PUBLICADO EM 15 de abr de 2019
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Nos EUA as leis federais não banem explicitamente a discriminação contra americanos LGBT

Pesquisas mostram que a maioria dos norte-americanos se opõem à discriminação contra as pessoas LGBT, e muitos acreditam que isso já é ilegal. Mas as leis federais não banem a discriminação baseada em orientação sexual. E as probabilidades de o Congresso mudar isso num futuro imediato são muito pequenas.

Manifestantes marcham em Whashington DC em protesto contra o suicídio da adolescente transgênero, Leelah Alcorn, em janeiro de 2015 (Photo de Bill O’Leary/The Washington Post via Getty Images)

No Brasil a Constituição Federal, em seu preâmbulo, aborda o tema de forma abrangente afirmando que “assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Também é consagrado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3ª, inc. IV): promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. De forma mais específica, o Supremo Tribunal está julgando ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 26) em que se discute a criminalização da homofobia, já havendo voto favorável do ministro Celso de Mello.

Nos EUA, enquanto cortes e agências federais encontraram algumas proteções para gays e transgêneros americanos sob estatutos existentes, esforços para passar uma lei que explicitamente torna ilegal negar a eles um apartamento ou despedi-los de um emprego, vacilaram.

Defensores dos direitos dos LGBT têm pressionado para passar tais leis por décadas, começando muito antes de suas lutas bem-sucedidas para legalizar o casamento do mesmo sexo e permitir a pessoas gays servirem abertamente nas forças armadas. E em março, legisladores de ambas as Câmaras do Congresso lançaram ainda uma outra tentativa, introduzindo a Lei de Igualdade de 2019, uma vasta medida que baniria a discriminação em áreas variando de habitações para acomodações públicas (um domínio que inclui banheiros públicos assim como padarias, duas áreas de recente contenção).

No passado, tais projetos de lei enfrentaram oposição baseada no de que ser gay era imoral e uma escolha. E, embora atitudes públicas em relação a pessoas gays mudaram radicalmente desde que o primeiro projeto de lei desse tipo foi introduzido nos anos de 1970, direitos dos transgêneros recentemente ascenderam como uma área de controvérsia entre a direita e a esquerda.

Anos passados os argumentos recorrentes eram de que seria mais fácil passar um projeto de lei focado apenas em proteger pessoas gays lésbicas e bissexuais. Mas grupos de defensores e legisladores escolheram lutar por um projeto de lei mais inclusivo que cobre todas as pessoas LGBT. A estratégia para a última década foi “todos nós ou nenhum de nós”, disse Mara Keisling, diretora executiva do Centro Nacional para Igualdade Transgênero.

Embora defensores acreditem que a Lei de Igualdade vai passar na Casa controlada pelos Democratas, eles não têm altas esperanças de que ela vai ser levada a votação no Senado, controlado pelos Republicanos. E vários esforços da administração Trump, tais como pressionar para banir pessoas transgênero de servir abertamente nas forças armadas, deixam dúvida se o Presidente vai assina-la.

Uma esperança escorregadia

A primeira versão da Lei de Igualdade foi introduzida em 1974, durante as lutas pelos direitos civis. “A América nem conhecia pessoas gays”, diz Keisling. E a palavra transgênero dificilmente era usada. O projeto de lei, que cobria apenas orientação sexual, não teve uma audiência por seis anos e enfrentou oposição quando teve, incluindo alegações de que ser gay era uma “abominação”.

Vinte anos depois, o projeto de lei foi introduzido repetidamente, mas falhou em se tornar lei. Então os legisladores decidiram tentar um enfoque mais adaptado, focado no lugar de trabalho, introduzindo a Lei de Não-Discriminação no Emprego, ou ENDA, em 1994. Essa medida ainda encontrou objeções baseadas na noção de que ser gay era um “estilo de vida” questionável, assim como alegações de que as proteções correspondiam a tratamento especial.

“Para muitos oponentes, há uma ladeira escorregadia que começa com lei anti-discriminação e termina com discriminação positiva”, explica Marc Stein, um historiador especializado em questões LGBT, na Universidade Estadual de São Francisco.

De 1994 a 2005, legisladores introduziram o que Keisling descreve como uma “ENDA não-inclusiva”, significando que não protegia pessoas com base na identidade de gênero. Esse foi um obstáculo entre grupos do movimento e legisladores desde o princípio, como alguns afirmaram que um projeto de lei mais estreito seria mais fácil de passar.

Em 2007, o deputado Democrata Barney Frank, um legislador abertamente gay e herói do movimento dos direitos dos homossexuais, introduziu um projeto de lei que, pela primeira vez, incluía identidade de gênero e orientação sexual.

Mas, depois de uma contenciosa audiência envolvendo debates sobre banheiros e códigos de vestir – e uma agitada contagem que aparentemente mostrou que não havia votos suficientes para passar o projeto de lei – ele mudou de curso e introduziu outro, cobrindo apenas orientação sexual, subsequentemente argumentando que “algo [era] melhor que nada”. Muitos grupos defensores se revoltaram. Alguns remexeram em que posição tomar. Os democratas se dividiram. Como Keisling relembra, “o mundo desabou”. Nenhum projeto se tornou lei. Mas daquele ponto em diante, ela diz, o consenso era que igualdade deveria ser igualdade para todos.

No resultado imediato, aquela decisão ajudou a empurrar a luta por uma lei anti-discriminação para mais embaixo na lista de prioridades dos Democratas.

