Em abril deste ano, a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) estava numa reunião no Ministério da Economia com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foi quando ela mencionou a falta de atenção do governo atual com a área social.
“Eu disse: ‘olha, eu concordo com a agenda econômica, mas o mais importante, na minha visão, é a gente ter uma agenda social. De combate à desigualdade, de combate à pobreza’. Aí ele falou ‘me apresente alguma coisa'”, narra Tábata.
Sete meses depois, o pedido de Maia resultou num conjunto de projetos de lei e numa Proposta de Emenda à Constituição. O pacote foi batizado de “agenda social” da Câmara, e foi apresentado formalmente num evento nesta terça-feira (20), no Salão Verde da Casa.
A proposta traz cinco pontos principais.
Há mudanças em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família; alterações na proteção social dos trabalhadores, em benefícios como o FGTS e o Abono Salarial; iniciativas para fomentar o empreendedorismo dos beneficiários de programas sociais; propostas para a área ambiental e de saneamento básico; e incentivos para Estados e municípios que consigam atingir metas de redução da pobreza.
Tábata Amaral passou a ser alvo de críticas de parte da esquerda depois de votar a favor da reforma da Previdência, em julho deste ano. Ela continua formalmente filiada ao PDT, mas está cada vez mais distante do comando da sigla — e disse que vai deixar a legenda de Ciro Gomes e Carlos Lupi em breve. Diz que ainda não decidiu para onde irá.
A deputada continua se considerando uma pessoa “progressista”, apesar de sua relação com Maia, do DEM, ter se tornado “muito boa” por conta do projeto.
“Não é à toa que eu desenhei uma agenda social, e não uma agenda econômica”, diz. “Entendo a importância da agenda econômica. Mas, para mim, progressista é quem entende que a agenda social é tão ou mais importante que a parte economicista”, explica ela.
Protagonismo de Maia
Esta não é a primeira vez que Maia age para ocupar o papel de protagonista em discussões no Congresso — mas até agora, o demista estava focado em temas da agenda econômica, diz o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Alguma coisa voltada para a área social, seria a primeira vez”, diz.
O deputado do Rio foi central para a aprovação da reforma da Previdência em meados deste ano, e também está cumprindo papel importante nos debates sobre a reforma tributária, lembra o estudioso.
“O que ele pode estar fazendo, agora (com a ‘agenda social’), é tentar ocupar mais um espaço, e dialogar com setores que vão além da centro-direita. É coerente com a necessidade dos políticos de centro de se expandir, para não ficarem presos entre o bolsonarismo, de um lado, e o lulismo, de outro”, diz Melo.
Ainda não está claro se o governo de Jair Bolsonaro e os ministros das áreas envolvidas apoiarão a proposta encabeçada por Maia e Amaral.
O presidente da Câmara tem o poder de determinar o ritmo de tramitação dos projetos dentro da Casa, e pelo menos um item do “pacote” não depende do presidente da República — a Proposta de Emenda à Constituição sobre o Bolsa Família.
As outras iniciativas, porém, precisam da ação do Executivo para serem efetivadas.
Sem mexer no dinheiro
A própria deputada do PDT frisa que a maior parte do projeto é fiscalmente neutra. Ou seja, não acarretará mais investimentos do governo na área social.
As exceções são as mudanças no Bolsa Família e em outros programas de transferência de renda, que aumentarão seus custos em R$ 9,8 bilhões por ano caso o projeto seja aprovado. Os planos incluem um novo benefício para crianças de até seis anos de idade, por exemplo.
Segundo Amaral, Rodrigo Maia chamou a atenção para a necessidade de preservar as contas públicas. “O primeiro grupo de pessoas, de líderes, para os quais eu tive que apresentar, eram líderes do centro político (…). E aí o presidente Maia deixou bem claro. ‘Olha, se a gente apresentar uma coisa que aumente muito o orçamento, isso não vai ter tração na Câmara este ano'”, contou ela à BBC News Brasil no começo de novembro.
‘Eu tive que justificar cada centavo a mais para o Bolsa Família (…). Eu tenho várias ideias de coisas que a gente poderia aumentar (gastos), especialmente quando a gente fala de ensino técnico. Quando a gente fala de assistência social. Mas foi muito do que era possível. A gente saiu de não ter nenhuma agenda social este ano para convencer as pessoas de ter uma agenda ‘pé no chão'”, diz.
“Até porque o governo tem uma visão diferente, de que não dá para aumentar gasto em absolutamente nada, não importa o quão bom seja o programa”, critica ela.
Ainda não está claro se o governo de Jair Bolsonaro e os ministros das áreas envolvidas apoiarão a proposta encabeçada por Maia e Amaral.
O presidente da Câmara tem o poder de determinar o ritmo de tramitação dos projetos dentro da Casa, e pelo menos um item do “pacote” não depende do presidente da República — a Proposta de Emenda à Constituição sobre o Bolsa Família.
