PUBLICADO EM 18 de ago de 2020
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O ensino remoto: a institucionalização da exclusão

Em primeiro lugar é preciso reconhecer que o mundo em geral, e o Brasil em particular, enfrentam um momento excepcional devido à pandemia de Covid 19. Dito isso, é preciso refletir sobre a educação nesse momento. As redes educacionais e os profissionais da educação estão passando por um período de esgotamento físico e psicológico, em parte por causa das atividades à distância que têm tomado muito tempo na elaboração dos planos de aula e atividades pedagógicas e, também, devido ao recolhimento das devolutivas dos estudantes, que demandam uma atenção individual para cada um deles.

Por Vanessa Lemos e Daniel Lemos

Porém, passados mais de 155 dias de quarentena, e quase isso de dias de ensino remoto, já é possível refletir sobre essa experiência pedagógica de exceção. Não conseguimos ver muita coisa de positiva nesta forma de ensino. Nós, professores, temos enfrentado muita burocracia com elaboração de planos de aula e relatórios. Mesmo que exista uma tendência à flexibilização disso, um trabalho exaustivo já foi realizado nesse ínterim.

Quanto ao acesso à internet por parte dos profissionais da educação e dos estudante, fica por conta de cada um, que investe os recursos que podem nessa infraestrutura. Realmente, a maioria dos estudantes tem acesso à internet, mas principalmente através do celular. E este não é um equipamento de estudo: a tela pequena restringe o desenvolvimento da escrita e da leitura de textos e imagens; por exemplo. Muitas vezes é o único telefone com internet é compartilhado entre os membros da família. Especialmente quando pertence ao responsável trabalhador, o aparelho fica disponível somente quando aquele está em casa, limitando o tempo que os educandos têm para executar as atividades.

Outro problema do ensino remoto é o emprego do currículo referência, que engessa o docente na elaboração das propostas didáticas mais atrativas. A flexibilização deste aspecto permite ao professor adequar suas aulas e “objetos do conhecimento” de acordo com o desenvolvimento das atividades pelos estudantes. Algumas disciplinas enfrentam enorme dificuldade em avançar nos conteúdos porque são difíceis de aprender sem ajuda do professor, como as Línguas Estrangeiras. Lembrando que muitos estudantes não conseguem assistir vídeos sugeridos pelos educadores porque estes consomem muitos dados móveis do pacote de internet. Contudo, Educação é muito mais que “conteúdos”, é preparar para o pensamento crítico e autônomo, e com uma interação tão limitada entre o mediador competente – o professor – e os estudantes, a Educação fica prejudicada.

A quantidade de atividades diárias/semanais é uma das grandes reclamações dos estudantes e seus responsáveis. Infelizmente não temos uma cultura de estudos em casa, e introduzi-la, abruptamente, está desmotivando estudantes e famílias a manterem o vínculo com a escola. A exigência quantitativa prejudica, e muito, a qualidade, uma vez que demanda tempo de pesquisa e elaboração por parte dos professores, que estão aprendendo a dominar ferramentas digitais. Essa grande quantidade de postagens exigida pelas mantenedoras também prejudica a adesão às propostas, pois sobrecarregam crianças, jovens e suas famílias, neste contexto sem precedentes. A redução da quantidade de tarefas permite a propositura de atividades mais lúdicas, as quais também demandam mais tempo na execução por parte dos alunos. Portanto, exigem maior espaço de tempo para preparação e para devolutivas.

O ensino remoto se mostrou deficiente em outros aspectos ainda. Aplicativos como Whatsapp e Facebook não são instrumentos pedagógicos, ou ferramentas de voltadas à educação. Este último, além de ser proibido para menores de idade, é o ambiente das fakenews, dos litígios e desavenças, que muitas vezes nem se expressam ao vivo, mas são costumeiras no mundo virtual. O Facebook é o lócus da mentira. Assim como o Whatsapp, a correia de transmissão do ódio e fofoca virtual. Como tais instrumentos vão se prestar à educação?

Outras plataformas se mostraram ineficientes também, como por exemplo, o Google Class Roon. Assim como já existe a Googletização do trabalho – onde o trabalhar não tem horário a cumprir, mas se mantém 24h ligado no trabalho – agora experimentamos a Googletização do saber. Todo o conhecimento está depositado nessa empresa, que um dia vai cobrar seus dividendos.
O ensino remoto exclui os estudantes dos programas de Jovens e Adultos, pois os governos que já vinham marginalizando – com vistas a estinguir?!? – tal modalidade de educação simplesmente iguala os programas das disciplinas com o ensino regular. Sem falar nos limites estruturais que tais estudantes possam ter em acessar as plataformas digitais, que os governos ignoram.
Este modelo de ensino é excludente porque negligencia a diversidade de nossa comunidade estudantil. Acreditamos que devemos desenvolver atividades que estimulem o raciocínio e a criatividade, com objetivo de manter o vínculo com a produção do conhecimento. Não para cumprir horas, conteúdos e metas. Esse modelo de ensino não atende o mínimo do que a Educação Básica exige para a formação de indivíduos autônomos. Por tudo isso, uma certeza já temos: o ensino remoto não veio para ficar!

Vanessa Lemos é Mestra em História (UFPel), professora na rede municipal de Pelotas e sócia do SIMP.

Daniel Lemos é Mestre em Ciência Política (UFPel), professor na rede municipal de Pelotas e sócio do SIMP e do CPERS-Sindicato.

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