Mariana Marques (Jornal da USP)
Dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), de 2018, apontam que cerca de 10% da produção têxtil paulista se transforma em resíduos sólidos (retalhos) gerados nas áreas de corte das confecções. Um grupo de pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, num estudo junto a empresas prestadoras de serviço de corte na região do Brás e Bom Retiro, identificou que peças mais elaboradas geram cerca de 25% da matéria prima têxtil cortada, sendo que algumas chegam a resultar em 35% de resíduos.
Para tornar mais sustentável essa que é uma das indústrias mais poluentes do mundo, os pesquisadores da EACH criaram o Núcleo de Apoio à Pesquisa de Sustentabilidade no Setor Têxtil e na Moda (Sustexmoda), grupo que desenvolve projetos com os resíduos da indústria têxtil e geram renda para comunidades em estado de vulnerabilidade na área metropolitana de São Paulo.
Coordenados pela professora Francisca Dantas Mendes, que faz parte do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, eles também têm tentado dar visibilidade a alternativas sustentáveis para processos poluentes ao longo da cadeia produtiva da moda. As atividades do grupo se iniciaram em 2014, motivadas pela inquietação dos cientistas da área com os impactos negativos gerados a partir dos processos têxteis. Depois, em 2017, o grupo foi homologado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) da USP.
De acordo com os pesquisadores, o impacto ambiental negativo da poluição gerada pela indústria têxtil atravessa todos os estágios da cadeia produtiva e de descarte do setor. O algodão, por exemplo, uma das principais matérias-primas das roupas, é responsável pela maior produção agrícola não alimentícia do mundo. Cultivado pelo sistema de monocultura (grandes propriedades de terra destinadas ao cultivo de apenas uma espécie), as plantações de algodão utilizam substâncias tóxicas (pesticidas e fertilizantes) de forma ampla. Como consequência, essas plantações intoxicam o solo, mananciais de água e comunidades inteiras.
Os danos ao meio ambiente não param na produção de matérias-primas. De acordo com a professora Francisca, há toneladas de tecidos que são descartadas antes mesmo do produto chegar às lojas, por exemplo, durante o processo de modelagem das roupas. “Esse é um dos resíduos de produção dos tecidos. Outros são das peças que não deram certo, que por algum motivo não ficaram boas e portanto não será possível vendê-las. Há também os pedaços de tecidos que vêm com defeitos; eles são cortados e não são utilizados para fazer peças de roupa”, explica a pesquisadora.
“Posteriormente nós temos um outro resíduo que é o pós-consumo, que são as peças prontas que não foram vendidas e não foram desejadas pelos consumidores. Elas ficam estocadas e como a moda é sazonal, você sempre está trazendo uma inovação, um novo produto de moda. Então, aquele produto fica obsoleto, os clientes não querem mais.”
“Dentro do sistema esse processo de obsolescência também foi acelerado com produções e coleções lançadas mensalmente ou até quinzenalmente. Esses produtos pós-consumo, quando não vendidos, são descartados de alguma forma e muitas vezes inadequadamente”, destaca Francisca.
Novas visões sobre a moda
Os projetos também permitem que os alunos do curso desenvolvam novas visões sobre a moda. Thayan Venturini, estudante de graduação do curso de moda e têxtil, conta que, em um primeiro momento, o uso de materiais sustentáveis começou a fazer parte das suas produções por conta da necessidade. Ex-bolsista de uma instituição de ensino superior, Thayan os utilizava para conseguir realizar as atividades de produção.
“Conforme fui vendo como funcionaria o curso, percebi que seria inviável comprar os tecidos e materiais para fazer os trabalhos, então o upcycling apareceu na minha vida dessa forma. Ainda assim, era muito gritante a minha realidade entre a Brasilândia e Perdizes e a questão do lixo começou a incomodar demais. Então procurei trabalhar com materiais mais inusitados como plásticos, pets, papel, tudo que fosse de fato reciclado e pudesse ser recriado para roupas, em um mix que fosse reciclagem de tecidos e de materiais não convencionais”, explica Thayan.
Ao conhecer o Sustexmoda, Thayan lembra que ficou deslumbrado, principalmente devido ao impacto dos projetos socioambientais. “Quando fiquei sabendo do projeto do Sustexmoda fiquei encantado, principalmente pela parte social. Quando a gente trabalha resgatando tecidos é muito bom, mas quando usamos o resgate aos tecidos para resgatar vidas é muito sensível, e vidas que seriam descartadas socialmente pontuando.”
Thayan também destaca que trabalhos como Botão de Flor e Ubuntu são essenciais para lembrar que pessoas trans, travestis e moradores de rua merecem reconhecimento. “Esse trabalho tão sensível me fez refletir sobre o potencial da moda com trabalho de autoestima para quem nunca tem sua própria dignidade preservada e acolhida.”
Fonte: Jornal da USP