As outras iniciativas, porém, precisam da ação do Executivo para serem efetivadas.
Sem mexer no dinheiro
A própria deputada do PDT frisa que a maior parte do projeto é fiscalmente neutra. Ou seja, não acarretará mais investimentos do governo na área social.
As exceções são as mudanças no Bolsa Família e em outros programas de transferência de renda, que aumentarão seus custos em R$ 9,8 bilhões por ano caso o projeto seja aprovado. Os planos incluem um novo benefício para crianças de até seis anos de idade, por exemplo.
Segundo Amaral, Rodrigo Maia chamou a atenção para a necessidade de preservar as contas públicas. “O primeiro grupo de pessoas, de líderes, para os quais eu tive que apresentar, eram líderes do centro político (…). E aí o presidente Maia deixou bem claro. ‘Olha, se a gente apresentar uma coisa que aumente muito o orçamento, isso não vai ter tração na Câmara este ano'”, contou ela à BBC News Brasil no começo de novembro.
‘Eu tive que justificar cada centavo a mais para o Bolsa Família (…). Eu tenho várias ideias de coisas que a gente poderia aumentar (gastos), especialmente quando a gente fala de ensino técnico. Quando a gente fala de assistência social. Mas foi muito do que era possível. A gente saiu de não ter nenhuma agenda social este ano para convencer as pessoas de ter uma agenda ‘pé no chão'”, diz.
Projetos de lei que envolvem aumento de gastos precisam indicar a origem do dinheiro que cobrirá as novas despesas.
No caso da “agenda social”, os gastos a mais com o Bolsa Família e os novos benefícios seriam cobertos pela economia feita com outra proposta, a que altera a chamada “regra de ouro”, apresentada em junho deste ano pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).
A proposta de Pedro Paulo inclui medidas como o congelamento dos salários dos servidores, caso o governo não consiga cumprir a regra que o impede de se endividar para cobrir despesas correntes — como os gastos com pessoal.
Segundo pessoas que acompanham as conversas, o presidente da Câmara está negociando este aspecto do projeto com a equipe econômica do governo, liderada por Paulo Guedes (Economia).
A PEC da Regra de Ouro também contou com o patrocínio de Maia e outro deputado próximo a Tábata Amaral, Felipe Rigoni (PSB-ES), que participou de reunião com Guedes para apresentar a proposta.
Projeto a quatro mãos
Amaral e Maia construíram o projeto praticamente a quatro mãos — as reuniões para discutir o assunto foram quase semanais.
O presidente da Câmara liberou consultores de seu gabinete para ajudar a formatar as propostas. Os dois parlamentares dividiram ainda as conversas para viabilizar politicamente o projeto: ela conversou com líderes de partidos de oposição, como o PT e o PSB; enquanto Maia falou sobre o assunto com o governo.
Nos últimos dias, o político carioca passou a citar o tema com mais frequência em entrevistas e nas redes sociais.
“É preciso pensar nas políticas de proteção para os brasileiros mais pobres. A crise levou 4,5 milhões a mais à extrema pobreza e fez a desigualdade atingir nível recorde (…). Isso quer dizer que a fome voltou. Então, em paralelo à agenda de reformas, precisamos trabalhar uma agenda social”, escreveu ele em sua página no Facebook na terça-feira.
Outros congressistas próximos a Tábata Amaral, como João Campos (PSB-PE), também participaram da formulação do projeto.
Na terça, o trio dividiu a tarefa de apresentar as propostas a um grupo de cerca de 30 congressistas, durante uma reunião na residência oficial de Maia.
Um dos presentes, o deputado Fabinho Ramalho (MDB-MG), disse que a maioria dos presentes gostou da ideia. Ao longo dos últimos dias, a reportagem da BBC ouviu impressões positivas sobre a proposta de líderes de vários partidos de centro-direita na Câmara.
A agenda social poderia criar uma pauta positiva para os congressistas apresentarem antes das eleições municipais de outubro do ano que vem.
Alguns políticos também enxergam o pacote como uma forma de a Câmara retirar a centralidade de pautas incômodas para os deputados, como a proposta de emenda à Constituição (PEC) da prisão em 2ª instância.
O ritmo de trabalho no Congresso costuma diminuir em anos eleitorais como 2020, especialmente no segundo semestre. Por causa disso, o objetivo de Maia e Amaral é iniciar a tramitação dos projetos ainda no fim de 2019, e concluir as votações na Câmara até meados do ano que vem.
Mas nem todos os congressistas mostraram entusiasmo com o projeto. Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), o plano é “muito tímido” e fica aquém do que o país realmente precisa para diminuir a desigualdade e a pobreza.
“É bom ver a direita preocupada com o povo, porque até agora eles não tinham apresentado nada nesse sentido. A própria Tábata e outros que estão envolvidos com esse projeto, assim como o Rodrigo Maia, foram fiadores da reforma da Previdência, que tirou direitos”, disse ele.
