Por Eugene Dennis (People´s World)
Ao invés disso, os julgamentos da Lei Smith do final dos anos 1940 e 1950 foram na verdade um ataque ao Partido Comunista dos EUA e a movimentos trabalhistas e pacifistas – o pior do Macarthismo e o Medo Vermelho. Muitos dos acusados passaram anos atrás das grades, em conexão com seus esforços de defender a Constituição e a democracia.
Em 2 de agosto de 1948, apenas alguns dias depois das prisões originais dos líderes do Partido Comunista, o Secretário Geral Eugene Dennis se dirigiu a uma multidão de 20.000 pessoas, no Madison Square Garden, na cidade de Nova York. Em seu discurso ele defendeu o Partido Comunista dos EUA, virou o jogo contra os promotores e revelou uma acusação ao capitalismo, imperialismo e fascismo.
Nós reimprimimos trechos de seu discurso aqui, o qual apareceu primeiro no “Daily Worker” e foi depois publicado como parte do livro “Ideas They Cannot Jail”, da International Publishers.
Eu venho diante de vocês essa noite não apenas para defender os vinte líderes do nosso Partido Comunista que foram indiciados em acusações de armação de “defender força e violência” e de “conspirar forçadamente para derrubar o governo dos EUA”.
Eu também venho aqui para acusar os homens dos trustes e seu governo – os defensores e praticantes da força imperialista e violência contra o povo americano e toda humanidade progressista. Em nome da classe trabalhadora americana e seu Partido Comunista de vanguarda, eu acuso que por algum tempo antes do fim da guerra anti-Eixo, as forças de reação de monopólio estavam conspirando para lançar uma ofensiva pós-guerra contra as pessoas comuns da América e do mundo.
Eu acuso que logo depois da morte de Franklin Roosevelt, em 12 de abril de 1945, a administração Truman juntou-se com os Republicanos e a Associação Nacional dos Fabricantes (NAM, na sigla em inglês) como um parceiro completo em sua conspiração criminosa.
Eu acuso, além disso, que no período entre abril de 1945 e julho de 1948, esses conspiradores bipartidários defenderam repetidamente o uso da força; que eles cometeram muitos atos de violência abertos para promover seus objetivos reacionários, em casa e no exterior.
Eu acuso que sua monstruosa armação do nosso Quadro Nacional é uma parte integral se sua conspiração criminosa. Ela tenta usar força legalizada para esmagar o Partido Comunista, os sindicatos, o crescente movimento popular pela paz e o novo Partido Progressista.
Eu acuso que esse último crime foi tramado para avançar a preparação para crimes ainda mais hediondos. E que o principal entre estes é o crime de sujeitar o povo americano a força e violência de uma ditadura fascista, e os povos do mundo a força e violência da guerra atômica.
Eu acuso que a sinistra armação de nosso Quadro Nacional é uma cobertura para o grande furto dos aproveitadores de monopólio e as fraudes gigantescas dos apostadores de comida.
Eu também acuso que essa armação é uma fraude eleitoral, para salvar o Partido Democrata da derrota em novembro, de levar a culpa por suas traições, e para salvar o sistema bipartidário da reação.
Essas são algumas das acusações nas quais nós comunistas encerraremos nosso caso. Nós estamos preparados para prova-lo ao máximo, através de uma série de testemunhas e documentos autênticos.
Nós vamos apresentar uma Lista de Detalhes. Nós vamos enumerar os atos abertos dos monarquistas econômicos tentando derrubar os sindicatos, através da Lei Taft Hartley. Nós vamos detalhar seus esforços repetidos para subverter a Constituição e a Declaração de Direitos. Nós vamos apontar seus atos criminosos contra a paz e soberania de outras nações, cometidos sob a Doutrina Truman de Wall Street e o Plano Marshall.
Nós vamos provar que esses atos separados são partes componentes de um único projeto reacionário. Nós vamos mostrar que eles foram feitos com intenção criminosa para extrair enormes lucros do trabalho de trabalhadores americanos e para acumular enormes lucros super da exploração de nações estrangeiras.
Nós vamos colocar em evidência as declarações incendiárias de fomentadores de guerras como William Bullitt, James Byrnes, William Randolph Hearst, Herbert Hoover e John Foster Dulles. Seu incitamento para lançar bombas atômicas na União Soviética marca-os como defensores do uso da força e da violência para os mais hediondos e criminosos fins imperialistas.
Nós vamos amplamente documentar nossa acusação de que tanto a administração Truman e os Republicanos são partidários dessa defesa criminosa de uma guerra “preventiva”. Nós vamos provar sem sombra de dúvidas que os legisladores bipartidários já são culpados do crime de genocídio – de assassinato em massa – na Grécia, na China, em Israel.