Quando os Democratas varreram a Casa Branca, Senado e a Casa dos Representantes em 2008, os defensores tiveram uma rara janela para promulgar legislação. Foi a primeira vez que eles controlaram todos os três, desde 1994. David Stacy, chefe de assuntos governamentais para a Campanha dos Direitos Humanos, um importante grupo de direitos LGBT, diz que havia dúvidas persistentes sobre ser capaz de passar uma versão da ENDA que incluía identidade de gênero. O caminho mais claro, ele diz, era os Democratas procurarem a revogação de “Não pergunte, não conte”, a lei que proíbe o serviço aberto de gays e lésbicas nas forças armadas.

Stacy diz que enquanto os votos estavam em questão então, “nós temos os votos hoje”. Ele aponta que uma versão da ENDA que incluía ambos orientação sexual e identidade de gênero passou no Senado com apoio bipartidário – incluindo votos “sim” de dez senadores Republicanos – em 2013. Mas os líderes Republicanos, naquela época e agora, foram odiados por trazer não quaisquer projetos de lei focando em avançar nos direitos LGBT.

A natureza da ‘liberdade’

Mesmo se a Lei de Igualdade passasse na Casa e no Senado e o Líder da Maioria Mitch McConnel fosse persuadido para trazer o projeto de lei para votação no Senado, controlado pelos Republicanos, a medida provavelmente encararia audiências contenciosas.

Conforme os transgêneros americanos se tornaram mais visíveis, essa atenção ajudou a reagrupar o apoio para a comunidade. Uma recente pesquisa da organização não partidária PRRI descobriu que 69% dos americanos são a favor de leis que protejam todas as pessoas LGBT de discriminação, incluindo maioria em cada estado.

Mas essa visibilidade também fez deles um alvo, dizem os defensores. Nos anos recentes, “há uma tendência da parte de lideres de pensamento conservador de usar de bode expiatório pessoas transgênero, como tudo o que eles desgostam sobre sociedade contemporânea e liberalismo”, diz Shannon Minter, a diretora legal do Centro Nacional para Direitos das Lésbicas.

Durante um recente debate num comitê da Casa sobre a reautorização da Lei da Violência contra Mulher, os Republicanos se concentraram em tentar remover disposições que foram adicionadas para proteger pessoas transgênero, tais como uma medida que requeria prisões para indivíduos transgênero em instalações que combinem com sua identidade de gênero. Um legislador fez um argumento em que descrevia mulheres transgênero como “machos biológicos”, uma visualização do debate que vai provavelmente acompanhar a consideração da Lei da Igualdade no Congresso.

Nos anos recentes, argumentos sobre liberdade religiosa também foram cobrados em tentativas de escorar as proteções para pessoas LGTB. A administração Trump, por exemplo, tomou partido de um padeiro do Colorado que se recusou a fazer um bolo para um casamento do mesmo sexo, porque ele sentiu que o ato violava suas crenças religiosas. Stein, o professor da Universidade Estadual de São Francisco, nota que enquanto questões como casamento do mesmo sexo e reforma nas forças armadas principalmente são direcionados como “discriminação” pelo governo, projetos de lei como a Lei da Igualdade têm implicações para empresas e corporações em todos os lugares.

Uma longa lista de empresas saiu em apoio à medida, argumentando que qualquer discriminação é ruim para os negócios. Mas o confronto percebido de direitos também provou um grito de guerra para a base socialmente conservadora.

O céu não caiu

Nas décadas passadas, críticos de projetos de lei de não-discriminação também argumentaram que proteções para pessoas LGTB são uma solução “desnecessária”, em busca de um problema, provavelmente para engendrar nada além de frívolas ações judiciais. Grupos de direitos dos LGTB contra-atacam lançando estudos que tentam mostrar a extensão das discriminações que as pessoas encaram. Entre os mais vulneráveis estão as pessoas transgênero. Uma pesquisa descobriu que 30% reportaram maus tratos no local de trabalho, variando de assédio verbal, a serem despedidos por causa de sua identidade de gênero.

Embora nenhuma lei federal explicitamente proíba despedir uma mulher transgênero porque ela é transgênero, há vias de recurso. Vinte e um estados têm leis que proíbem discriminação contra LGBT em emprego e habitação; vinte proíbem também em acomodações públicas. Agências como a Comissão de Oportunidades de Emprego Iguais também tomaram a posição de que esse tratamento é ilegal sob proibições de discriminação sexual. Mas as cortes têm se dividido na questão do que exatamente “sexo” significa na lei federal, e a Suprema Corte ainda tem que resolver o debate.

O fato de que uma colcha de retalhos existe faz tanto mais fácil quanto mais difícil argumentar que a Lei da Igualdade deve passar, diz Stacy da HRC. Por outro lado, faz a mensagem “um pouco mais complicada” sobre o porquê ela é necessária. Apesar de que o projeto de lei traria alastrantes mudanças legais. “Por outro lado, o fato de que essas proteções existem e os céus não caíram é um argumento incrivelmente forte”, ele diz.

Apesar de as pesquisas mostrarem que a maioria dos americanos se opõem à discriminação, Stein questiona o quão precisos esses números são – como as pessoas realmente se sentem, uma vez que o debate começa tocando em questões como identidade política, minorias religiosas, feminismo e liberdade.

“As pessoas podem dizer isso quando perguntadas em termos gerais”, ele escreve em um e-mail, “mas se perguntadas em termos mais específicos, eu não tenho certeza de que isso seja verdade”.

Adaptado do texto de Katy Steinmetz para Time

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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