“Estas medidas que eles estão propondo nem de longe cobrem o prejuízo (para a população mais pobre) das reformas anteriores e das que estão sendo apresentadas pelo governo, como o pacote Mais Brasil (apresentado por Paulo Guedes), e a Carteira de Trabalho Verde e Amarela. É um remendo muito tímido, que não faz nem cócegas (no aumento da pobreza e da desigualdade).”
Ampliação do Bolsa Família, saneamento básico e FGTS liberado
Mas no que consiste a agenda social patrocinada por Maia?
Abaixo, os principais pontos do projeto.
Além destes, o pacote teria ainda como objetivo fortalecer o Sistema Único de Assistência Social, o SUAS — mas há poucos detalhes disponíveis até agora sobre medidas concretas.
Aumento no Bolsa Família
A PEC a ser incluída no projeto tem por objetivo colocar o Bolsa Família no texto da Constituição, dificultando eventuais tentativas de mudar ou extinguir o programa.
O projeto também ajustaria os critérios de “pobreza” e “extrema pobreza” do Bolsa Família, dando direito ao benefício para pessoas que hoje estão fora dos critérios.
A proposta também traz um aumento no valor dos benefícios, além de extinguir a regra sobre limite de filhos contemplados. Hoje, o pagamento aumenta até o limite de cinco crianças.
O projeto também cria um benefício para a primeira infância, um pagamento adicional de R$ 100 para crianças até os seis anos de idade, gestantes e mães que acabaram de ter bebê.
A ideia se baseia em recomendações do Banco Mundial sobre a importância do investimento na primeira infância. Além disso, sempre que uma família beneficiada não chegar ao patamar de pelo menos R$ 100 per capita, um benefício adicional seria pago até atingir este valor.
Este conjunto de benefícios ampliaria em até um terço o gasto do governo com o Bolsa Família — hoje, são cerca de R$ 30 bilhões ao ano. Outros R$ 9,8 bilhões adicionais seriam necessários para concretizar as propostas.
FGTS e Abono liberados
Um segundo conjunto de medidas diz respeito a mudanças na proteção social dos trabalhadores.
A principal ideia é liberar os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para serem sacados todos os meses por quem tem carteira assinada, desde que a pessoa já tenha formado uma poupança no valor de pelo menos 12 salários mínimos.
A partir deste patamar, tudo que entrar pode ser sacado. A taxa de rendimento do Fundo também seria atualizada. Atualmente, o dinheiro costuma render menos que a inflação.
O Abono Salarial também passaria por uma mudança: passaria a estar disponível diretamente no contracheque de cada trabalhador, todos os meses (hoje, é pago uma vez por ano). O benefício também ficaria maior para quem tem salários mais baixos.
Saneamento básico e fornecimento de água
Há uma sessão do projeto dedicada à questão do saneamento básico e ao fornecimento de água no semiárido.
A Câmara já está analisando um projeto que atualiza o Marco Legal do Saneamento Básico no país. Hoje, o texto está em sua primeira etapa, na Comissão Especial, e determina que a coleta de esgoto seja universalizada no Brasil até 2033. A “agenda social” traz uma modificação neste texto para prever também a universalização do tratamento dos resíduos (e não só a coleta).
Este tópico inclui ainda modificações em uma Medida Provisória enviada pelo governo (a MP 900/19), sobre cobrança de multas ambientais. A MP permite ao Ministério do Meio Ambiente contratar um banco para arrecadar e gerir o dinheiro das multas. A “agenda social” exclui essa mudança. Voltariam a vigorar as regras antigas, inclusive para financiamento de projetos de ONGs.
A agenda também traz uma série de indicações ao Poder Executivo a respeito do fornecimento de água, especialmente no semiárido. Esta é uma área na qual o Legislativo não pode agir diretamente, diz Tábata Amaral — o que se pode fazer é aprovar sugestões ao Executivo.
Dinheiro para pessoas de baixa renda empreenderem
Por fim, a agenda inclui empréstimos a fundo perdido (sem prazo para pagamento) para pessoas que são beneficiárias dos programas sociais do governo, com o objetivo de que elas possam montar seus próprios negócios, ainda que informalmente.
Os pagamentos seriam feitos às mulheres, hoje, são elas que recebem os pagamentos do Bolsa Família, por exemplo.
Também seriam beneficiados com este tipo de crédito jovens que cursam o ensino técnico — o pagamento estaria condicionado ao fato da pessoa continuar estudando.
Há também alterações na Lei do Jovem Aprendiz: o tempo que o aluno passa dentro da empresa, trabalhando, passaria a contar como crédito no ensino médio; e o limite de dois anos no contrato do jovem aprendiz deixaria de existir. A contratação de jovens em situação de vulnerabilidade social também seria incentivada.
Fonte: BBC Brasil