Não há sala de tribunal grande o suficiente para conter as testemunhas que irão depor que a reação usa a mais brutal força e violência contra o povo negro. Eles vão falar por nós em todo o país – em sindicatos e em igrejas, em reuniões gigantes, nos portões das lojas e nas esquinas.
Nós vamos chamar porta-vozes do povo judeu para contar como o antissemitismo da reação americana gera crimes de força e violência.
Nós vamos chamar as viúvas de mineradores de carvão para contar o quanto a ganância por lucro comete assassinatos no subsolo. Nós vamos chamar as mães e as irmãs de grevistas mortos na linha de piquete para identificar os culpados de força e violência anti-trabalhista.
E nós vamos chamar comunistas e não comunistas para testemunhar que a isca vermelha do monopólio incita a violência da multidão contra casas particulares e assembleias públicas do povo, bem como perseguição do governo e lista negra de empregadores.
Dessa plataforma, eu emito nossa convocação. Você que sentiu a força e a violência da opressão capitalista, você que odeia a força e a violência do fascismo e da guerra imperialista – o Partido Comunista chama agora cada um de vocês a se apresentarem-se e darem testemunho verdadeiro no caso do povo contra os trustes.
Nós, os acusadores, entramos no tribunal com as mãos limpas. Um século inteiro de teoria e práticas marxistas refuta todas as calúnias de reação anticomunista comidas pelas traças.
Nós vamos pôr em evidência tudo o que escrevemos e dissemos desde que a Convenção de Emergência, de julho de 1945, reconstituiu nosso Partido Comunista. Acima de tudo, nós vamos deixar nossos atos dizerem como por quase 30 anos nosso Partido tem prestado serviço dedicado para a classe trabalhadora e povo americano.
Sim, nós ajudamos a liderar os milhões de desempregados na década de 1930, quando eles derrubaram os Hoovervilles e lançaram as bases para a Segurança Social. Será que o erudito advogado da firma Wall Sheet de Boom & Bust quer fazer algo com isso – agora que os sintomas de uma nova crise econômica iminente levam os monopolistas a tentar a cura do veneno do fascismo e da guerra?
Sim, nós desempenhamos um papel importante na luta para derrubar a loja aberta e o sistema de espionagem do trabalho e construir o grande movimento trabalhista americano. Será que o advogado erudito para o Injunction Harry quer fazer algo com isso – agora, quando os sindicatos lutam pela vida contra a força e a violência da Lei Taft Harley da NAM?
Nós, comunistas, sempre estivemos na vanguarda da luta para expulsar Jim Crow de nossa terra.
Sim, nós queremos abolir a supremacia branca no Sul e esmagar suas instituições escravocratas – o sistema de cultivo compartilhado e o imposto comunitário. Deixe o procurador geral Clark dizer ao povo negro o que o FBI estava fazendo na East 12th Street, na cidade de Nova York, (sede do Partido Comunista dos EUA), na tarde de 20 de julho, quando a maioria de nós foi presa, enquanto na Stone Mountain e em Birmingham aqueles que praticavam violência de linchamento estavam defendendo a subversão da Declaração de Direitos e conspirando para bloquear sua aplicação por terror de multidão. Porque o FBI não estava quebrando a conspiração da KKK e da Dixiecrat?
Nós, comunistas entramos no tribunal com as bandas limpas de antifascistas e anti-imperialistas. Sim, nós comunistas tiramos sangue fascista na Espanha e em cada frente de batalha da Segunda Guerra Mundial. Mas nossas mãos não estão manchadas com o sangue dos lucros de guerra. Nós nunca apertamos as mãos de um fascista, nem fechamos um acordo com cartelistas.
Nós entramos no tribunal com um recorde incomparável na luta pela segurança nacional e pela paz. Na paz e na guerra, nós sempre defendemos, defendemos agora e vamos sempre defender os verdadeiros interesses do nosso povo e da América. Em solidariedade com a classe trabalhadora de todas as terras, nós apoiamos todos os movimentos de libertação nacional e defendemos a independência nacional e soberania de todas as nações… Nós defendemos as Nações Unidas e procuramos construi-la na base firme da cooperação americana-soviética.
Os conspiradores bipartidários que derrubaram as políticas de paz de Roosevelt agora tentam derrubar a própria paz. Nós comunistas defendemos que o povo americano se una em efetiva ação de massa para frustrar o projeto mau deles.
Nós comunistas entramos no tribunal com as mãos limpas de anticapitalistas, recusando dar ajuda e conforto aos inimigos do trabalho e do povo. A infame Lei Smith, sob a qual nosso Quadro Nacional foi indiciado está nos livros legais desde 1940. Foi colocada lá para paralisar os sindicatos e força-los a uma política antigreve.
