Por Carolina Maria Ruy
Raimundo Rodrigues Pereira construiu sua tradição no jornalismo brasileiro com profissionalismo e levantando temas de alto nível e de amplo interesse. Sua trajetória vem de longe, desde que integrou a equipe que lançou a revista Veja, em 1968. Foi repórter das revistas Realidade, Ciência Ilustrada, Isto É e do jornal Folha da Tarde. Seu mais influente projeto, entretanto, que até hoje é referência na história da comunicação brasileira, foi o jornal Movimento, que dirigiu e editou entre 1975 e 1981, contando com colaboradores ilustres como: Fernando Henrique Cardoso, Perseu Abramo, Chico Buarque de Holanda, Jacob Gorender, Nelson Werneck Sodré, Moniz Bandeira e Elifas Andreato.
Nesta entrevista, gravada na sede do Centro de Memória Sindical, no dia 7/12, Raimundo disse que “o país precisa de uma boa análise dos seus problemas, começando por se situar como um país com debilidades a serem resolvidas”.
Para desenvolver estas análises, ele está tem intensa campanha para lançar no próximo ano um novo projeto de comunicação, um semanário, impresso e digital, da Editora Manifesto. A ideia é que este projeto conte com uma grande rede de pessoas, de diversos campos do conhecimento e da política. Ele está já conta com apoio do sindicalistas da Força Sindical. Leia aqui os principais trechos da entrevista e entenda o projeto:
Carol: Você pode falar um pouco sobre esse novo projeto da Editora Manifesto? Será uma publicação mensal ou um site?
Raimundo: Resumidamente a ideia é que daqui a um tempo, um ano, talvez um pouco mais, a gente faça um semanário, impresso e digital, com circulação nacional. A ideia é que isso envolva cerca de cem pessoas, entre redação, administração, colaboradores e que se sustente com a própria venda. Estamos na fase de formar os cotistas desta sociedade, que irão compor o conselho editorial desta publicação. Já fizemos dezenas de reuniões, com pessoas que entendem e valorizam a informação. E temos uma boa acolhida devido à qualidade do nosso trabalho. As pessoas percebem que não somos oportunistas e que a Editora Manifesto pode criar um ambiente de debate e comunicação mais democrático e profundo. Já temos um número de cotistas que nos permite já ter algum movimento.
A oportunidade, a nosso ver, vem da complexidade do trabalho de informação. Hoje uma parte da opinião publica é formada pela própria opinião publica. Até mesmo entre figuras da maior importância, como o Donald Trump, que quase governa por meio do Twitter. Ao mesmo tempo em que a informação digital deu acesso a muita gente, ela criou também, como dizia Humberto Eco, a possibilidade de um bando de gente falar bobagem. É um mar de informações onde você precisa saber navegar.
Neste sentido, a ideia do semanário é buscar ajudar o leitor a entender questões relevantes. Criamos uma lista de grandes temas que já acompanhamos em nossa tradição de jornalismo. O primeiro tema é a soberania nacional. A ele estão a associadas questões econômicas e financeiras porque, com o agigantamento das finanças no mundo, o Brasil se tornou ainda mais dependente.
O que pesa a nosso favor é o fato de termos continuado a exercer um jornalismo profissional. Terminamos bem o jornal Movimento e desde então realizamos diversos projetos, como o Retrato do Brasil e a Revista Reportagem. Agora, neste novo projeto, a ideia é começar a partir do pior momento do Movimento, com dez mil compradores, e com a ideia de que é preciso uma representação nacional. O país precisa de uma análise dos seus problemas, começando por se situar como um país com graves debilidades a serem resolvidas. Não existe nenhum gênio capaz de resolver tudo sozinho. É um trabalho de organização, de estudo, mobilização.
O mundo é complexo e as simplificações atrapalham. Atrapalham a capacidade de mobilização, de apresentar os problemas como se deve.
Carol: Sobre a facilidade ao acesso à informação gostaria de perguntar se você acha que a internet, com seus blogs e redes de relacionamento, ajuda a produção de um bom jornalismo?
Raimundo: Muita gente pensa que a tecnologia é essencialmente boa. Mas depende do uso. A energia nuclear, que pode ser utilizada para gerar energia, ficou conhecida quando os americanos jogaram duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. A informação também é assim.
