O presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), em mais uma demonstração de machismo, disse que o Projeto de Lei (PL) nº 1558/21, que pune com multa empresas que praticarem discriminação de salários, pagando menos às mulheres do que aos homens na mesma função, torna ‘quase impossível’ a mulher conseguir emprego.
Em uma live e nas redes sociais, Bolsonaro disse também que “há lugares em que a mulher ganha mais do que o homem”, ignorando vários estudos e pesquisas, inclusive oficiais, que mostram que as mulheres ganham, em média, 70% do que ganham os homens.
Todo esse barulho presidencial ocorreu porque o PL foi votado e aprovado em março deste ano no Senado, dez anos após ser encaminhado à Casa pela Câmara dos Deputados, onde foi aprovado em 2011.
Como os senadores alteraram a proposta, abrandando a punição às empresas, entre outras modificações, o PL voltou para a Câmara dos Deputados para nova avaliação, o que poderia travar de novo a aprovação, especialmente após as falas do presidente. Mas, na quinta-feira (29), o Plenário da Câmara tomou uma iniciativa que pode impedir novo travamento da proposta: aprovou requerimento de urgência para a tramitação do projeto.
Para a professora de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Glaucia Fraccaro, a insinuação de Bolsonaro de que “pode ser que o pessoal não contrate ou contrate menos mulheres”, que “vai ter mais dificuldade ainda” [a contratação de mulheres] é uma mentira grosseira, velha, antiga, já desfeita e denunciada pelas ciências humanas desde o começo do século 20.
De acordo com Glaucia Fraccaro, que é militante da Marcha Mundial das Mulheres e foi coordenadora de autonomia econômica para as mulheres do Governo Dilma Rousseff, se o texto original do PL fosse aprovado e sancionado, poderia se tornar um mecanismo valioso para que as mulheres não sejam preteridas em cargos e funções que tenham maior remuneração. Poderia ser uma ferramenta de combate à desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, afirmou.
Diferente do que diz Bolsonaro, medidas como essa não prejudicam o emprego de mulheres. Pelo contrário, garantem salários dignos e direitos sociais que acabam sendo de grande valor, ainda mais neste momento de grave crise do país- Glaucia Fraccaro
De acordo com reportagem do UOL, deputadas da bancada feminista, que querem manter o caráter original do projeto, trabalham com a possiblidade de que somente o texto do Senado tem chances de ser sancionado pelo presidente da República, que já mostrou que é contra a igualdade salarial de gênero.
O governo também quer a garantia de que mulheres prejudicadas no passado não possam buscar na justiça os direitos que estariam garantidos pela nova lei.
Os textos, tanto da Câmara quanto do Senado, não preveem essa situação. Portanto, seria necessário outro projeto e isso poderia anular conquista de direitos nesse caso.
Expectativa
Para Junéia Batista, secretária da Mulheres Trabalhador da CUT, é muito improvável um ‘ganho de causa’ desse porte em um governo como o de Bolsonaro.
“Eu não acredito que neste governo, nesta situação que vivemos hoje, com um governo sem nenhuma vocação para representação, sem um olhar para a classe trabalhadora, para as mulheres e para diversidade, haja uma perspectiva de que o projeto possa ser aprovado”, diz a dirigente.
Mas, para ela, há uma esperança. “Enquanto Bolsonaro for governo, vamos continuar lidando com a discriminação, o conservadorismo, nesse processo de desigualdade. Então a luta se resume a 2022”, ela afirma se referindo a possibilidade de eleger um político que respeite as mulheres, a diversidade, os direitos da classe trabalhadora. .
“Estamos cheios esperança de que o próximo governo seja um governo que comece a olhar de novo para a classe trabalhadora. Essa é nossa luta, é o nosso papel principal hoje, hoje – eleger no ano que vem um executivo e um legislativo melhores”, complementou se referindo a escolha tanto do próximo presidente como de deputados e senadores.
O projeto
A proposta aprovada pelo Senado é de que as empresas que praticam salários menores para as mulheres em funções iguais às exercidas pelos homens sejam multadas em até R$ 805,07. O valor será destinado ao governo e não às trabalhadoras, conforme previa o texto original.
A proposta, de relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS), insere multa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a empresa punida deverá compensar a funcionária alvo da discriminação.
Ainda de acordo com o projeto, a indenização deverá ser multiplicada pelo período de contratação, até um limite de cinco anos. O projeto foi votado no Senado após pedido do relator e da bancada feminina da Casa.
Se fosse o texto original tivesse sido aprovado, as mulheres que se sentissem discriminadas no trabalho por salários menores do que o dos homens que exercem a mesma função, poderiam entrar na justiça contra a empresa e receber uma indenização de até cinco vezes a diferença do valor. Com a alteração do Senado, a multa é menor e o dinheiro vai para o governo.
Desigualdade
As diferenças salariais são observadas, em especial, nos setores predominantemente femininos, que são essenciais à sociedade como educação, saúde e trabalho doméstico.
Junéia Batista afirma que a diferença salarial entre gêneros ocorre porque a sociedade ainda é machista e patriarcal. “E começa no acesso ao trabalho, já que os homens têm muito mais chances de conseguir ocupar os postos de trabalho do que as mulheres”, ela completa.
A luta por trabalho igual salário igual existe, no mínimo, há 70 anos. O Brasil ratificou, na década de 1950, a Convenção 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da igualdade e remuneração entre homens e mulheres, por trabalho de igual valor.
Os números da discriminação
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brasileiras ganham 77,7% do salário dos homens, mesmo quando elas têm mais estudos do que eles. E com a crise sanitária, econômica e social que o país vive a distância salarial entre homens e mulheres em 2020 foi reforçada.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), elas seguiram ganhando menos, mesmo quando ocupavam cargos de gerência ou direção.
Para as mulheres, o valor médio, pago por hora, foi de R$ 32,35. Para os homens, o valor médio foi de R$ 45,83. Com a mesma escolaridade, elas ganhavam em média R$ 3.910 mensais e eles, R$ 4.910.
Fonte: CUT