É o pior resultado da rede bolsonarista no Twitter, rede social que normalmente maneja muito bem. No panelaço de quarta-feira 18, o total de mensagens de apoio tinha sido baixo: 16%. Agora, piorou ainda mais.
Isso permite, segundo Malini, uma “avalanche” de mensagens negativas contra o presidente. Mesmo os chamados “robôs”, perfis falsos que multiplicam os tuítes favoráveis ao governo, não conseguem amenizar a situação.
“A atividade robótica consegue emplacar muitas vezes a hashtag nos trend topics, mas não consegue fazer com que essa hashtag seja o principal ponto de conversação das pessoas na internet”, explica o especialista, nessa entrevista à coluna:
UOL – O que mostrou a análise dos tuítes motivados pelo pronunciamento de ontem do presidente?
Fabio Malini – Tivemos um alto envolvimento emocional no tema, no pronunciamento, em um intervalo muito curto de tempo. Isso implica dizer que as pessoas estão muito mais abertas a serem influenciadas e influenciar nas redes digitais. O grupo que replica mensagens de apoio ao presidente comparado à população restante é de 5%. Ou seja, 95% da população que está envolvida na discussão sobre o pronunciamento de Bolsonaro não são de apoio e isso tem um impacto considerável na maneira como as pessoas conversam sobre esse tema.
Quais são as consequências?
A principal delas é um movimento crescente de crítica à ideia do presidente de buscar uma volta às ruas, ao trabalho, a uma condição de normalidade, quando o país e o mundo não vivem uma condição normal. Esse desencaixe do seu discurso no Twitter acabou gerando uma avalanche de mensagens negativas e de pessoas que mais criticam do que apoiam o presidente.
Isso acabou virando um outro movimento no dia seguinte, hoje. Existe um impacto real desse discurso do presidente, sobretudo numa base de apoio, para legitimar determinados conjuntos de sujeitos na sociedade para que voltem à sua normalidade. Só que isso vai se contrapor a tantos discursos da própria equipe do presidente, que dizem exatamente o contrário, sobretudo da área de Saúde, e essa quantidade incrível de usuários que vão continuar mantendo a sua posição crítica.
Essa posição do presidente tem um tempo de duração, porque como essa rede bolsonarista está falando mais apenas para eles próprios nas redes, a tendência é que eles não consigam entrar e disputar as conversas e discussões feitas pelos outros 95%. Então, esse cabo de guerra tende a ser ruim para um posicionamento tão extremo do presidente.
É o momento mais baixo de engajamento dos bolsonaristas na rede desde que começou a sua medição?
Do ponto de vista relativo, comparado ao conjunto de tantas outras pessoas criticando o presidente, sim. Houve uma crise internacional muito forte, em que o presidente ficou vulnerável, no período de queimadas da Amazônia. A abrangência era muito maior, porque era internacional. Mas do ponto de vista nacional é o momento mais vulnerável dele na internet, sem dúvida alguma.
Seu acompanhamento já mostrava que nas postagens sobre os panelaços contra e a favor de Bolsonaro, na semana passada, somente 16% foram de apoio. O que aconteceu para cair ainda mais?
Aquele foi um processo diferente da estratégia de comunicação. O governo lançou naquele dia uma espécie de campanha prévia de panelaço a favor, quando já existia também uma campanha prévia contra. Essas duas dinâmicas motivaram as pessoas a se engajarem nas redes. Sobretudo num momento em que era necessário que o presidente assumisse uma posição de que a doença provocaria mortes no Brasil e precisaria realmente ser atacada, e não ser tratada como apenas uma gripe ou qualquer coisa do gênero.
A mobilização de ontem teve característica diferente, o anúncio foi há poucos minutos de acontecer o pronunciamento e, dada a surpresa com a proposição do presidente, acabou fazendo com que as pessoas que já estão engajadas num processo de superar essa crise se vissem ameaçadas. Viram seus filhos, seus familiares ameaçados quanto a sua saúde. Isso reverbera com muito mais força do que a dimensão econômica. Obviamente é uma frente que precisa ser enfrentada pelo governo, mas que até agora não tem medidas efetivas para quem precisa trabalhar, manter sua renda, e não está podendo porque está confinado.
Como esse encolhimento se refletiu nas discussões do Twitter?
No panelaço, eram 36 mil perfis que estavam participando de uma dinâmica pró-governo. Agora isso caiu pela metade. Foram 18 mil usuários participando e tentando discutir assuntos relacionados ao pronunciamento, mencionando o presidente ou sua narrativa. Essa desidratação no Twitter, que é uma rede muito controlada pelo bolsonarismo, onde eles têm uma atuação muito contínua, fez com que começasse a ter uma relação “contra” que é intuitiva. Essa rede (bolsonarista) consegue emplacar certas hashtags, mas essas hashtags são muito mais discutidas entre eles. O aplauso digital acaba ficando inócuo.
Reforço que o impacto de uma fala oficial de um presidente da República direcionada a milhões de pessoas em todos os canais de TV tem um peso efetivo em fortalecer determinadas visões de que a normalidade deve começar, enquanto os hospitais ficam lotados.
Essa rede bolsonarista perde espaço mesmo com a utilização de “robôs”?
A propaganda computacional feita com bots, ou com bots comissionados, mas fundamentalmente essas feitas por perfis considerados robotizados, segundo a literatura, tende mais a enlamear o debate e fazer com que ele se perca. Serve para atacar eventuais líderes que influenciam a população, mas acaba sendo inócuo também. Porque o volume dado pelos robôs é muito menor que a soma das interações intensamente conectadas de inúmeros fragmentos, que estão se comunicando também em alta intensidade. Acaba que o esforço do governo se dilui.
Aqueles que apoiam o governo velada ou explicitamente ficam muito mais acuados e a intensidade de produção de informação fica menor. A atividade robótica consegue emplacar muitas vezes a hashtag nos trend topics, mas não consegue fazer com que essa hashtag seja o principal ponto de conversação das pessoas na internet. Basicmente, o governo está vivendo uma crise que é a seguinte dicotomia: tenta aumentar as conexões, a difusão de uma narrativa, mas não consegue produzir interação.
Enquanto isso, do outro lado temos uma intensa difusão de interação, pessoas que estão discutindo, comentando, debatendo. Isso é muito mais atraente que simplesmente ler a mesma coisa em perfis semelhantes. Não adianta gerar um conjunto de usuários robotizados ou gerar um volume alto de retweets (compartilhamentos) por uma pessoa que não consegue afetar o que as pessoas estão discutindo. É basicamente isso o que está acontecendo.
Isso quer dizer que diminuiu o número de bolsonaristas no Twitter?
Acho que temos um conjunto de pessoas em número razoavelmente alto, que em uma situação de fragilidade do político não vem à tona para defendê-lo. Se ele tende a ter um escudo pequeno, fica muito mais fragilizado nessa rede, no caso o Twitter.
Chico Alves é jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro ‘Paraíso Armado’, sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.
Fonte: Portal Uol