.
Eu penso no barulho de fundo de nossa consciência coletiva sob o patriarcado: avaliando a violência, checando com os outros, tomando precauções. Pode ser difícil ouvir – às vezes é um murmurar, outras vezes é um alarme. Violência sob o patriarcado não é teórica. A memória disso vive em meu corpo, como vive em incontáveis outros corpos. Forma seus próprios tecidos e nós.
É importante lembrar que as mulheres também podem contribuir para nossa impotência. A Grã-Bretanha viu um preocupante aumento de feministas proeminentes e da corrente principal reduzindo tudo para a biologia, como um modo de recusar as experiências das pessoas trans. Quando as mulheres se alinham com a direita, ideologias patriarcais sobre o direito de existir em seu próprio corpo, é um exemplo chave de privilégio e poder trabalhando juntos com outros privilégios e poderes. As mulheres conspiram. As mulheres diminuem. As mulheres podem ainda manejar o poder destrutivamente, e reconhecer isso – nossa capacidade de fazer o mal – é necessário se quisermos possuir nosso poder.
Afastar-se do padrão de homem branco hétero requer abertura, não fileiras fechadas. Requer aceitar e respeitar os corpos, achando novas maneiras dos corpos se sentirem seguros.
Eu penso nas coisas que eu fiz para fazer o meu corpo se sentir mais seguro para mim. Meu tempo de levantar pesos, meu tempo de passar fome, meu período profundamente imprudente. Mesmo fazer coisas terríveis para meu corpo foi um tipo de privilégio. Nem todo mundo chega a se autodestruir e volta. Tudo para quê? Experimentar poder, testar limites? Saber que o que quer que aconteça externamente, eu o posso exercer meu próprio poder em algo, qualquer coisa?
Eu tenho poder, é claro. Eu sempre tive. Não posso fazer nada de imediato sobre o barulho de fundo; eu não posso fingir ignorar o perigo de entrar em um lugar obscuro sozinha. Mas eu também não posso ser mais passiva. Eu tenho a força de lutar contra a dor. Eu tenho um corpo que me deixa experimentar o poder em todas as suas formas. Eu compreendo meu próprio poder, e eu posso fazer o meu melhor para usá-lo para o bem, no entanto isso significa – apoiar outras com o melhor da minha capacidade, tentar encorajar novas escritoras, dar o meu dinheiro e o meu tempo. Trabalhar para um mundo onde raiva justa não pode ser desprezada.
Tradução: Luciana Cristina Ruy
Fonte: Time – “The Big Ideas”.
rita de cassia vianna gava
As mulheres são mais resistentes a dor.
Muitas vezes essa dor é substimada como se ela não tivesse direito de reclamar