Por Clemente Ganz Lúcio, publicado em Poder360
A crise do petróleo da década de 1970 atingiu em cheio a economia brasileira. No início dos anos 1980, o país sofria com o agravamento de vários problemas, entre eles, carestia e desemprego oculto pelo trabalho precário, situações que os “óculos” das estatísticas oficiais, com lentes inadequadas, não conseguiam revelar.
De 1981 a 1983, o DIEESE realizou a Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego, ocasião em que toda essa realidade dramática do desemprego, informalidade e precarização do trabalho foi revelada. A PPVE mostrou que as características e dinâmicas das ocupações e do emprego eram muito mais complexas do que outros levantamentos conseguiam apontar. O desemprego era expressivamente maior e tomava formas que não eram captadas pelas pesquisas oficiais.
Era preciso uma iniciativa diferente para ler e traduzir em estatística aquilo que acontecia no mundo do trabalho. O desafio era criar algo que pudesse apresentar um retrato mais fiel dos problemas da sociedade brasileira. E foi assim que nasceu a inovadora metodologia da PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, desenvolvida pelo DIEESE e a Fundação Seade, do estado de São Paulo. As duas instituições passaram então a trabalhar em cooperação, primeiro no desenho da metodologia e depois na realização da PED, inicialmente na Região Metropolitana de São Paulo.
Na época, o então governador de São Paulo, Franco Montoro, e o secretário de Planejamento, José Serra, receberam com entusiasmo a iniciativa de produção da nova pesquisa, coordenada pelo então diretor técnico do DIEESE, Walter Barelli. Técnicos e autoridades envolvidas não tinham dúvida alguma sobre a necessidade do desenvolvimento de uma metodologia que permitisse nova leitura da heterogeneidade e da desigualdade do mercado de trabalho metropolitano brasileiro. Desde então, são 35 anos.
A PED foi uma produção estatística que inovou, ao revelar, além do desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e pelo desalento, entre inúmeros dados que nem sempre eram tratados ou olhados em pesquisas dessa natureza.
Na equipe que criou e desenvolveu esta bem-sucedida cooperação institucional e técnica, estão, entre tantos, o economista Paulo Renato Costa Souza e as sociólogas Annez Andraus Troyano e Marise Hoffmann. Com eles, trabalharam muitas outras pessoas competentes e dedicadas, que, de maneira ininterrupta, mensalmente, traziam à luz –com ampla divulgação da grande imprensa– dados que surpreendiam.
O embate com as estatísticas oficiais foi se colocando, gerando desconfortos, conflitos técnicos e institucionais. A qualidade técnica do trabalho científico da PED, com apoio institucional de governadores como Mário Covas e Geraldo Alckmin, permitiu que Seade e DIEESE consolidassem uma compreensão diferente da dinâmica ocupacional no mercado de trabalho. A metodologia foi reconhecida nos fóruns internacionais de estatística articulados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A pesquisa ganhou asas nos anos 1990. Os diretores da Fundação Seade, Pedro Paulo Branco, e do DIEESE, Sérgio Mendonça, cruzaram o país para atender demandas de governos estaduais que também queriam localmente a leitura inovadora que a PED viabilizava. Assim, as duas instituições, em cooperação com institutos locais, implantaram a pesquisa nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Distrito Federal.
Barelli foi o diretor técnico do DIEESE que mobilizou e articulou a criação e implantação da PED nos anos 1980. Depois, como ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, trabalhou para inserir a PED entre as bases estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego, junto com Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e Rais (Relação Anual de Informações Sociais), para dar suporte às políticas do Sistema Público de Emprego. Mais para a frente, a economista Lúcia Garcia coordenou pelo DIEESE a implantação do Sistema PED, ou melhor, a integração nacional das PEDs metropolitanas, envolvendo diversos institutos de pesquisa locais, firmes parceiros, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Em 2012, o IBGE realizou mudanças estruturais nas pesquisas domiciliares. A nova pesquisa, Pnad Contínua, com cobertura nacional e divulgação mensal, adotou mudanças metodológicas que resultaram de intenso debate com especialistas desde 2006 e estavam em consonância com as diretrizes do Comitê de Estatística da OIT. DIEESE e Seade participaram das discussões.
Nessas mais de três décadas, o papel do movimento sindical brasileiro associado ao DIEESE foi determinante na construção política e preservação dessa iniciativa, por meio da defesa, promoção e financiamento da pesquisa.
Esta é uma longa história construída por centenas de cientistas sociais, estatísticos e pesquisadores. Uma longa história institucional que envolve políticos, dirigentes sindicais, governantes e gestores públicos que souberam apostar na cooperação entre uma organização pública (Seade) e uma organização privada (DIEESE) para a produção de estatísticas econômicas e sociais, que, hoje, é a única base de dados contínua existente no Brasil sobre mercado de trabalho metropolitano. A PED é um produto e serviço de interesse da sociedade, que gerou informações e conhecimento disponibilizados para o bem comum e para a qualidade das políticas públicas.
Na divulgação número 451, que apresentou dados de junho de 2019, foi encerrada a parceria DIEESE e Seade. Isso porque a pesquisa chegou ao fim, depois de cumprida a missão de inovação estatística durante esse longo período de 35 anos. Foi uma cooperação de sucesso, que traduziu em números o que trabalhadores viviam e sentiam no cotidiano, em busca de ocupação. Essa realidade, revelada e confirmada a cada mês de divulgação, promoveu um debate salutar. As políticas públicas no campo do trabalho ganharam novos insumos e puderam ser aperfeiçoadas ou avaliadas. Outras nasceram a partir daí. A estatística oficial se moveu no mesmo sentido da PED e o Brasil ganhou mais qualidade nos números sobre o desemprego e as ocupações.
Satisfeitos com a tarefa realizada, olhando agora para a frente, diante dos desafios atuais, DIEESE e Seade manterão as respectivas trajetórias institucionais e também a disposição de cooperar e, principalmente, de criar e inovar para produzir ciência comprometida com o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Clemente Ganz Lúcio, 59 anos, é sociólogo e professor universitário. Atua como diretor técnico do Dieese desde 2003. É membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Fonte: Poder360