Hoje existe, por exemplo, um debate em torno do papel das “fake news” nas eleições americanas. Mesmo publicações liberais, das quais cito sempre uma que considero de alta qualidade, o The Economist, se opuseram ao Trump desde o início. As primeiras capas da revista com Trump o mencionaram como um terrorista. Mas ele é a voz de muito descontentamento e ganhou também. Agora há esse debate de que as noticias falsas influenciaram o resultado. A informação tem esse caráter duplo: elevar o nível de consciência do povo, organizar, ou manipular. Há muito tempo a imprensa tem esse dilema. A imprensa de massa é do começo do século 19. O padrão americano, tipo cidadão Kane, é aquele que ganha dinheiro com escândalos, e não esclarecendo as pessoas.
Eu leio dois jornais burgueses com os quais posso me informar: O Estado de São Paulo e o The Economist. O Estadão é um jornal interessante porque ele tem posição, o que permite perceber seu viés. São tempos novos e não adianta tentar olharmos sozinhos para ele. Qualquer informação reflete a posição que o sujeito está. Por isso precisamos ter uma estrutura mínima de profissionais nas várias áreas em que o conhecimento está acumulado.
Carol: Você foi editor do maior jornal da imprensa alternativa na época da ditadura que foi o Jornal Movimento. Como foi aquela experiência? Como vocês conseguiram chegar a tantos leitores e se tornarem uma referencia para o jornalismo até hoje?
Raimundo: Foi em uma conjuntura completamente diferente. O Movimento começou em 1975, simultaneamente ao esforço do governo Geisel em organizar o recuo que ficou conhecido como “distensão lenta, gradual e segura”. Como a ditadura teve uma derrota eleitoral em 1974, eles buscaram atrair grupos de pessoas da oposição, grupos do MDB. Nós não estávamos entre os que foram atraídos pelo Geisel, mas alguns desses grupos, como o “Grupo Autentico”, de deputados do MDB, apoiaram massivamente o nosso projeto. Um desses deputados estava no conselho editorial, o Alencar Furtado, e na redação, como chefe da sucursal de Brasília, estava também o deputado Chico Pinto, cassado pela ditadura por causa de um discurso contra o Pinochet. Muitas correntes do movimento estudantil também apoiaram o Movimento. Vendiam o jornal, mesmo censurado. Havia uma grande articulação. Fechamos em 1981 porque percebemos que já estava inviável. Mas aprendemos muito com a experiência. Hoje a situação é muito diferente.
Carol: Dentro desta perspectiva do que foi o Movimento, como você avalia a “imprensa alternativa” atual? Por que esta imprensa não consegue sair do gueto e realmente formar opiniões?
Raimundo: Se a informação está ao acesso de todos, isso quer dizer que a democracia deu um salto? Não necessariamente. O The Economist fez uma capa com um homem segurando o F, do Facebook, como se fosse um revolver e perguntando “As redes sociais ameaçam a democracia?”. Isso porque a rede tem esse caráter de monopólio também.
Tenho vários companheiros e companheiras que estão falando sobre esse assunto e também tenho lido artigos que falam sobre esta questão. Um dos grandes equívocos é achar que a imprensa está muito barata e que todo mundo pode fazer. Não é assim que funciona.
A realidade é multifacetada e complexa. Então, o sujeito que tem a pretensão de que pode opinar sobre tudo, está enganado. Em qualquer campo a informação se cria a partir de estruturas e de acúmulo. Quanto mais informação você tiver sobre um assunto, mais você opina com propriedade. Quanto mais você quiser opinar sobre quinhentos assuntos, mais você vai dizer bobagem. Entre opinar sobre um assunto e entender sobre o assunto para poder acrescentar alguma coisa, há uma grande diferença.
A pessoa que não percebe isso, não vê a informação de um modo amplo. O sujeito que quer se informar, mas se isola em si mesmo, em suas opiniões, ele está errado. Não há informação fora do mundo real, amplo. Uma revista científica como a Nature, por exemplo, tem uma redação com cerca de duzentos e cinquenta nomes. No nosso caso, se pensarmos em cem pessoas publicando, mais ou menos articuladamente, um conjunto de artigos toda semana, já será uma coisa boa. E dez mil leitores participativos, melhor ainda. Isso para um país como Brasil que não é dos melhores em índice de leitura.
Lia Imanishi
Excelente entrevista, Carol! Longa vida ao Raimundo Pereira!
Diógenes
Muito boa entrevista.Raimundo Pereira mantém seu discernimento politico que sempre o caracterizou. Sucesso em sua nova investida politico cidadã.
Val Gomes
Excelente notícia de que teremos uma nova publicação progressista no Brasil.