Porque nenhum esforço foi feito em qualquer momento, durante os últimos oito anos, para invocar a Lei Smith contra o nosso Partido Comunista? Porque – como até o Procurador Geral admitiu para o Comitê Não Americano da Câmara em abril de 1948, não há fragmentos de evidência para garantir tal acusação.
Nós, comunistas, defendemos a paz, a democracia e o progresso social. Nós defendemos a organização de massa, a ação de massa, e a luta de massa como os instrumentos para conquistar os objetivos do trabalho e do povo. Nós damos um grande valor à ação política. Por isso, apoiamos o novo independente Partido Progressista e lutamos contra o imposto comunitário e outras restrições ao direito do povo de votar. Nós damos um igualmente alto valor na ação econômica da classe trabalhadora. Por isso, nós apoiamos os sindicatos e defendemos a unidade da classe trabalhadora.
Apesar de todas as fábulas e falsidades, nós comunistas não defendemos a força e a violência. Como marxistas, nós nos opomos em princípio ao aventureirismo, ao terror, ao assassinato, às conspirações e aos Golpes de Estado.
Como marxistas, nós sabemos que nenhum sistema social, e muito menos o sistema capitalista, pode ser derrubado por uma conspiração ou por uma minoria. Como Lênin enfatizou: a organização de uma sociedade só pode ser mudada depois que esta sobreviveu à sua utilidade social. E pode ser mudada apenas quando os seres humanos que vivem sob seu sistema acham que ele não é mais suportável, e decidem criar uma nova ordem social. Isso sempre exige que uma maioria da nova e ascendente classe, nos interesses da imensa maioria do povo, lidere a luta por progresso social e mudança básica.
Sempre, e em todos os lugares, está a velha e moribunda classe, que defende e pratica a força e a violência para preservar sua regra obsoleta. Isso fez os monarquistas britânicos buscarem acabar com a classe mercantil revolucionária americana. Assim, a escravocracia procurou impedir a ascensão revolucionária da burguesia industrial americana. Assim, o capitalismo monopolista se transforma em fascismo e guerra imperialista em uma igualmente vã tentativa para parar o avanço da classe trabalhadora americana e seus aliados populares e o progresso social de todos os povos.
Em exercer nosso direito em defender os imediatos e vitais interesses da classe trabalhadora americana e do povo, nós comunistas também exercemos nosso direito alienável de defender a mudança social – o socialismo.
Nós não defendemos a derrubada violenta do governo dos Estados Unidos. Mas nós defendemos o princípio fundamental no qual foi fundado – o direito irrevogável do povo americano à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
Nós defendemos a Declaração de Independência, que declara que “sempre que qualquer forma de governo se torna destrutiva para esses fins, é direito do povo altera-la ou aboli-la, e instituir um novo governo, estabelecendo suas bases em tais princípios e organizando seus poderes em tais formas, para eles parecerem mais prováveis de afetar sua felicidade.”
Eu acuso que o capitalismo monopolista e seu poder de estado estão conspirando para negar a vida, a liberdade e a felicidade do povo americano. Eu acuso que para esse fim eles agora procuram anular e derrubar a Declaração de Independência e a Declaração de Direitos.
Esse, em breve esboço, é o caso que nós comunistas trazemos perante o júri de nossos pares da classe trabalhadora americana.
Não importa o quanto a reação venha da escória da sociedade capitalista. Não importa quais provocações de “espionagem” e outras novas armações, que os monopolistas bipartidários inventem para reforçar sua defesa miserável, nós pretendemos pressionar nossa acusação contra os homens dos trustes – e faze-la ficar.
Nós lembramos o povo americano que aqueles tentaram armar para os Comunistas Alemães pelo incêndio do Reichstag de Hitler foram enforcados pelos seus crimes, pelo Tribunal de Nuremberg. Mas, antes disso acontecer, milhões de vidas foram consumidas no fogo do inferno da Segunda Guerra Mundial. Se os sindicatos e outras organizações de massa do povo americano derramarem sua ira unida sobre o incêndio bipartidário do Reichstag de Truman, eles podem apaga-lo – agora.
Em nome da paz, da democracia e do progresso social, nós comunistas chamamos os trabalhadores e todos os americanos progressistas para juntar-se conosco para realizar essa grande tarefa agora – antes que seja tarde.
Eugene Dennis (1905-61) foi organizador sindical e líder de longa data do Partido Comunista dos EUA. Ele serviu como Secretário-Geral do partido durante o pico da repressão anticomunista da Guerra Fria. Seu nome foi associado com o caso da Suprema Corte de Dennis v. Estados Unidos, uma grande luta legal da era McCarthy para defender a liberdade de expressão e a Primeira Emenda.
Fonte: People´s World
Tradução: Luciana Cristina Ruy
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