PUBLICADO EM 18 de ago de 2020

Os “homens normais” manipulados para impedir os pobres de melhorarem de vida

Raimundo Sodré

Por Marcos Aurélio Ruy

Grande parte das canções da música popular brasileira versam sobre a alma do povo deste enorme país. Inclusive faz parte da formação da identidade nacional. Por isso, em geral, as músicas são selecionadas para mostrar a diversidade e a riqueza da cultura brasileira e dos dilemas de quem vive da sua força de trabalho.

São quatro músicas brasileiras e uma do grupo mexicano Café Tacvba, que tem um trabalho voltado para os interesses do povo mexicano.

Raimundo Sodré

A primeira canção completa 40 anos neste ano e apresenta uma atualidade incrível. Parece profecia. “A Massa”, dos baianos Jorge Portugal (1956-2020) e Raimundo Sodré, foi apresentada ao grande público pela primeira vez no Festival da Nova Música Popular Brasileira, da Rede Globo, em 1980.

A empatia do público foi imediata e na final no Maracanãzinho lotado, no Rio de Janeiro, o público inteiro cantou a música que tirou o terceiro lugar. “Agonia” (E sem que se perceba a gente se encontra pra uma outra folia/Eu vou pensar que é festa vou dançar, cantar é minha garantia), de Mongol, ficou em primeiro. “Foi Deus que Fez Você” (Foi Deus que fez a noite/E um violão plangente/Foi Deus que fez a gente/Somente para amar, só para amar), de Luiz Ramalho em segundo.

Mas “A Massa” ganhou o coração do público porque um ano após a Anistia – que trouxe de volta muitos exilados políticos – cantava o sufoco que o país vivia sob uma ditadura desde 1964. Atentem para os versos:

“A dor da gente é dor de menino acanhado

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar

Que salta aos olhos igual a um gemido calado

Moinho de homens que nem girimuns amassados

Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Amassando a massa a mão que amassa a comida

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais”

 

A Massa (1980), de Jorge Portugal e Raimundo Sodré

Luedji Luna

Uma nova voz baiana se destaca nesta edição. Luedji Luna canta o antirracismo e o feminismo emancipacionista como forma de colaborar para o aprofundamento desses temas no seio da sociedade, principalmente entre os que vivem do trabalho. Suas músicas mesclam vários gêneros musicais brasileiros com R&B, jazz e blues.

“Eu sou um corpo

Um ser

Um corpo só

Tem cor, tem corte

E a história do meu lugar

Eu sou a minha própria embarcação

Sou minha própria sorte”

 

Um Corpo no Mundo (2017), de Luedji Luna

O Rappa

A banda do Rio de Janeiro, O Rappa mistura rock, reggae e rap com uma pitada de ritmos nacionais. Formada em 1993, a banda se notabilizou por cantar a necessidade das pessoas sem voz e que sofrem com a repressão e violência de um sistema desumano.

“É Dia de Feira” é um claro exemplo da temática preferencial do grupo. Porque como diz a letra quem fornece a mercadoria não precisa fugir do “rapa” e ganham mais, muito mais, com a exploração do trabalho dos vendedores ambulantes.

“Mas eu não sou autorizado

Quando o rapa chega

Eu quase sempre escapo

Quem me fornece

É que ganha mais

A clientela é vasta

Eu sei!

Porque os remédios normais

Nem sempre

Amenizam a pressão”

É Dia de Feira (1996), de Falcão, Lauro Farias, Marcelo Lobato, Marcelo Yuka e Xandão;

canta: O Rappa

 

Café Tacvba

Café Tacvba é um grupo mexicano de rock alternativo. Desde 1989 canta as mazelas do México e as lutas para mudar a cara do país.

“Se progredir é o nosso trabalho

e ainda há muitos índios por aí

que não sabem o que é viver na cidade”

 

Trópico de Câncer (1994), de Café Tacvba

Nelson Cavaquinho

Nelson Antônio da Silva, o Nelson Cavaquinho (1911-1986) é um dos mais importantes compositores brasileiros. Com toda a sua melancolia produziu pérolas da música popular brasileira como “Juízo Final”, “Folhas Secas”, “Rugas” e muitas outras. Bastante popularizado na voz de Beth Carvalho, principalmente.

Em “Quando Eu Me Chamar Saudade” ele pede para receber afagos e saudações em vida.

“Mas depois que o tempo passar

Sei que ninguém vai se lembrar

Que eu fui embora

Por isso é que eu penso assim

Se alguém quiser fazer por mim

Que faça agora

Me dê as flores em vida

O carinho, a mão amiga

Para aliviar meus ais”

 

Quando Eu Me Chamar Saudade (1985), de Guilherme Brito e Nelson Cavaquinho

 

 

 



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