Na noite de segunda-feira, a Suprema Corte dos EUA derrotou, por 5 a 3, a concessão de mais dias para os votos pelo correio serem considerados em Wisconsin. Dadas as dificuldades no serviço postal, os democratas queriam que as cédulas lançadas antes do fechamento da votação em 3 de novembro tivessem mais seis dias para serem recebidas e contadas. Esta decisão, apenas uma semana antes do dia da eleição, difere de uma decisão da própria Suprema Corte, em 19 de outubro, que, por 4 votos a 4, recusou uma proposta dos deputados estaduais republicanos para impedir a extensão, por três dias, do prazo de contagem na Pensilvânia. Após a confirmação da conservadora Amy Coney Barrett, na segunda-feira, isso poderá ser revisado.
Surpreendentemente, os EUA ainda estão estabelecendo regras para uma eleição marcada para dentro de alguns dias. E uma eleição nacional está sendo conduzida com uma colcha de retalhos de leis e regulamentos estaduais. Além disso, funcionários estaduais eleitos – sejam republicanos ou democratas – estão tomando decisões sobre quem vai constar na lista, quantas máquinas de votação vão para onde e por quanto tempo os votos pelo correio serão contados. E todos sujeitos a apelação a um tribunal altamente partidário.
Isso é o excepcionalismo dos EUA e confirma a ideia de que os EUA simplesmente não são uma democracia, não no sentido em que a Europa Ocidental, Austrália, Nova Zelândia e Canadá são democracias.
A questão já foi levantada sobre o colégio eleitoral, que em duas das últimas cinco eleições presidenciais transformou a maioria democrata no voto popular – meio milhão para Al Gore, 3 milhões para Hillary Clinton – em vitórias republicanas.
O apartidário Brennan Centre for Justice at New York University [Centro Brennan para Justiça da Universidade de Nova York – Nota da Redação] relata que táticas de supressão de eleitores, como leis rígidas de identificação pessoal e redução do tempo de votação, são um peso a mais para as minorias raciais e eleitores pobres.
Uma dessas leis de identificação, promulgada pela assembleia legislativa com maioria republicana na Carolina do Norte, foi derrubada em 2016 depois que um tribunal federal de apelações concluiu que ela tinha como alvo os eleitores afro-americanos “com precisão quase cirúrgica”.
Se tal supressão eleitoral sistêmica fosse praticada contra, digamos, comunidades caribenhas ou asiáticas no Reino Unido ou sicilianos na Itália ou māori na Nova Zelândia, sua peculiaridade seria objeto de escândalo no país e constrangimento internacional.
O sistema eleitoral dos EUA é uma confusão que desafia as normas democráticas. O contraste com o sistema na Austrália é grande – há uma Comissão Eleitoral Australiana independente. Ainda assim, não se pode torcer muito alto; quase todas as outras nações ocidentais poderiam se gabar.
Veja-se o limite de tempo para contagem de votos na Pensilvânia e em Wisconsin. A Seção 182 da Lei Eleitoral da Comunidade da Austrália permite 13 dias para que as cédulas sejam recebidas desde que tenham sido postadas antes das 18h no dia da votação. É estabelecido em lei nacional que se aplica uniformemente em todo o país. Não é deixado aos instintos partidários de um ministro liberal na Tasmânia ou trabalhista no ACT [Australian Capital Territory, em português Território da Capital Australiana NdsR], e está sujeito a discussão judicial dias antes do início da votação.
Os democratas do Texas ferveram de indignação com a decisão da semana passada de um oficial republicano eleito que estabeleceu apenas um ponto de coleta de votos em um condado [que corresponde a comarca no Brasil – NdaR] com a população de 6 milhões de habitantes. A prática eleitoral nacional uniforme da Austrália exige um escritório eleitoral divisionário em cada uma das 151 divisões federais.
Em 28 de novembro, uma seleção será realizada para a divisão Queensland de Groom, com sede em Toowoomba. Quatro centros de votação antecipada serão abertos e funcionarão por 16 dias antes da eleição. Mas o princípio-chave é que os servidores públicos são responsáveis por esse processo, não um político eleito no governo estadual que deseje uma vantagem partidária.
O Texas há muito faz das eleições fraudadas uma especialidade, conforme registrado nos dois primeiros volumes da biografia de Lyndon Johnson, de autoria de Robert Caro. Em sua superterça primária em março, eleitores negros e latinos foram forçados a esperar até sete horas para votar porque, disseram os críticos, o estado controlado pelos republicanos fechou nos últimos sete anos 750 locais de votação.
Bob Carr é o mais antigo primeiro-ministro de NSW [New South Wales, Nova Gales do Sul, um estado australiano – NdaR] e ex-ministro das Relações Exteriores da Austrália. É professor na University of Technology Sydney.
Fonte: The Guardian. Tradução: José Carlos Ruy